II Domingo da Páscoa
Lecionário Comum e Lecionário Católico: Jo 20,19-31; Lc 24,13-49
27 de Abril de 2025
Abrigo Pascal
Jesus ressuscitou! Aleluia! Essa é a maior e mais fundamental proclamação que a fé cristã recebeu: É Páscoa! Traduzimos de forma rápida a palavra “páscoa” por passagem e não está errado. Contudo, é insuficiente para dizer dessa experiência. O verbo “passar” pode indicar “mover-se de um lugar para outro”, “transitar”, “atravessar”: Páscoa é isso e bem mais!
No Êxodo é refeição, proteção e libertação (Ex 12 – 13): Deus orienta o banquete, protege a casa com sangue e encaminha a libertação. “Anunciarás a teu filho neste dia: ‘Isto é pelo que o Senhor fez por mim ao sair do Egito” (Ex 13,8). Os Evangelhos, no contexto da Páscoa de Jesus, vemos novamente refeição, proteção e libertação: Jesus que ceia com seus discípulos (Mc 14,12-26), intercede e protege-os no contexto de sus prisão e, por fim, ele que vence a morte deixando vazio o sepulcro e enchendo a vida dos discípulos de possibilidades.
Desejar “Feliz Páscoa” não é mero cumprimento, mas um compromisso assumido na comunidade de gerar refeição, proteção e libertação: um “abrigo pascal” para que a comunidade consiga viver, mesmo enfrentando todo dia a “morte faraônica” que tentou matar o povo de Deus no Egito; ou a “morte romana” que tentou matar o movimento de Jesus, mas não conseguiu, pois estamos na Páscoa, somos páscoa!
Os Evangelhos do II Domingo da Páscoa nos desafiam a criar e forjar hoje esse abrigo.
Jo 20,19-31; Lc 24,13-49: Abrigo de Paz, Mesa de Vida
Os Evangelhos do II Domingo da Páscoa nos desafiam a criar um lugar, uma casa, um abrigo. Mas que abrigo podemos criar nestes tempos tão desafiadores de intolerâncias, fundamentalismos, violências e medo? No Lecionário Católico, com Jo 20,19-31 encontramos um “abrigo de paz”; no Lecionário Comum, com Lc 24,13-49, evoca a “mesa da vida”.
Abrigo da Paz: Jo 20,19-31 apresenta Jesus Ressuscitado que chega em uma casa de medo e propõe a paz:
- Jo 20,19-21a: da casa do medo ao “abrigo de paz”: a morte é marca muito forte. Ouvimos história de movimentos ou revoluções que terminam quando seus líderes são mortos. Jesus, chegando, aparecendo nesta casa de morte e de medo, testemunha a teimosia da vida: “Vamos insistir mais um pouco!” Por isso, o primeiro dom da ressurreição é a paz. O povo de Jesus chamava de “shalom” e possui múltiplos significados: completude, bem-estar, saúde, segurança. Trazer a paz é criar um abrigo. Os discípulos chamavam de “irene” (ou “eirene”). Vamos chamar “irene” e pedir para ela morar no meio de nossas comunidades assombradas pela violência!
- Jo 20,21b-23: Espírito e missão: Mas para que a paz? Ora, uma noção simples de “abrigo” é de lugar para esconder-se. Parece que esse não é o caso do abrigo da paz criado por Jesus. Pois logo após entregar a paz ele envia a comunidade para a missão: só uma ‘comunidade pacificada’, ou seja, que aprendei a morar com “irene”, pode levar a frente a vida animada pelo Messias-Servo de Nazaré. Tendo a paz como abrigo, a comunidade reacende o Espírito Santo, a Divina Ruah, ou seja, a força criadora de Deus para que possa fazer nossos abrigos de paz: levar “irene” para brincar com as crianças e dar gargalhadas com os mais velhos.
- Jo 20,24-31: “Bem-aventurados os que creram sem terem visto”: mas esse audacioso projeto de paz oferecido por Jesus encontra descrença dentro da comunidade. Certamente, já ouvimos alguém dizer: “Só acredito, vendo!” Tomé é assim. Marcado pela perda e pela dor ele parece não está mais tão convencido das coisas que Jesus falou, ou mesmo do que viu e viveu com ele. Lidamos com projetos tão profundos: justiça, sororidade, fraternidade, respeito, amor… entre outros. Às vezes é preciso acreditar mesmo quando ‘pouco ver’, ou ainda, acreditar sem ver.
Esse Abrigo da Paz é nosso lugar comum de missão. Páscoa é Paz! Assim, a paz é um compromisso inadiável dos seguidores e seguidoras de Jesus para gerar a mesa da vida.
Mesa da vida: Lc 24,13-49 é um episódio bem conhecido do Evangelho de Lucas, os discípulos de Emaús. Esta cena nos coloca no caminho com Jesus ressuscitado e com uma comunidade que está desistindo do projeto de paz e vida do movimento de Jesus. E mais uma vez estamos na casa:
- Lc 24,13-24: o caminho: mais uma vez, Jesus Ressuscitado aparece para uma comunidade; mais uma vez a morte tinha deixado uma marca muito forte. Sequer conseguiam ver a Vida Ressurgida que estava à sua frente. A morte causa cegueira; já a Páscoa, abre os olhos. A pergunta de Jesus é provocativa: “Que palavras são essas que, caminhando, trocais entre vós?” Eles trilhavam uma estrada de frustração e dor. Viram sua esperança ser assassina e isso parecia insuportável: “É o fim! Acabou tudo!” Mas será que precisamos nos entregar aos nossos medos e frustrações?
- Lc 24,25-27: a Palavra: A Palavra e a memória ocupam um lugar central nesta passagem. Não é à toa que Fr. Carlos Mesters chama esse episódio de “o Primeiro Círculo Bíblico”. Usando a Bíblia, fazendo memória, Jesus acende a chama de uma comunidade que parecia não acreditar mais no seu Projeto, muito menos no seu potencial de leva-lo em frente.
- Lc 24,28-49: a mesa: Mas é na casa, novamente na casa, não mais em uma casa de medo, mas em um abrigo de amizade e cumplicidade: foi na mesa! Antes era só desabafo de dor, que também é importante, em certo aspecto; mas agora é entrega e partilha da vida. Ora, foi na mesa que aquela comunidade redescobriu seu projeto: é a mesa da vida. Do caminho para a mesa, da mesa para missão! Mais uma vez, Páscoa é missão! Em Emaús, Páscoa é mesa e missão: “E destas coisas sois vós testemunhas”. Pois somos desafiados pelo Messias-Servo de Nazaré a reacender a chama do projeto de vida de Jesus, partilhar sempre a vida com os irmãos e irmãs e colocar-se em saída: o que ainda faz o nosso coração arder? Talvez o princípio esteja aí!
Ainda insistimos: “Feliz Páscoa!” Ninguém fica dizendo isso no Segundo Domingo da Páscoa, só no Primeiro! Mas, insistimos mesmo assim: “Feliz Páscoa!” Pois nessa saudação inocente tem o nosso desejo como discípulos-missionário do Cruscificado-Ressuscitado, o Senhor-Servo que criar abrigos de paz e mesas de vida!
Márcio Luiz de Oliveira
CEBI Bahia


