Domingo IV do Tempo Comum
Lecionário Comum: Lucas 4,21-30; Lecionário Católico: Lucas 2,22-40
02 de Fevereiro de 2025
Ao colocar uma lupa do texto bíblico para este final de semana, a partir da experiência da comunidade lucana, chamou a minha atenção os verbos da perícope. Lembrei do tempo de estudante lá em Recife, no início dos anos 2000, quando o professor João Luiz Correia Jr. nos convidava a observar o texto a partir dos verbos. “Olhem os verbos!”, ele dizia. E acrescentava: “Junte o primeiro verbo da primeira frase/versículo com o verbo do último versículo”. Lá íamos nós como caçadores dos verbos para encontrar o sentido central do texto bíblico.
Senti-me impulsionado a começar essa reflexão a partir dessa didática. Por isso, tomo a iniciativa de convidar você a olhar esses dois versos que inicia e fecha o texto do Evangelho dominical, versos 21 e 30, do capítulo 4.
“Hoje começou e se cumpriu!” (21), quem sabe, o texto apresente “o já é mas ainda virá a ser!”. Talvez indique relativa contradição: “Como assim, começou e já se cumpriu?” – podemos ainda perguntar. “No mesmo tempo e espaço?”. Fez-me lembrar o texto de 2 Pedro 3, 8 e 9, que apresenta para nós o aspecto atemporal da existência – vida/morte – o sopro que passa rapidamente e a eternidade das lembranças e das memórias, das nossas marcas deixadas por onde passamos e na própria Criação Divina. E assim, de forma bem filosófica, o texto tenta refletir a nossa incompletude, ao mesmo tempo, nossa participação para realidade agora, no mesmo tempo e espaço, o que é justo, profético e urgente.
Lembrem sempre, para a Divindade, um dia é como centenas de anos e mil anos são como um dia. Deus não demora para cumprir o que prometeu, como alguns pensam, achando que há demora; Essa Divindade se enche de paciência, acreditando na recuperação de vocês e na transformação pela conversão. (2 Pe. 3, 8-9).
“Passando pelo meio deles, saiu!” (30), aqui, depois de observação, escuta e interação de Jesus com a gente de suas origens, entendemos – quem sabe? –, um cenário de conflito. Olhe para o miolo do texto, complemente com o texto do domingo passado (Lucas 4:14-21). E assim, nessa confluência de leituras, seja possível chegar ao poema de Gilberto Gil que canta:
Não adianta nem me abandonar
Porque mistério sempre há de pintar por aí
Pessoas até muito mais vão lhe amar
Até muito mais difíceis que eu pra você
Que eu, que dois, que dez, que dez milhões
Todos iguais
Até que nem tanto esotérico assim
Se eu sou algo incompreensível
Meu Deus é mais
Mistério sempre há de pintar por aí!
Citando o poeta Gil, não quero com isso, responder qualquer pergunta, antes, provocá-las. E talvez assim, indicar que nós teríamos ainda hoje a mesma capacidade humana – ou seria desumana? –, de rejeitar Jesus. Aliás, não é assim que estamos vendo cada vez mais? Multidões controladas e dominadas por IAs, por multimilionários, por startups que nos controlam em função de perseguir, acusar, cancelar gente que age como Jesus?
Aqui concluo ou tento concluir. Olhe para nossa Afroameríndiacaribenha e vamos lembrar – você e eu –, quantas de nós foram levadas para o topo da montanha para – de lá –, serem jogadas pelo despenhadeiro, só porque tem a nossa mesma origem? Nascemos nos mesmos territórios, por entre as matas, rios, cidades, por entre as águas.
Vou citar alguns nomes e você, aí onde estiver, complemente com as suas memórias e nomes de pessoas que assim como Jesus não foram compreendidas pela própria gente: Marielle e irmã Dorothy, Chico Mendes e Martin Luther King Jr. – jovens e pessoas mortas pelas religiosidades e pelo Estado. Continue compondo essa lista memorial, no “tempo que já é mas ainda há de vir”.
Agora, convido você para continuar colhendo os verbos, juntando os versos, olhando a vida e os textos bíblicos para este domingo. Continue lendo e relendo o Evangelho de Lucas 4, pegue o primeiro e o último verso, o segundo e o penúltimo, faça um breve desafio a sua leitura, e junte os versos na sequência: 21 com o 30; 22 com o 29; 23 com o 28; 24 com o 27; e teremos o 26, como o centro do texto que diz que a revelação e o sentido da vida/morte, dos mistérios cantados por Gil, foi feita a uma mulher, viúva, pobre e estrangeira. E, por isso, Jesus quase foi morto por sua própria gente.
Izaías Torquato: Teólogo e biblista popular, Cientista da religião, Reverendo anglicano – Paróquia Anglicana São Felipe –, na cidade de Goiânia-GO, Homem de baixa estatura, nordestino-pernambucano, nativo negro-indígena, usa óculos, barba e cabelo curto e crespo.