Reflexão do Evangelho

O Espírito do Senhor está sobre nós para anunciar a Boa Notícia aos pobres

Domingo III do Tempo Comum
Lecionário Comum e Católico: LC 4,14-21
26 de Janeiro de 2025

O texto bíblico de Lc 4,14-21, separado para o 3º domingo do Tempo Comum na Liturgia, está inserido na tradição do Evangelho das Comunidades de Lucas para relatar o início da pregação de Jesus. O episódio da sinagoga de Nazaré é sua pregação inaugural, e mostra um resumo da missão de Jesus como Messias, o ungido de Deus.

É importante, porém que tenhamos presente que esse é um texto da 2ª geração de cristãos e cristãs (70-96 Era comum) e, portanto, está carregado das realidades daquele tempo, bastante desafiadoras. Vejamos:

No ano 64 EC aconteceu uma primeira perseguição aos judeus seguidores de Jesus pelo imperador Nero; já no ano 66 teve início da Guerra Judaica contra os romanos, que foi desembocar na destruição de Jerusalém e do Templo pelos romanos na páscoa do ano 70.

Essa guerra entre judeus e romanos que aconteceu na Palestina significou anos de grande sofrimento para todo o povo. O império romano mobilizou um grande exército para derrotar os grupos de judeus que se organizaram para defender sua terra das imposições e da exploração de Roma.

Durante a guerra muitos judeus deixaram a Palestina, dentre eles muitos judeus-cristãos, ou seja, judeus seguidores de Jesus. Esses grupos se espalharam por todo o mundo já conhecido, que era dominado pelo império romano, se juntando a outros que já viviam fora da Palestina.

De acordo com o nosso amigo Frei Gilvander, as Comunidades do Evangelho de Lucas e de Atos dos Apóstolos – obra lucana – onde está incluído o texto bíblico deste terceiro domingo do tempo comum, eram comunidades com um rosto diferente do rosto das Comunidades dos Evangelhos de Marcos e Mateus (que ficavam na Judeia, na Samaria e na Galileia e viviam numa realidade mais rural).

As Comunidades de Lucas eram predominantemente comunidades urbanas, melhor dizendo, das periferias das grandes cidades. De fato, no livro dos Atos dos Apóstolos, a palavra cidade aparece 42 vezes. A maioria da população vive na condição de escrava e faz todo o trabalho pesado.

Eram Comunidades de pobres com alguns ricos. Há um contraste que aparece, sobretudo, no Evangelho de Lucas: de um lado, os pobres, famintos, perseguidos, aflitos (Lc 6,20-23) e, do outro, os ricos (Lc 12,16-21) que se banqueteiam sem se preocupar com a miséria dos outros (Lc 16,19-31). A Comunidade de Lucas era intransigente em face da opressão econômica e quanto à exigência ética do cristianismo, mas, para fazê-la prevalecer, não se nega ao diálogo cultural e político, a fim de canalizar para o bem a força histórica do mal.

Vale a pena destacar que eram Comunidades nas quais ainda existiam cristãos e cristãs que continuavam ligados às instituições do Império Romano (Lc 7,1-10). A Comunidade de Lucas não tinha a intenção de complicar ainda mais a situação daquelas pessoas que já estavam sendo perseguidas. Por uma tática de sobrevivência, tentavam passar a ideia de que as Comunidades Cristãs não eram revolucionárias ou subversivas. Assim, não cutucavam a onça com vara curta, mas se preparavam para cutucar com vara grande.

Elas possuíam ainda um contexto patriarcal e machista. As mulheres, de uma forma geral, eram desprezadas e marginalizadas na sociedade. Mas no Evangelho de Lucas, Jesus dá prioridade às mulheres, valoriza a presença e atuação delas nas Comunidades e na sociedade em geral.

Além disso, por causa da situação na qual viviam (Lc 24,13-24), eram comunidades que apresentavam pessoas cansadas, medrosas, desanimadas e perdidas. Cristãos e cristãs eram uma minoria perdida no meio de um imenso império, nas periferias das grandes cidades. Apenas alguns milhares no meio de um império com cerca de 60 milhões de pessoas. Talvez por isso que algumas pessoas começavam a abandonar as Comunidades; outras duvidavam que Jesus seria o Salvador. Eram pessoas que tinham dificuldade de acreditar que seria possível viver em fraternidade e, ao mesmo tempo, resistir ao império romano com suas belezas e seduções opressoras.

Mas eram Comunidades com diversidade de dons os quais se articulavam por meio do cimento da solidariedade. Isso é ótimo, pois o Espírito não se deixa encurralar e não aceita ser engaiolado; sopra onde quer, como quer; é livre e liberta.

É neste contexto que vamos refletir o Evangelho deste próximo domingo. O texto coloca a missão de Jesus diretamente ligada à tradição dos profetas que defenderam os pobres de Israel. As promessas do Primeiro Testamento se concretizam no Segundo.

Fazendo uma releitura do texto de Isaías, as Comunidades de Lucas ensinam como é a missão messiânica de Jesus de Nazaré. Os destinatários da “Boa Nova” são claramente definidos: os mais oprimidos pelo sistema de dominação romano-judaico. Esses são os: pobres, cegos, presos…

Superando toda opressão, as Comunidades têm esperança no “Ano da graça do Senhor”. Promessa profética de que Deus libertaria seu povo de todo sofrimento com o envio de um salvador, o Messias.

O episódio situado em Nazaré, demostra que o povo da terra natal de Jesus não acolhe seu discurso e seu projeto salvífico. Esse fato prefigura que a nação judaica não entenderá a proposta de Jesus e o condenará a morte. É a maneira literária de explicitar esse fato histórico.

E nós? Como nos inserimos na liturgia deste 3º domingo do tempo comum? Como a Comunidade de Lucas que viveu todos esses desafios pode nos ajudar a testemunhar o Evangelho em nossos dias de hoje?

Boa meditação e que o Espírito do Senhor nos ilumine e nos acompanhe em nossa missão.

Pe. Manoel David Neto
CEBI-ES

 

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