Caminhante, são teus passos
o caminho e nada mais;
Caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
Ao andar se faz caminho,
e ao voltar a vista atrás
se vê a senda que nunca
se voltará a pisar.
Caminhante, não há caminho,
mas sulcos de escuma ao mar.
Antonio Machado
Poema XXIX
de Provérbios y Cantares
Amadas e amados,
O texto de Mateus e sua comunidade, (5,1-12a), trata das “bem-aventuranças”, e ilustra a Solenidade de “Todas as Santas e Santos de Deus”, que se celebra neste primeiro domingo do mês de novembro. A ideia de bem-aventurado, ou seja, daquelas e daqueles que já caminharam e estão nos Céus, mas ainda animam os que estão “caminhando pelas estradas de Jesus” (Cf. Missal, pp.564). É preciso já lembrar do poeta – “caminhante, não há caminho, faz-se caminho ao andar”. A comunidade de Mateus crê nisso e por isso enfatiza a Jesus caminhante, como o pregador e mestre da justiça. Ele vem da parte de Deus para libertar de todo tipo de opressão, para combater as injustiças do mundo, e também para ser o dispensador do Reino dos Céus, pois se trata da utopia da inclusão, da diversidade e da fraternidade universal. Na lógica do Evangelho, a comunidade diz: o “Reino chegou”, mas denota que Jesus não trabalha sozinho (Mt 4, 12-25). A pregação sobre o Reino é uma forma de espiritualidade encarnada, pois conclama a todas e todos para participação. Para Jesus ninguém deve ficar de fora. Na linguagem popular – cuidado para não ser uma pessoa “beata”, “carola”, “desencarnada”! Não há limites de legalismo no convite de Jesus. Na comunidade de Mateus, por exemplo, a presença e a vocação das mulheres se dá com muito destaque. E elas são mais de 30 no interior dos textos!
No texto deste domingo, são várias e vários os citados nas “bem-aventuranças”: os pobres em espírito (vv.3), os aflitos (vv.4), os mansos (vv.5), os que têm fome e sede de justiça (vv.6), os misericordiosos (vv.7), os puros de coração (vv.8), os que promovem a paz (vv.9) e os que são perseguidos por causa da justiça (vv.10). Como aspecto central desta mensagem, não se pode ficar, como outrora fizeram os discípulos, que olharam para os céus contemplando a ida do Mestre, após a ressurreição (Cf. At 1,11). As Igrejas cristãs trataram sempre a ideia de “bem-aventurado” como aquele que é feliz, que é realizada, realizado, por estarem (já) junto de Deus. No séc. XII, Sto. Tomás de Aquino definiu que os bem aventurados são os que possuem a beatitude, ou seja, os que “contemplam as coisas divinas e já possuem a visão de Deus”. A comunidade lucana também apresenta as “bem-aventuranças” (Lc 6, 20-26) de modo mais sucinto. Contudo, a questão que se põe é – todos os excluídos e sonhadoras e sonhadores, os caminhantes de várias frentes, estão inclusos nas narrativas de Lc e Mt? A resposta é não. Em primeiro lugar, porque não se parte somente dos que já caminharam e estão em Deus. Eles já deram seu testemunho, e não desistiram dos sonhos e das lutas que foram necessárias. Lembramos novamente o poeta – andaram, fizeram o caminho, caminhando! A glória chegou depois do cálice, tal qual Jesus afirmou para os filhos de Zebedeu (Cf. Mt 20, 17-28). Mas, ao voltar ao conceito de “bem-aventurado”, chega-se ao termo makários (makários) que será traduzido aqui por – todas aquelas e aqueles que caminham sem desistir, sem se desesperançar. São todas as pessoas caminhantes que não desanimam. Como vimos na poesia – “caminhante, não há caminho, faz-se caminho ao andar”. Deste modo, assim como o aflito tem consolação e os perseguidos por causa da justiça alcançam o Reino (Mt 5, 4.10), as mulheres adquirirão cada vez mais respeito e dignidade, os de diversas raças e os injustiçados pela cor de sua pele, ou por quaisquer outros motivos serão tratados com mais isonomia e respeito. Os pobres terão casa, comida e terra. E cada indivíduo terá o que procura. Os que farão o caminho, encontrarão o que procurarão! E será assim na medida em que não desistirem de caminhar. Esta e este são os makários de ontem, de hoje e de sempre.
Destaca-se ainda que a fala sobre o Reino é um assunto da “ordem do dia” para as comunidades. É preciso ir ao encontro de Jesus, na sua espiritualidade, conforme o Reino. Todas e todos são bem vindos! Caminhar sem desanimar. Lembremo-nos do que outrora também falou Buda, ou seja, “toda grande caminhada começa com um simples passo”. A caminhada é o rumo da libertação e da justiça. Dado importante antes de encerrar esta reflexão é notar que na primeira bem-aventurança – “as e os” – caminhantes são designados por “pobres em espírito” (Mt 5,3). Partindo de Jesus como eixo de compreensão do Reino de Deus, pode-se dizer que os pobres são os “economicamente fracos e sem posses de bens materiais”, são os simples (nepioi), os pequenos (mikroi), os últimos (eschatoi), os pequeninos (elachystoi), as mulheres (gyné) e os estrangeiros (meteoíkos). De um modo geral são “as e os” oprimidos, esquecidos, sem voz e sem vez! A pobreza é um aporte da pregação sobre o Reino de Deus realizada por Jesus. A sorte do discípulo e da discipula consiste em compartilhar o caminho de Jesus (Mt 8,23-27). Na mística de São Paulo, trata-se de “caminhar numa vida nova” (Rm 6,4). Assim, a “pobreza de espírito” (Mt 5,3) significa, em primeiro lugar, uma atitude de infância espiritual. Trata-se de um reconhecimento de Deus, Pai e Mãe, como amor e, consequentemente, de todos como irmãs e irmãos. Andiamo Via!
Bibliografia utilizada
MACHADO, A. (1912), Campos de Castilla. Parte: “Provérbios y Cantares”, n. XXIX.
MISSAL ROMANO, (2023), Terceira Edição Típica – CNBB; Edição clássica. (Destaque para a Oração Eucarística V, do Congresso de Manaus: “Caminhamos na estrada de Jesus”).
STORNIOLO, I., (1991), Como ler o evangelho de Mateus. O caminho da justiça. São Paulo: Paulus.
TOMÁS DE AQUINO, (2001), Suma Teológica. Trad. Aimom-Marie Roguet et al. São Paulo: Loyola, em especial a IIª/Iª, Tratado da Bem aventurança, q. 2-5, no tocante a beatitude.
Autor: Rodrigo dos Santos
CEBI/SP (Vale do Paraíba e Litoral Norte)