Na memória das Igrejas, o último dia de outubro ficou registrados como aniversário da reforma protestante de Martinho Lutero, a quem, em 1985, o papa João Paulo II, chamou de “mestre comum da fé cristã”. Nesses anos recentes, essa data recorda esforços comuns entre as Igrejas que, juntas, emitem declarações teológicas e pastorais que significam passos de reconciliação e unidade.
Em 1999, a Igreja Católica e a Federação Luterana Mundial emitiram juntas a Declaração na qual afirmam terem a mesma fé no fato da Justificação pela Graça de Deus, um dos pontos mais importantes que ocasionou a divisão em 1517. Outras declarações e documentos comuns têm sido preparados.
Em nossos dias, embora as Igrejas continuem institucionalmente divididas, a divisão mais profunda não opõe mais católicos e luteranos ou pentecostais e sim pessoas que na mesma Igreja se colocam em posturas humanas e políticas extremas. Agora, o desafio é o diálogo entre pessoas que participam de pastorais sociais e do Cristianismo inserido nas lutas pacíficas pela vida e outras que, dentro da mesma Igreja, apoiam a extrema-direita. Essas se restringem às lutas pelos dogmas da moral sexual que os tradicionalistas sustentam em nome de Jesus, embora ele nunca tenha falado desses assuntos da moral sexual.
Nessa sexta-feira, 26 de outubro, no Vaticano, se concluiu a segunda e última sessão do Sínodo da Igreja Católica sobre sinodalidade. O documento final procura ser simpático, mas deixa claro que, ao menos por enquanto, não conseguiram tornar a roda quadrada, ou seja, não conseguiram conciliar a sinodalidade – o caminhar juntos – com o princípio hierárquico da Igreja, ou seja, o poder sagrado do papa e dos bispos, que continuam a atribuir a Jesus de Nazaré que não mereceria essa acusação tão grave, ele que disse claramente: “entre vós, não deve ser assim…”. Como havia eco no lugar, os sequiosos pela hierarquia entenderam: deve ser assim. E o clericalismo começou. Agora será mais difícil distinguir os ministérios como serviços e a hierarquia como poder sagrado. Falam em “conversação espiritual” e diálogo no Espírito, mas no final é o bispo ou o papa que decidem.
Baseado em antigos pastores cristãos, o papa Francisco declarou que a sinodalidade é um modo normal da Igreja ser. Nessa sessão do sínodo, o documento final afirma que a sinodalidade, como processo de conversação e diálogo horizontal pode e deve ser um caminho para o mundo social e político. Se a própria Igreja realmente se converter à sinodalidade estará realizando uma profecia para esse mundo dividido em tantos conflitos e guerras.
Contradições políticas e culturais existem, de um modo ou de outro, em todas as Igrejas. Lutero insistiu que a vocação da Igreja é reformar-se sem cessar. Uma dessas conversões atuais que a realidade atual pede das Igrejas e das religiões é aceitar o pluralismo cultural e religioso, vigente no mundo, não como mal inevitável, mas como riqueza suscitada pelo Espírito Divino. Todas as Igrejas contêm profundos valores, mas como tudo o que é humano, também apresentam seus pecados. A diversidade das culturas faz com que cada uma sempre possa aprender com as outras, assim como o Cristianismo é chamado a se enriquecer no diálogo com as outras religiões e com pessoas e grupos que não optam por nenhuma tradição religiosa. Hoje, um desafio para todas as Igrejas é abrir-se cultural e teologicamente para expressões da fé não necessariamente ocidentais e tradicionais.
Graças a Deus, o Brasil não é um país católico, nem evangélico, ou muçulmano. É e deve ser sempre um Estado leigo, com a missão de coordenar a convivência pluralista e respeitosa de todos os cidadãos e cidadãs, crentes das mais diversas tradições espirituais e outros que creem na vida e na dignidade humana.
Se as Igrejas aceitam conviver com a diversidade e mesmo com as divergências inevitáveis que surgem nas comunidades, elas poderão ouvir melhor o Espírito Divino que fala através das profecias e serão de forma mais profunda sinais de um mundo mais justo, fraterno e de paz.
[1] – MARCELO BARROS é monge beneditino e escritor. Tem 65 livros publicados, dos quais será publicado nesse mês de novembro o mais recente: “Deslumbramentos nos encontros e desencontros da vida” (Marcas das amizades em minha história). Ed. Recriar, 2024.