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CEBI na Minha Vida – Odja Barros

Nesta memória dos 45 anos do CEBI, quero fazer em forma de testemunho, relembrando o primeiro texto que escrevi para o CEBI no ano de 2005. Foi um texto para relatar sobre minha experiência como parte da segunda turma do DABAR (Curso de Especialização em Assessoria Bíblica). Texto que hoje pode ser aplicado a toda minha experiência com a Leitura Popular da Bíblia.  

O texto de 2005, se inspirou em Isaías 54:1-2: Canta alegremente, ó estéril, que não deste à luz; rompe em cântico, e exclama com alegria, tu que não tiveste dores de parto; porque mais são os filhos da mulher solitária, do que os filhos da casada, diz o SENHOR. Amplia o lugar da tua tenda, e estendam-se as cortinas das tuas habitações; não o impeças; alonga as tuas cordas, e fixa bem as tuas estacas”: 

“DABAR: Alargando a Minha  Tenda” – Lendo este texto lembrei de quando fiquei grávida pela primeira vez. Olhava para o espelho, a cada semana, e me assustava com as mudanças que ocorriam no meu corpo. Os quadris se alargando, sentia o útero se estender e a barriga esticava até não ter mais umbigo. Esse processo, é por vezes doloroso e estranho, principalmente para quem está vivendo a primeira gravidez. Como é rápida a transformação do corpo, que se amplia para ceder espaço para o novo ser, que cresce e se desenvolve dentro de nós!  Já faz algum tempo que passei por esta experiencia pela primeira vez. Mas, desde que iniciei o DABAR, tenho revivido as sensações de uma gravidez. Embora seja uma gravidez bem diferente, tem requerido de mim capacidade de alargar, estender e esticar meus espaços físicos, intelectuais, teológicos, litúrgicos…É exatamente assim que me sinto depois de concluir mais uma etapa do DABAR. Alargando, estendendo esticando. Cedendo espaço para tudo de novo que se apresenta diante de mim. São lugares, pessoas, ideias, conceitos, teologias, metodologias, liturgias. Tudo isso representa o novo que está sendo gerado, e, ao mesmo tempo que me amedronta, também me desafia e me faz sentir como uma mulher em período fértil pronta para gerar vida dentro de mim. Sei que a gravidez está apenas no começo e que o trabalho de parto é doloroso. Mas, também já imagino os gritos de alegria pela bela criança que haverá de nascer!” (PTP, n.150, Ano 25, 2005).

“Alargando a Minhas Tenda” resume a experiência provocada pelo encontro com a Leitura Popular da Bíblia.  Toda minha trajetória pastoral e de formação foi alargada, esticada e expandida. Por isso, a imagem potente de Isaias 54 é a melhor maneira de traduzir o que significa o impacto da caminhada de 45 anos do movimento de  Leitura Popular da Bíblia no Brasil através do CEBI, para tantas pessoas,   grupos, comunidades que se encontram com esse jeito transformador e revolucionário de ler a Bíblia. 

“Alargar as Tendas” foi a insistência da profecia de Isaias durante um momento de crise vivido pelo povo exilado. A imagem poética e profética do corpo das mulheres inspirou essa mensagem.  Corpo que se alarga para gerar o movimento criador da vida e da profecia. Alargar,  estender, esticar são verbos que traduzem o movimento  de expansão que o grupo de Isaías apontava como caminho para que o novo pudesse acontecer na vida do povo , enquanto outros grupos apontavam para o fechamento ou encurtamento das tendas.

Oriunda de uma tradição batista, que muito embora, de modo geral,  assume o princípio do “livre exame das Escrituras” como um distintivo histórico, é possível afirmar que as grandes linhas interpretativas da Bíblia já estão dadas para a maioria das comunidades batistas em moldes literais e patriarcais. A despeito disso, é inegável que a Bíblia ocupe um lugar de centralidade na vida dessas comunidades. No entanto, pode-se afirmar que a apropriação da Bíblia aí se faz recorrentemente de modo individualista e literalista , e por pedagogias estáticas, impositivas, verticais e não-participativas. De outra maneira, a Bíblia é quase sempre associada a problemas meramente espirituais sem  relacionar com a vida e a realidade. Desta forma, a cultura patriarcal na qual a Bíblia foi produzida, além de “naturalizar-se” por intermédio da hermenêutica literalista, é projetada como modo de ver o mundo e as relações. 

É a caminhada ecumênica e o contato com a Leitura Popular da Bíblia do CEBI que me redireciona, e juntamente comigo, redireciona a comunidade de fé onde sou pastora há 30 anos. A Leitura Popular da Bíblia foi fundamental no  processo de revisão das práticas pedagógicas  de ensino da Bíblia na comunidade, assim como para uma atenção especial às questões de gênero suscitadas por essa nova orientação hermenêutica.

Neste encontro com a LPB não apenas o meu modo de ler e  interpretar a Bíblia foi “alargado”, mas, toda minha trajetória pessoal e liderança pastoral foram esticadas e expandidas, abrindo caminho para uma nova experiência de hermenêutica bíblica comunitária, possibilitando  mudanças significativas na práxis comunitária desta comunidade de fé de tradição batista.  

Considerando que o significado patriarcal ou libertador dos textos bíblicos é construído pela comunidade de fé de acordo com a maneira como ler, interpreta e transmite o texto, foi de fundamental  importância a introdução da Leitura Popular da Bíblia na prática comunitária da Igreja Batista do Pinheiro, rompendo com a hermenêutica literalista da Bíblia e a reprodução da cultura patriarcal, ambas relacionadas às raízes fundamentalistas da tradição batista no Brasil. 

Por isso, revistar o texto escrito no início da caminhada com o CEBI, há quase vinte anos, contemplando tudo que decorreu deste encontro, me faz celebrar com alegria de uma mulher estéril que deu a luz!

Foi Carlos Mesters que, há muitos anos, apelidou a Bíblia de “flor sem defesa”, bela, singela, capaz de aromatizar a vida, a Bíblia pode ser instrumentalizada em função de projetos completamente antagônicos. Como flor sem defesa, ela pode instrumentalizar o ódio no lugar do amor, o poder no lugar do serviço, a opressão no lugar da libertação. Portanto, ter encontrado a Leitura Popular da Bíblia não apenas “alargou minhas tendas” como me fez, juntamente com minha comunidade de fé, desfrutar do aroma de uma leitura da Bíblia que produz  amor, beleza, relações justas, dignidade humana e vida plena para tudo que é vivo!

Que o CEBI prossiga sua caminhada como semeadora da Leitura Popular da Bíblia no Brasil “Alargando Tendas”!

Odja Barros
Pastora Batista 

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