“Devias então ter dado o meu dinheiro aos banqueiros e, quando eu viesse, receberia o meu com os juros” (Mt 25,27).
Trabalhador e trabalhadora que se prezem não aceitam parábola do patrão bom ou justo, simplesmente porque sabem que, na vida real, essa persona não existe. Todavia, é assim que, ao interpretar a parábola de hoje, alguns pastores costumam apresentá-la: como a parábola do patrão justo. Mas será que é assim mesmo? E é isso que importa?
O texto está inserido quase no fim de um contexto maior, que são os capítulos 24 e 25 de Mateus. Eles tratam do grande discurso escatológico de Jesus, pouco antes dos acontecimentos que levaram à sua Paixão, Morte e Ressurreição (Mt 26-28). Resumidamente, são alertas sobre uma grande tribulação acompanhados de parábolas sobre a importância de estar atento aos sinais dos tempos. O conjunto nos leva a crer que devemos nos preparar para a ressurreição junto com Jesus. Mas Mt 25,14-30 tem um diferencial. O que é estar preparado, do ponto de vista de um empregador?
Basicamente, o texto mostra como seria o Céu se Deus fosse a encarnação do capitalismo. Olha o que diz o terceiro servo: “Senhor, eu te conheço, sei que és um homem severo, que colhes onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste. Eu, com medo, escondi na terra o teu talento; aqui tens o que é teu.” (vv. 24-25). E o patrão nega? Não! Pelo contrário, dobra a aposta: “Servo mau e preguiçoso, se sabia disso, por que não fez uma poupança com meu dinheiro? Isso me renderia, ao menos, algum jurinho.” (vv. 26-27). O homem foi viajar, pelo amor de Deus! Mas preguiçoso era o trabalhador, que ficou com o compromisso de cuidar do que não era dele. E porque não fez render o que era do patrão, o que aconteceu com ele? Foi lançado nas trevas, onde há choro e ranger de dentes (v. 30).
É como na fábula do lobo mau e dos três porquinhos. Nela, o lobo é declaradamente mau. E por quê? Porque a história é contada do ponto de vista dos porquinhos (os oprimidos). E em Mateus? São três servos. E o patrão é declarado ladrão (colhe onde não semeia, ajunta onde não espalha). Mas tem gente que tenta, a todo custo, justificar que o senhor só está sendo justo, que não está cobrando nada fora do que foi combinado (em que momento foi dito que eles deveriam fazer os talentos renderem?), quando, na verdade, a explicação é muito mais simples. Observem como age um ladrão.
Voltando ao contexto maior, dos capítulos 24 e 25, a palavra de ordem é “vigiai”. Ou seja, fiquem atentos. Ao retornar, o patrão obviamente tomaria providências. Ele não ficaria parado, sem cobrar que as engrenagens do sistema cumprissem seu propósito: enriquecer o patrão. E no sistema, na lógica do Reino? Qual é a função das engrenagens? Aliás, somos máquinas-engrenagens ou somos gente? Qual é o nosso propósito? Será que acreditamos num Deus que, quando voltar, cobrará resultados? Ou o nosso Deus caminha conosco e nos pede o amor sem medida, o amor que pergunta por que até o pouco que uns tinham foi parar nas mãos dos que tinham mais? O porquinho que fez a casa de tijolos foi o mais prudente, mas não hesitou em acolher seus irmãos para, juntos, derrotar o lobo mau. E nós, o que faremos?
José Luiz Possato Jr.
CEBI-RS