Por Itacir Brassiani msf
Na solenidade litúrgica de todos os santos e santas, recordamos que a verdadeira santidade se manifesta na vida das pessoas que vão além do estreito limite dos seus próprios interesses e se aproximam solidariamente dos ‘últimos’ da escala social; que vão aos rincões mais distantes para levar a bandeira da paz; que são movidas por uma insaciável sede de justiça; que choram as dores dos povos de todas as cores e provam o fel da violência e da perseguição; que transformam a terra pela mansidão.
Esta solenidade faz memória dos santos e santas esquecidos, daqueles/as que não têm um dia especial, nem um nome conhecido, que gastaram a vida no anonimato e cujos milagres não cabem nas estreitas regras canônicas; de gente como Sepé Tiaraju, Padre Cícero, Frei Tito, e Ir. Dorothy; e mesmo de gente que não rezou pelo nosso catecismo, como Lutero, Luther King, Gandhi, Mandela, Betinho e tantos outros. Celebramos hoje a memória daqueles que nos antecederam na fé e cujo testemunho mantém a Igreja no caminho certo.
Mas a celebração de todos os santos e santas não olha somente para o passado. É também uma oportunidade e uma provocação para refletirmos sobre a vocação fundamental de todos os cristãos. É verdade que a santidade é um caminho estreito e uma vocação exigente, mas isso não significa que seja reservada a alguns grupos especiais de cristãos. Há mais de 50 anos o Concílio Vaticano II proclama de forma clara e inequívoca, contra a ideia então predominante nas Igrejas, que a santidade não é privilégio dos sacerdotes e religiosos. Muito antes, a história já havia comprovado o que foi proclamado solenemente.
Na passagem do milênio, o hoje santo João Paulo II nos provocava a não contentarmo-nos com pequenas medidas, com voos rasantes e ideais nanicos, e pedia que aspirássemos nada menos e nada mais que a santidade. Esta vocação que é de todos/as precisa se transformar em desejo pessoal e em decisões e ações concretas. Como diz São João, nós somos chamados filhos e filhas de Deus e já o somos desde agora, mas o desafio é crescer na identificação com Jesus Cristo, gravar no corpo e na mente as marcas de Jesus Cristo. “Seremos semelhantes a ele…” E isso deve ser mais que um simples sentimento ou uma descabida presunção!
Jesus Cristo é o verdadeiro e perfeito santo de Deus e, ao mesmo tempo, o caminho para a santidade. Não há santidade à margem do seguimento de Jesus Cristo, mesmo que tal seguimento seja implícito. Trata-se então de refazer o caminho prático trilhado por Jesus: “amar como Jesus amou; sonhar como Jesus sonhou; pensar como Jesus pensou; viver como Jesus viveu; sentir como Jesus sentia…” Este é o caminho para que, no meio ou no fim do dia, e no meio ou no fim da vida, sejamos felizes, alcancemos a plenitude. Este é o caminho percorrido pelo próprio Jesus Cristo, expresso programaticamente nas bem-aventuranças.
A bela mensagem das bem-aventuranças apresenta os sinais que indicam claramente o caminho da santidade. Jesus não fala de oito grupos específicos de pessoas, mas de oito características daqueles que percorrem este caminho. Esta via sagrada começa com a pobreza e termina com a perseguição, que não representa um obstáculo, pois o Reino de Deus é antes de tudo dos pobres e dos perseguidos. A consolação é para os aflitos, a terra é para os mansos, a saciedade é para os famintos, a misericórdia é para os compassivos, a visão de Deus é para os puros e a filiação divina é para os promotores da paz.
Passa longe do Evangelho uma santidade que reduzida a práticas de piedade ou a um moralismo vazio e escrupuloso. Está distante da essência humana uma felicidade baseada no sucesso pessoal, indiferente à sorte dos semelhantes. As pessoas que se vestem de branco e trazem palmas nas mãos são aquelas que vieram da grande tribulação, que lavaram suas vestes no sangue do Cordeiro, que encarnaram o Evangelho no mundo e na própria vida. Felicidade não significa ausência de dificuldades, mas realização plena e profunda do ser humano. Mais que perfeição moral, santidade é perseverança no amor e no serviço.
Deus pai e mãe, fonte de toda santidade, dá-nos a graça de permanecermos sempre de pé diante do teu Filho, rodeados/as pela nuvem de testemunhas anônimas oriundas de todas as nações, tribos, raças, línguas e gêneros. Ajuda-nos a superar a tentação de separar, catalogar e hierarquizar católicos e evangélicos, cristãos e não-cristãos, homens e mulheres. Fica conosco e caminha à nossa frente, para que estejamos sempre prontos/as a amar e servir. Que a inexplicável alegria em meio às intermináveis lutas seja nossa arma e nosso triunfo. E então estaremos vivendo em comunhão com aqueles/as que louvam no céu e na terra. Assim seja! Amém!