Reflexão do Evangelho

25º domingo do tempo comum – Ano B – O seguimento a Jesus exige tomada de posição

“As luzes que a liturgia da palavra deste 25º domingo comum acende para nós são de mudança de paradigma, significa entender que o poder sobre as outras pessoas é movido por sentimentos que levam a exaustão (morte) de tudo o que vive, enquanto o poder para (o serviço) gera vida e ressureição”.

A reflexão é de Sílvia Souza, biblista popular, membro do Conselho Nacional do Centro de estudos Bíblicos – CEBI.

 

 

Leituras do Dia
1ª Leitura – Sb 2,12.17-20
Salmo – Sl 53,3-4.5.6.8 (R. 6b)
2ª Leitura – Tg 3,16-4,3
Evangelho – Mc 9,30-37

 

Gente amada, paz e bem!

 

Nestes dias, em um encontro onde conversámos sobre as mulheres no novo testamento, nos perguntamos: qual era a motivação para as muitas discriminações e opressões sofridas pelas mulheres e por tantas outras categorias sociais, tais como pessoas negras, indígenas, comunidades LGBTQIA+? Por que as crianças, as pessoas idosas são invisibilizadas em nossa sociedade? Por que pessoas são capazes de cometer fraudes com dinheiro destinado a salvar vidas, a exemplo dos desvios de insumos para o combate a pandêmica da COVID 19?

 

Nas leituras deste 25º domingo a experiência profunda com o Deus da vida, do êxodo, da libertação vai nos ajudando a encontrar respostas. E, para além das respostas, luzes no meio deste túnel que é viver num sistema que promove toda sorte de injustiças.

 

Na leitura do trecho do livro da Sabedoria, vemos que existem (no mínimo) dois grandes grupos em antagonismo: os ímpios, armando ciladas e os justos clamando a Deus. Ora, sabemos que este texto vai responder a uma teologia da retribuição, que justifica a riqueza como graça e a pobreza como maldição. Portanto, o sofrimento seria resultado do distanciamento de Deus, em suma do pecado. Porém, a comunidade que traduz sua dor e sofrimento no livro da Sabedoria vai fazer uma denúncia: o sofrimento do justo é resultado das armadilhas e tramas construídas pelos ímpios. As pessoas de má fé são responsáveis pelas ofensas e torturas imputadas ao povo que sofre. Na perícope do livro da Sabedoria que lemos hoje, vê-se claramente que os ímpios, ferindo de morte os justos, desafiam-nos a manter a fé.

 

“Vamos pô-lo à prova com ofensas e torturas,
para ver a sua serenidade
e provar a sua paciência” (Sb 2,19)

 

No entanto, a opressão ao povo também é tratada como um desafio a intervenção de Deus na história do povo.

 

“Vamos condená-lo à morte vergonhosa,
porque, de acordo com suas palavras,
virá alguém em seu socorro” (Sb 2,20).

 

Desse modo, o profetismo do livro da Sabedoria vai denunciando que a situação de sofrimento e opressão do povo não é de responsabilidade exclusivamente dele e sim daqueles que lhes impõem duras penas e que estes não podem falar em nome de Deus, pois O desafiam e desrespeitam no corpo do povo.

 

A memória do canto litúrgico no Salmo 53, que também estamos lendo neste domingo, em que pese o distanciamento temporal do livro da Sabedoria, vai dialogar pela visão da fé, com o justo que sofre. Ali se faz uma prece por salvamento e justiça, pois “orgulhosos e violentos” perseguem a pessoa injustiçada que se confia em Deus para livrá-la. Aqui também se percebe a ausência de Deus na condução da vida das pessoas perseguidoras pois o salmista vai dizer que não há lugar para Deus aos olhos dos violentos. A experiência com Deus é incompatível com a perseguição, a violência e a matança de pessoas. Ontem, hoje e sempre.

 

Olhando para os textos dos Livros da Sabedoria e dos Salmos, luzes vão se acendendo, e começamos a enxergar que a dor e o sofrimento têm sua origem, não na vontade de Deus ou no pecado do povo, mas na determinação de pessoas ímpias, injustas, desonestas, cruéis. As quais até podem dizer que falam em nome da religião, mas, como nos diz o salmo, não há lugar para Deus em seus olhos.

 

Porém, o que leva pessoas a agirem assim? A carta de Tiago, que é toda ela uma denúncia contra a opressão e que vai dedicar todo o capítulo 2 em defesa das pessoas pobres; é uma exortação as obras de compaixão movidas pela fé. No trecho que lemos hoje, vai nos dizer que a inveja e a rivalidade estão na raiz de toda espécie de obra má. A comunidade que escreve a carta de Tiago, possivelmente no final do século I e começo do II, vê uma Eclésia que se afasta das origens do movimento de Jesus e vai denunciar que as guerras e brigas são frutos das paixões e cobiças. Aquela comunidade vai alertar que estes sentimentos (rivalidade, inveja, cobiça, paixões desenfreadas) não trazem o êxito verdadeiro.

 

Neste ponto, me vem um pensamento que me obrigo a partilhar: aqueles que movidos por todos estes sentimentos estão desmatando e destruindo as nossas reservas naturais, no Brasil e no mundo, estão defendendo o marco temporal para demarcação das terras indígenas, estão colhendo aquecimento global, secas e enchentes. No dizer da carta de Tiago, fazem guerras e produzem desentendimentos, mas não conseguem possuir. Infelizmente, as consequências são maiores para os pobres, aqui, mais uma vez, o sofrimento das pessoas em situação de vulnerabilidade é responsabilidade dos poderosos, que estão no comando da economia e na política.

 

O trecho que lemos da carta de Tiago vai terminar com uma sentença:

 

“Pedis, sim, mas não recebeis,
porque pedis mal.
Pois só quereis esbanjar o pedido nos vossos prazeres.” (Tg 4,3)

 

Então, as luzes que vão se acendendo nos fazem ver as paredes que formam o túnel, aí estão grupos de ímpios, opressores, injustos, movidos por inveja, rivalidade, cobiça, se perpetuando insaciavelmente, porque sempre querem mais do que conseguem, porque são esbanjadores e nunca estão satisfeitos.

 

Neste convite para olharmos as paredes do nosso túnel imaginário (porém bem real), buscando respostas para as discriminações e opressões sofridas por tanta gente, é possível que vejamos pessoas de nossas comunidades, gente das nossas igrejas, nossas lideranças, discutindo sobre quem é maior. Foi exatamente isto que Jesus viu, no texto do Evangelho de Marcos 9,30-37, que lemos neste 25º domingo do tempo comum. Jesus está atravessando a Galileia, ensinando aos seus discípulos. Um ensinamento, aparentemente estranho para um Messias.

 

Primeiro, ele assume sua humanidade profunda quando diz: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão” (Mc 9,31). Como assim? Então o mestre, a esperança do povo de Israel é filho do homem (expressão que quer dizer humano, pertencente a humanidade)? E, pior terá uma morte desonrosa (lembremos que morte honrosa, naquela tradição, seria de causas naturais e na velhice).

 

Segundo, ele reafirma sua condição divina, quando anuncia sua ressureição (Mas, três dias após sua morte, ele ressuscitará’. 9,31c). Morte e ressureição são dois temas difíceis de entender, para os discípulos e também para nós.

 

O Monge Marcelo Barros, no livro Conversa com o Evangelho de Marcos, vai dizer que ninguém pode garantir que seja histórico que Jesus tenha falado de sua morte, antes dela acontecer. É possível que a comunidade tenha feito esta reflexão, considerando a necessidade de explicar as pessoas da época (após quase 50 anos, nas décadas de 70-80 d.C) que mesmo a cruz pode entrar no projeto divino.

 

Fato é que alguém que vivia como Jesus e tinha uma postura contrária aos poderes estabelecidos, vivia à sombra da cruz. Vez que as crucificações de pessoas consideradas marginais (estavam à margem das normas estabelecidas pelos donos da política e da religião), eram comuns. De qualquer forma, o texto nos diz que Jesus fala de sofrimento e morte, mas também de vencer a morte, no entanto ao que percebemos a partir dos versículos que seguem, os discípulos não estavam muito atentos a este ensinamento.

“Eles chegaram a Cafarnaum.
Estando em casa, Jesus perguntou-lhes:
‘O que discutíeis pelo caminho?’
Eles, porém, ficaram calados,
pois pelo caminho tinham discutido quem era o maior.” (Mc 9, 33-34)

 

Os discípulos estão escolhendo compor as paredes do túnel que impedem a entrada da luz, eles discutem quem é o maior, estão preocupados com as suas paixões e construindo rivalidade entre eles. E nós, como estamos agindo, diante de Jesus que morre em nossas comunidades, em nosso país e no mundo? Estamos buscando caminhos de ressureição para toda a humanidade ou de poder para algumas pessoas?

 

Jesus aponta o caminho: é necessário ser a última pessoa, ser aquela que serve, que acolhe.

 

“Em seguida, pegou uma criança, colocou-a no meio deles,
e abraçando-a disse:
Quem acolher em meu nome uma destas crianças,
é a mim que estará acolhendo.
E quem me acolher, está acolhendo, não a mim,
mas àquele que me enviou.”(Mc 9, 36-37)

 

Fico pensando que acolher uma criança tem muitos significados, dentre eles, o cuidado com as pessoas vulneráveis, invisibilizadas, em situação de dependência econômica, emocional, física e mental, e, também no sentido de acolher em si (dentro de cada qual de nós) a simplicidade, a despretensão, a condição de entrega de uma criança.

 

As luzes que a liturgia da palavra deste 25º domingo comum acende para nós são de mudança de paradigma, significa entender que o poder sobre as outras pessoas é movido por sentimentos que levam a exaustão (morte) de tudo o que vive, enquanto o poder para (o serviço) gera vida e ressureição.

 

Fonte: Portal do Instituto Humanitas-Unisinos/Adital 

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