Encontramos a pastora batista Lidia Maggi, teóloga conhecida pelo seu compromisso no campo ecumênico, e que também exerce o seu ministério em Varese, na Itália. O foco da conversa é o papel da mulher na vida social e da Igreja.
Leia a entrevista. Boa reflexão!
Poderíamos definir Catarina de Bora, a monja cisterciense que se converteu junto com outras oito companheiras ao protestantismo e que, depois, se tornou esposa de Martinho Lutero, como a primeira sufragista da história moderna? Em outras palavras, o que significou o advento da Reforma na vida cotidiana das mulheres?
A Reforma, dentro da Igreja, redescobre o primado da palavra de Deus, chegando a colocar no centro da fé a relação com a Escritura. E ela faz isso em um contexto em que a educação era privilégio de poucos, acima de tudo homens e ricos. Exortar, encorajar e promover a alfabetização das pessoas, a fim de permitir que cada crente leia e estude a Bíblia, foi uma verdadeira revolução cultural, da qual as mulheres também se beneficiaram. Encorajadas a aprender a escrever, ler, memorizar parágrafos inteiros da Bíblia, as mulheres, mesmo as mais simples, são arrancadas da ignorância. A memória da necessidade de educar homens e mulheres nas Igrejas, para lhes permitir investigar pessoalmente as Escrituras, está conservada no modo pelo qual ainda hoje são chamados os encontros de formação bíblica para crianças, adolescentes e adultos: “Escola Dominical”, expressão que pode criar algum desconforto para meninos e meninas que têm medo de ir para a escola também aos domingos… Expressão mantida, porém, até para não esquecer a contribuição das Igrejas reformadas na alfabetização de todos, sem discriminação de gênero.
“A mulher deve aprender em silêncio, em plena submissão” (1Timóteo 2, 11): muitas vezes, faz-se referência a essa passagem para defender uma suposta misoginia da Bíblia. Nela, no entanto, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, o papel das mulheres é muito mais complexo. Que leitura é feita pelo mundo evangélico da relação entre a Bíblia e as mulheres? A Bíblia das mulheres é apenas um título da editora Claudiana ou algo mais? Quem são as mulheres de Deus?
Há uma singular semelhança entre aquilo que aconteceu com a Escritura e a história das mulheres dentro das Igrejas. Uma condição análoga a une, para o bem ou para o mal. Assim como se passou de uma Igreja primitiva, em que encontravam expressão uma pluralidade de ministérios e de dons que envolviam homens e mulheres, a uma organização eclesial em que os ministérios foram centralizados e as mulheres cada vez mais marginalizadas, assim também a Escritura viveu a mesma parábola. De Palavra entregue a uma comunidade totalmente profética, ela se tornou um livro sequestrado, Palavra em exílio. Há apenas poucas décadas, antes do Concílio Vaticano II, para muitos católicos, a Bíblia era considerada o livro dos protestantes, que não devia ser lida sem permissão e mediação magisterial. Portanto, mulheres e Escritura, unidas em uma história análoga de redução ao silêncio, passaram da liberdade evangélica à suspeita eclesiástica. Tal problema também diz respeito às Igrejas de tradição reformada que, embora tendo colocado no centro da fé a Palavra atestada na Bíblia, nem sempre a honraram no modo de lê-la e de interpretá-la.
Honestidade diante da Bíblia
O mundo evangélico, de fato, é um mundo habitado por sensibilidades diferentes: há Igrejas em que as mulheres foram acolhidas e reconhecidas na sua ministerialidade; e Igrejas em que elas, assim como no mundo católico, lutam para se fazerem ouvir. Se bastou colocar a Bíblia no centro para arrancar uma comunidade do analfabetismo, não é suficiente lê-la e interpretá-la para dar novamente voz às mulheres. Devemos nos perguntar “como” a lemos. Como passar de uma leitura que nos confirma nas nossas certezas (os famosos dicta probantia medievais) a uma autêntica escuta, capaz de mudar e converter os nossos olhares. Apenas se sairmos de julgamentos precipitados e de leituras ideológicas, poderemos tentar dar crédito à Escritura, sem, com isso, renunciar à honestidade intelectual. Começaremos a fazer as contas com um livro que, em diversas ocasiões e com uma ironia convincente, reivindica que lhe sejam restituídas as características do próprio rosto. Uma recriminação à qual as mulheres não podem permanecer indiferentes. Porque, até agora, o rosto da Escritura foi substituído por uma caricatura dela: uma distorção, cujos traços femininos foram silenciados, e os traços masculinos foram enfatizados, exasperados.
Chegou a hora de abrir esse livro e de escutá-lo para além das interpretações seculares (é impossível pulá-las e, ao mesmo tempo, é letal não contextualizá-las, não colocá-las em tensão entre si), em busca do rosto ou, melhor, dos rostos desse livro no plural. Assim, descobriremos que as mulheres, na Bíblia, embora se movendo em um contexto patriarcal, vivem um forte protagonismo. Não é por acaso que alguns livros bíblicos são dedicados a figuras femininas (Rute, Ester, mas também o mais belo canto de amor: o Cântico dos Cânticos). O mundo bíblico não é um universo ideal, fora da história, quase como uma ilha feliz.
A Bíblia tem a pretensão de atravessar a realidade sem calar as suas contradições, as feridas infligidas à criação. Ela não remove nada, e põe tudo em questão. O domínio masculino sobre as mulheres é uma das problemáticas abordadas com corajoso realismo. Aquele que vem para redimir o mundo forma uma comunidade diferente em relação aos valores do mundo, em cujo centro estão os últimos. Ele exorta a não se adequar aos critérios mundanos de competição e poder: “Não seja assim entre vocês”. A Igreja, no seu momento de surgimento, foi capaz de recolher essa visão e de vivê-la. As mulheres foram acolhidas como discípulas, apóstolas, profetisas, assim como os homens.
- Livros sobre Leitura Feminista da Bíblia
A resistência de Rute e das mulheres
Em Memória Delas
Querida Ivone: amorosas cartas de teologia & feminismo
As mulheres e o patriarcado nas comunidades paulinas
As mulheres tomam a palavra
A história de Dina e de outras mulheres em Gn. 12-38
Mulheres – resistência e luta em defesa da vida
É claro, essa liberdade logo assustou alguns chefes da Igreja; e a Carta a Timóteo, citada na pergunta, é uma prova disso. Mas é justamente essa reação “incorreta”, eu diria quase histérica, de quem remete as mulheres ao silêncio que atesta a grande liberdade de que gozavam as mulheres nas Igrejas. Se, no início do século II, um responsável da Igreja, pertencente à escola paulina, sente a necessidade de pôr ordem e limitar a liberdade de movimento das mulheres não casadas, subtraídas do controle masculino, corrigindo desse modo aquele modelo de Igreja em que, em Cristo, não importa mais ser judeu ou estrangeiro, escravo ou livre, homem ou mulher, isso significa que alguma coisa realmente tinha mudado nas Igrejas para as mulheres.
E, assim, o patriarcado, um demônio mundano expulso da Igreja, entra novamente rastejando, poucas décadas depois da experiência de surgimento. Ler a Bíblia deixando que o mundo feminino se revela e readquira voz não é apenas um ato de justiça para as mulheres, que ainda hoje estão afônicas nas Igrejas. O que está em jogo é Deus mesmo, a Sua imagem, o Seu rosto. O texto do Gênesis sobre “homem e mulher” à imagem e semelhança de Deus não remete apenas à instituição do matrimônio, mas a Deus mesmo, que, para não ser transformado em ídolo, precisa ser anunciado com vozes plurais: masculinas e femininas, justamente. O que está em jogo não é nada menos do que teológico.
Mulheres de Deus
Quem são as mulheres de Deus? Na narrativa bíblica, são aquelas que fizeram a experiência do divino. Mulheres diferentes: algumas muito fortes, como Sara; outras, vítimas, como Agar, a escrava egípcia. Mulheres corajosas como Sifrá e Puá, as duas parteiras que desobedecem as ordens de morte do faraó. Mulheres com função de guia, como Miriam, a irmã de Moisés, e Débora, juiz e comandante. Mulheres como Maria, com a sua fé curiosa, repleta de perguntas; como Isabel, capaz de acolher e sustentar uma irmã mais nova. As mulheres ao redor de Jesus, começando com Madalena. Mulheres protagonistas nas comunidades paulinas, como Febe, diaconisa em Corinto. Mulheres fortes e fracas, corajosas e covardes. Deus não caminha apenas com os homens nem com quem é perfeito. Mulheres aferradas por Deus para empreender um êxodo da terra da escravidão do patriarcado rumo à terra prometida.
Um processo de libertação que tem as suas paradas, que encontra resistência nas próprias mulheres. A Igreja poderia ser essa terra prometida para as mulheres; mas, em vez disso, muitas vezes se revelou como lugar de opressão e silêncio. Hoje, as mulheres de Deus são todas aquelas que estão trabalhando para transformar a terra, começando pelas Igrejas, em um lugar mais acolhedor. Mulheres diferentes por tradição, credo religioso, cultura; mas animadas pela mesma paixão pela vida. Mulheres que não se resignam à dominação patriarcal, mas também mulheres que a sofrem sem pensar que, para elas, outro modo de viver é possível. As mulheres de Deus também são todas aquelas pensadoras católicas que, apesar da falta de espaço na sua Igreja, estudam, ensinam, escrevem, publicam: teólogas e biblistas afiadas que, a partir de dentro, tentam tornar a Igreja mais acolhedora e hospitaleira.
Limitando-me ao panorama italiano, penso em Marinella Perroni, Serena Noceti, Cristina Simonelli, Stella Morra, Lilia Sebastiani, Adriana Valerio, Benedetta Selene Zorzi, Rosanna Virgili, nas irmãs ursulinas de Vicenza, com o seu centro “Presenza Donna”: todas mulheres de Deus. Quanta riqueza no catolicismo italiano. A cúpula terá que se dar conta, mais cedo ou mais tarde!
O pastorado feminino deveria ser algo de conatural nas Igrejas da Reforma, marcadamente nas de matriz calvinista. No entanto, mesmo nelas, o processo para chegar a ele foi lento. Além do machismo, quais são as causas desse atraso? O que significa para uma mulher ser pastora? O que mais ela oferece em relação ao pastorado masculino?
Acima de tudo, pensa-se na Reforma como em um evento pontual, que ocorreu em um momento histórico específico, que, por convenção, faz-se coincidir com 1517, ano em que Lutero desencadeou, com as sua Teses, um vivo debate sobre fé e a Igreja. A Reforma é principalmente um processo, desencadeado séculos antes e ainda em curso. É por isso que se fala de “Ecclesia reformata semper reformanda”. A mudança faz parte do ser do discípulo e da comunidade dos discípulos e se concretiza na contínua necessidade de se submeter docilmente à orientação do Espírito de Jesus, que faz novas todas as coisas. A Reforma, no seu momento de surgimento, não refletiu diretamente sobre o pastorado feminino. No entanto, desencadeou processos que levaram, como fruto tardio, a esse reconhecimento. O fato de ter arrancado a Igreja de uma visão clerical, colocando no centro a vocação de cada fiel individual em relação direta com Deus e as Escrituras, jogou uma semente que também pode contar entre os seus frutos o pastorado feminino.
O retorno do patriarcado
Um fruto que custou a amadurecer, precisamente por causa do machismo que não é só um problema individual, mas também social, coletivo. As Igrejas vivem imersas nas diferentes sociedades e respiram os seus perfumes, assim como os seus venenos. Estes últimos entram nas Igrejas e contaminam as suas estruturas, o seu clima, o seu olhar. Pensa-se frequentemente que o mundo entra nas Igrejas com a emancipação das mulheres, uma visão secular da vida, a liberdade. Na realidade, a verdadeira secularização começou nas Igrejas quando o patriarcado, expulso pelo cristianismo das origens, retornou plenamente nas estruturas das Igrejas. Os modelos patriarcais marcaram a organização interna das Igrejas. E aquele “não seja assim entre você” foi desatendido. As Igrejas da Reforma também sofreram esse envenenamento. Foi somente por graça que o Espírito guiou as Igrejas protestantes a um arrependimento que pode não se dizer concluído.
Chego à questão do pastorado. “Mas é correto dizer pastora?“. É com essa pergunta que, em geral, se manifesta aquela perplexidade que capta o interlocutor, quando se encontra diante de um ministro que não é apenas casado, mas também mulher. Se, na Igreja Católica, o celibato é uma condição para o desenvolvimento do ministério presbiteral, tal condição não subsiste nas Igrejas da Reforma, em que é permitido se casar e ter filhos. O compromisso familiar não é vivido em conflito com o trabalho pastoral. Ao contrário, a família se torna para o pastor e a pastora uma oportunidade para amadurecer um olhar mais concreto sobre a vida de casal, sobre os problemas educacionais e econômicos. No passado, as Igrejas mais tradicionalistas chegavam até a ver no pastor casado a possibilidade de um efetivo benefício para a Igreja: “Leve dois e pague um”! O pastor ainda não casado, consequentemente, se encontrava em desvantagem em relação ao colega casado. A esposa do pastor tinha um papel importante na gestão das visitas ao hospital, no cuidado dos locais (flores, biscoitos, festas…), no trabalho com as crianças ou nas incumbências de secretaria. Se, depois, ela também soubesse tocar o órgão, a Igreja não podia esperar algo melhor.
Hoje, essa dinâmica desapareceu quase totalmente. Cada vez mais, as Igrejas aprendem a redimensionar as próprias expectativas em relação ao casal pastoral, chegando a aceitar que um pastor possa separar a própria vida privada do ministério na Igreja. E a figura da esposa do pastor foi substituída pela das mulheres ministras do Senhor. Há várias décadas, as Igrejas reformadas já são lideradas por mulheres. Não sem resistências, as mulheres pastoras ganharam in loco uma credibilidade também em relação àqueles que custavam a ver em uma mulher um ministro de Deus. Nas Igrejas reformadas, em geral, o ministério feminino já é reconhecido e apreciado. Nas últimas décadas, as mulheres ajudaram as Igrejas a compreender como pode ser eficaz uma palavra de gênero na escuta pastoral, na pregação e na formação teológica. Na minha opinião, a contribuição mais valiosa feita pelo ministério feminino consiste em ter colocado novamente no centro do debate eclesial a necessidade de recuperar uma ministerialidade difusa, uma colegialidade de ministérios efetiva. Não é esse o sentido do batismo? Um sinal do pacto, dado não só aos homens com a circuncisão masculina, mas a toda a comunidade, sem distinções de gênero, classe e nação.
O discernimento nos une
Entre católicos e protestantes, ao longo da história, as abordagens à família foram diferentes: basta ver qualquer filme estadunidense para perceber como é diferente a concepção, até mesmo antropológica, que serve de pano de fundo. Que leitura você faz da recente exortação apostólica Amoris laetitia?
Não sei por que, mas todas as vezes em que se entrevista uma pastora se fala de família! São automatismos interessantes. Reconheço a você, porém, o modo nada estereotipado de fazer a pergunta, tendo evitado me perguntar, como geralmente acontece, como eu concilio o ministério com a família. Você me pergunta, em vez disso, uma opinião sobre um documento importante para o magistério católico. Seria banal e incorreto responder em poucas frases sobre uma exortação apostólica corpulenta, talvez a mais articulada escrita pelo bispo de Roma Francisco. Um texto poliédrico, que restitui fôlego à complexidade da experiência de casal.
Achei particularmente significativo o capítulo oitavo, que sintetiza uma mudança de olhar em relação às feridas famílias. O título poderia resumir toda a exortação: acompanhar, discernir e integrar a fragilidade. No centro, a atenção aos corpos concretos mais do que a doutrinas e normas canônicas às quais é preciso se adequar. Um olhar de misericórdia, que tenta suspender o julgamento e a condenação, para discernir. E, uma vez aberto o canteiro de obras do discernimento, as análises podem ser diferentes. Mas a diversidade de olhares, de sensibilidades, de avaliações até mesmo éticas não significa necessariamente incompatibilidade.
As Igrejas, fora daquele horizonte ideológico preocupado em definir e em julgar, podem se enriquecer reciprocamente também a partir das diferentes avaliações das quais se fazem porta-vozes. É claro, é preciso sair dos slogans gritados, ao estilo Family Day, e virar decididamente na direção da escuta atenta e não julgadora da realidade e da Palavra. É longa essa estrada, parece-me, em que Francisco está dando passos importantes, que marcam o início de uma mudança de rota em relação à impossibilidade de um debate não ideológico, como nos tempos dos “valores inegociáveis”.
Quem é Lidia Maggi, nossa irmã?
Eu gosto dessa pergunta que já inclui a resposta mais apropriada: “nossa irmã”. Sinto-me irmã como parte daquela única Igreja que se manifesta na pluralidade das confissões. A paixão ecumênica me presenteou o dom maravilhoso de descobrir nas outras confissões a beleza e a riqueza de diversas leituras das Escrituras, de tradições que tentam dizer o Evangelho no presente, em diálogo com as gerações que nos precederam. Além do dom de tantos irmãos e irmãs que eu tive a alegria de conhecer e de estimar. Minha fé seria muito mais pobre sem esses olhares, que tratam dos meus olhos míopes, mostrando-me uma realidade complexa.
A Igreja é “una” não porque as confissões são homologadas a um modelo único, a um pensamento único; mas sim porque a diversidade de cada tradição não é motivo de divisão. Una e plural. Essa pluralidade nos arranca das nossas certezas duras, abre-nos ao debate, para buscar juntos o que o Espírito diz às Igrejas.
Eu aprendi que a voz de Deus chega mais claramente quando o outro, a outra me fala. O ecumenismo me arrancou do ídolo de uma fé autorreferencial e competitiva, e me deu tantos irmãos e irmãs. As Igrejas estão aprendendo, depois de séculos de relações conflitantes, a fazerem as pazes, a se reconhecerem nas suas diversidades e a colaborarem para tornar o mundo um pouco mais hospitaleiro, nossa casa comum. E não há quem não veja como esse caminho é preciso, caminho que está ainda no início, em um mundo fragmentado e que lida com a inimizade.
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Fonte: A reportagem é de Domenico Segna, publicada na revista Il Regno – Attualità, n. 16, 15-09-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Publicado no site do Instituto Humanitas, 04/11/2016.