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Reforma da Previdência: combatendo mitos e a desinformação

Em um mundo de pós-verdades, a desinformação assume diversas formas. A mais atual consiste em uma tentativa rasa de desconstruir os argumentos daqueles que afirmam que a reforma proposta pelo governo atual não se embasou na realidade socioeconômica brasileira.

No texto “O que não te contaram sobre a Reforma da Previdência” explico o absurdo da comparação feita pelo governo entre o Brasil e os países desenvolvidos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para definir a idade mínima de 65 anos.

Apresento que a expectativa de vida no Brasil é bem inferior a expectativa de vida nesses países, mostrando que reformas previdenciárias feitas no Brasil devem, obrigatoriamente, respeitar a realidade brasileira.

Nas últimas semanas, vejo jornalistas tentando rebater esse argumento dizendo que a expectativa de vida ao nascer não pode ser usada como parâmetro de comparação nesse caso, devendo-se usar a expectativa de vida daqueles que já possuem 60 anos.

Alguns fazem essa afirmação arrogantemente por puro desconhecimento, enquanto outros tentam simplesmente convencer seus leitores da aderência atuarial dessa Proposta de Emenda Constitucional (PEC) com argumentos falaciosos.

De toda forma, decidi verificar se os brasileiros que chegam aos 60 anos realmente vivem uma sobrevida digna de um país desenvolvido. Abaixo, segue o gráfico dos mesmos países por expectativa de vida aos 60 anos.

Fonte: OMS/ONU. Elaborado pelo autor.

Perceba que os únicos países com uma taxa de sobrevida menor do que a brasileira são exatamente aqueles países onde a idade mínima para aposentadoria ainda não é de 65 anos.

Com uma taxa um pouco acima, temos Polônia e México, certamente os primos pobres do grupo da OCDE (tratei da peculiaridade da Polônia nesse texto). Os demais países se mantêm próximos à média de 84 anos de expectativa de vida para aqueles que já chegaram aos 60 anos. No Brasil, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), esse número está em 81 anos.

Mesmo usando dados que refletem a realidade apenas de uma parcela da população, o resultado é o mesmo. Vemos que o Brasil ainda não está nem perto da realidade dos países usados como modelo pelo governo.


Vencido esse ponto, vamos analisar qual é o problema dos números utilizados acima.

A previdência é uma realidade para todos os brasileiros, e, portanto, deve considerar todos os brasileiros, não apenas aqueles que chegaram aos 60 anos.

Seguindo essa lógica distorcida, o governo iria desconsiderar na conta milhares de brasileiros que morrem mensalmente antes dos 65 anos, seja por doenças ou acidentes, seja pela violência.

Os cálculos necessários para entender a previdência também incluem aqueles que morrem prematuramente, pois, apesar de contribuírem, eles não irão usufruir do benefício.

Ou seja, aquele indivíduo que contribuiu por 20 anos para a previdência e morre aos 50 anos seria simplesmente ignorado na lógica proposta.

O motivo de não podermos ignorar esse indivíduo é simples: precisamos considerar que ele irá contribuir sem, contudo, se aposentar. Ou seja, ele daria um “lucro” para o sistema previdenciário ao pagar mais do que usaria.

Nessa conta, precisamos analisar também se esse contribuinte que morre antes de se aposentar costuma ter dependentes. Se sim, por quantos anos, em média, os dependentes irão receber a pensão por morte desse dependente.

Todas essas informações fazem parte do cálculo atuarial que o governo deveria estar fazendo. Obviamente, isso é muito mais complexo e trabalhoso do que simplesmente falar que os países ricos fazem assim, então faremos igual.

Existe, ainda, um fator psicológico que deve ser considerado.

Sabendo que a contribuição previdenciária é obrigatória, qual será o sentimento de um trabalhador que contribui sem expectativas reais de usufruir um dia do benefício?

A tabela a seguir mostra a correlação entre alguns dados sobre os diferentes estados brasileiros.

Fonte: Expectativa de vida — IGBE/2016 ; Extrema Pobreza — IBGE/2010 (censo) ; Esgotamento Sanitário — IBGE/2010 ; IFDM — FIRJAN/2012. Tabela e cálculo de correlação feitos pelo autor.

Percebe-se que existe sim uma correlação entre a taxa de mortalidade infantil com uma menor expectativa de vida. Contudo, também existe correlação da expectativa de vida com a taxa de criminalidade, a taxa de acesso a rede sanitária e com o índice de desenvolvimento municipal. A conclusão, portanto, é que regiões mais pobres e com menos infraestruturas possuem uma expectativa de vida menor.

Ou seja, cidadãos desses estados possuem uma probabilidade maior de morrerem antes de alcançarem a idade mínima para aposentadoria. Seus dependentes, na média, irão receber pensões por menos tempo, pois também devem morrer mais cedo, quando comparado com cidadãos de regiões mais ricas. Da mesma forma, cidadãos mais pobres devem morrer antes de cidadãos mais ricos, o que significa que receberão aposentadorias e pensões por menos tempo.

O erro daqueles que sugerem a exclusão dos dados daqueles contribuintes que morrem antes de se aposentarem consiste em desconsiderar os dois lados do cálculo atuarial: a receita e a despesa.

Nas receitas, esses trabalhadores contribuíram por alguns anos, antes de suas mortes. Ainda que eles não deixem pensões, esses números devem ser considerados de forma a obter a realidade sobre as receitas previdenciárias.

Nas despesas, esses trabalhadores, em alguns casos, deixam pensões para cônjuges ou dependentes. O cálculo atuarial deve levar em consideração o valor das pensões pagas, bem como a expectativa de vida dos beneficiários, incluindo dados da mortalidade infantil. Por exemplo, se uma mãe deixa uma pensão para um filho recém-nascido, que irá morrer em seu primeiro ano de vida, essa pensão será paga por apenas um ano. Desconsiderar essas informações irá resultar em uma reforma não condizente com a realidade

O dado proposto por alguns autores, a expectativa de sobrevida daqueles que já chegaram aos 60 anos, é um número importante para o cálculo atuarial, pois permite estimar de quanto será a despesa com aposentadorias da previdência. Contudo, também é importante considerar a outra parte das receitas da previdência social e considerar as despesas das pensões pagas, bem como a duração delas.

Em última análise, contudo, meu principal argumento não é a diferença gritante entre a expectativa de vida brasileira daquela observada nos países da OCDE. Afirmo categoricamente que não faz sentido utilizar como referência países cujas realidades são absurdamente diferentes da brasileira. Será que esses autores que defendem a Reforma proposta realmente acreditam que o Brasil possui a mesma realidade que países como Japão, Finlândia, Alemanha e Suíça e que essa comparação faz sentido?

Não me entendam errado, a Reforma da Previdência deve ocorrer, e deve voltar a ocorrer cada vez que a realidade atuarial seja diferente daquela prevista nas regras em vigor.

Porém, a reforma deve considerar a realidade nacional, com todas as suas particularidades e em todos os aspectos.

Caso contrário, estaremos diante de uma verdadeira DEFORMA da Previdência.

Não deixe de ler o primeiro texto da série “O que não te contaram sobre a Reforma da Previdência”, onde comparo a expectativa de vida do Brasil com os países escolhidos como modelo pelo governo e o segundo “Cale a boca e trabalhe!”, onde comparo a quantidade de horas trabalhadas por um trabalhador nesses diferentes países. Lembre-se de deixar um comentário abaixo sobre o assunto.

Fonte: Por Marcelo L. Perrucci, Auditor Federal da CGU e Presidente do Conselho Fiscal da Funpresp-Exe. Escreve sobre sociedade, comportamento, política e governo. Publicado em trendr.com.br, 27/03/2017.
Imagem: Ilustração Ribs

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