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CEBI na Minha Vida – Julieta Amaral da Costa

O Nascimento do CEBI e a Visão dos Ossos Secos de Ezequiel

Vou me inspirar na visão de Ezequiel, no capítulo 37, para fazer memória do nascimento do CEBI e de seus primeiros passos, rumo ao ideal de construir uma nova leitura bíblica que respondesse aos anseios das comunidades que desabrochavam à luz da Teologia da Libertação nos idos 1979.

Não era possível conciliar a caminhada apaixonante do novo modo de ser da igreja com uma leitura bíblica, que não apontasse para a necessidade de um compromisso sério com a situação vigente no país. As comunidades e os grupos multiplicavam-se e ansiavam por fazer a ligação entre Bíblia e Vida, bem como entre Fé e Política. Neste contexto, eu estava terminando, na Suíça, um  curso bíblico de 2 anos e me perguntava o que fazer com este estudo na realidade do Brasil.

Ainda à distância, tomei conhecimento de que morava no Brasil um tal Frei Carlos Mesters que, com alguns biblistas, de diferentes denominações religiosas, buscavam, inquietos, outros métodos de estudo e aprofundamento bíblico, frente à nova realidade tão promissora, iluminada pela Teologia da Libertação. Haveria de ser uma leitura popular, ecumênica, participativa, celebrativa, geradora de vida e de compromisso com a realidade daquele momento, em tempos de ditadura cívico-militar. Tudo isto à luz da fé, gerando compromisso com a prática libertadora de Jesus de Nazaré.

Em contato com Frei Carlos, fui convidada a participar do primeiro encontro de biblistas de diversas igrejas, realizado no Carmo Sion, em Belo Horizonte, para buscar, em conjunto, como concretizar esta nova leitura.

Depois de uma semana de debates, estudo e partilha, o resultado foi o nascimento de três projetos de formação para biblistas populares:

  1. Um curso intensivo de 6 meses, em tempo integral, incluindo o estudo das línguas bíblicas originais. Tive a alegria de participar deste primeiro curso, em São Bernardo do Campo, com um grupo de 50 participantes vindos da América Latina, Caribe e, alguns, de outros  países.
  2. Um curso extensivo com metodologia adaptada à situação de quem não podia se ausentar por muito tempo de sua família ou de seu trabalho. Estava pensado especialmente para assessores populares de realidades mais distantes, como a do Nordeste do país. Essa modalidade foi assumida pelo teólogo católico, Sebastião Armando Gameleira, um profeta perseguido no Recife, depois bispo da Igreja Anglicana.
  3. Um projeto para grupos de base que desejavam um aprofundamento maior da Palavra para a tornar mais acessível aos/às participantes de grupos de reflexão ou círculos bíblicos. Preparamos, então, um material de orientação chamado “Manual do CEBI” que incluía uma visão geral da história bíblica e uma nova metodologia de abordagem deste conteúdo.

É aqui que me parece apropriada a visão de Ezequiel com a pergunta feita por Javé ao profeta: “Criatura humana, será que esses ossos poderão reviver?”

Também eu me perguntava diante da novidade daquela busca que nos habitava: Será que poderiam tornar-se carne nova, nervos e se revestir de pele, os ossos secos de uma leitura bíblica tradicional, sem muita conexão com o contexto sócio-político-religioso, embora tendo sentido em outro contexto?

E mais: leitura marcada pela especulação acadêmica, sem força para promover uma atuação comprometida com a transformação da realidade… Ainda: Como evitar uma leitura fundamentalista, que faz a Palavra Viva perder sua vitalidade original?

A resposta do texto é clara: “Ossos secos, ouçam a Palavra de Javé: vou infundir um espírito, vocês reviverão. Vou fazer com que vocês criem carne e se revistam de pele. Então vocês ficarão sabendo que sou Javé.” Diz o profeta: ouvi um barulho e vi um movimento entre os ossos que começaram a se aproximar um do outro… e sabemos o final da visão: “Colocarei em vocês o meu espírito e vocês reviverão.”

Também eu vi os ossos secos movimentarem-se no final de 1979, inquietos, em estalidos de resistência e de esperança, insurgindo-se no meio de escombros cheios de cinzas, com cheiro da podridão vinda da tortura e da violência camuflada na ditadura cívico-militar de então, gritando por libertação e novos ares, para garantir uma leitura bíblica que animasse as comunidades e os grupos populares a caminharem com fé e compromiso, na fidelidade ao Projeto de Jesus.

Foi assim que me apaixonei pelo CEBI, até hoje, passados 45 anos, escuto o estalido e vejo o movimento dos ossos secos, agrupando-se e se levantando, pelo sopro do Espírito, começando uma dança com cheiro de ressurreição e de novas possibilidades. Percebo que, os que animamos n esta dança, alertamos para que os ossos novos não voltem a se ressecar e que busquemos novos caminhos, abertos a novas mudanças que acontecem… É uma dança esperançosa que continua envolvendo pessoas e grupos que experimentam o ressurgir da Vida e da Esperança na história        da Leitura Bíblica Popular.

Julieta Amaral da Costa
CEBI-MG

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