Reflexão do Evangelho

Misericórdia que Liberta: O Olhar de Jesus Sobre a Mulher Adúltera

Domingo V da Quaresma
Lecionário Comum e Lecionário Católico: João 8,1-11
30 de Março de 2025 

Neste quinto domingo da Quaresma, a liturgia nos apresenta uma das passagens mais belas e impactantes do Evangelho: João 8,1-11, conhecida convencionalmente como o episódio da mulher adúltera. Esse texto carrega uma mensagem de misericórdia que, nos primeiros séculos, gerou resistências, pois poderia ser mal interpretado como uma flexibilização excessiva da moral. No entanto, ele revela o modo de agir de Jesus, que não impõe medo nem condenação, mas transforma vidas por meio da força do amor e da misericórdia de Deus que ele veio revelar.

No domingo passado, ouvimos a parábola do pai misericordioso (Lc 15,11-32), na qual Deus é apresentado como um pai que acolhe o filho arrependido que voltou à sua casa. Agora, essa misericórdia se concretiza de maneira ainda mais radical: Jesus salva uma mulher da morte iminente, mediante seu agir misericordioso, que se exprime mediante uma verdadeira pedagogia do cuidado. Mais do que um simples relato sobre o perdão, esse episódio nos revela o verdadeiro rosto de Deus e denuncia a hipocrisia das pessoas que atribuem a si o direito de julgar as outras pessoas, sem antes sequer olhar para si mesmas.

A pena de morte por apedrejamento era a punição prevista na Lei de Moisés para o adultério (cf. Dt 22,23-24). No entanto, o rigor dessa lei se aplicava de maneira desigual: a mulher sempre era culpabilizada, enquanto o homem, muitas vezes, escapava impune. A sociedade daquela época era profundamente machista e excludente, e o caso da mulher denunciada como adúltera reflete essa realidade. Mas Jesus, com sua autoridade e sabedoria, desmascara essa injustiça e propõe uma nova lógica, onde a misericórdia supera a condenação.

É interessante notar que essa passagem não fazia parte originalmente do Evangelho de João. Estudos indicam que ela circulava isoladamente entre os primeiros cristãos e só foi incorporada ao texto joanino por volta do século IV. Alguns especialistas sugerem que sua origem está no Evangelho de Lucas, pois tem o mesmo tom de compaixão e a mesma valorização da mulher, algo muito mais presente nos relatos lucanos. De fato, o Evangelho de Lucas é reconhecido por unanimidade como o “evangelho da misericórdia” e por ser o que dá mais espaço às mulheres. Também o vocabulário do texto contribui para essa atribuição lucana. Termos e expressões como mestres da Lei e adultério, dentre outros, não aparecem em outras passagens do Evangelho de João.

Contudo, uma vez que o texto foi transmitido canonicamente pelo Quarto Evangelho, é a partir dele que devemos lê-lo. A cena ocorre em Jerusalém, onde Jesus se encontrava para a festa das Tendas (cf. Jo 7,2.14.37; 8,2), uma das maiores festas de Israel, com duração de uma semana. Ele estava no templo, ensinando (v. 2), quando foi interrompido por escribas e fariseus que trouxeram uma mulher flagrada em adultério (v. 3). Eles a colocaram no meio, diante dele, e perguntaram se ela deveria ser apedrejada, como determinava a Lei de Moisés (v. 4). Mas essa pergunta era, na verdade, uma armadilha (v. 6). Se Jesus dissesse que a mulher deveria ser morta, estaria contrariando sua pregação e o sua práxis sobre o amor e o perdão. Se dissesse que ela deveria ser perdoada, ele seria acusado de transgressor da Lei, o que, aliás, não lhe causava constrangimentos.

Diante desse dilema, Jesus surpreende a todas pessoas presente ao seu redor e, certamente, ainda a quem lê o episódio hoje. Em vez de responder imediatamente, inclina-se e começa a escrever no chão (vv. 6.8). Esse gesto misterioso pode ter vários significados. Alguns estudiosos sugerem que ele estava denunciando os pecados ocultos dos acusadores. Outros acreditam que ele quis demonstrar desprezo por aquela situação manipulada. De todo modo, Jesus desmonta a armadilha de um jeito inesperado e genial, deixando os acusadores sem argumentos.

Os acusadores insistem na pergunta, pois são pessoas que querem a condenação da mulher a todo custo (v. 7a). Então, Jesus se levanta e diz: “Quem dentre vós estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra” (v. 7b) Com essa frase, ele vira o jogo. Agora, não é mais a mulher que está sendo julgada, mas sim os seus próprios acusadores. Diante dessa provocação, um a um, eles começam a sair, começando pelos mais velhos, que talvez tivessem mais consciência de seus pecados.

Quando todos se vão, restam apenas Jesus e a mulher. O Mestre, então, olha para ela e pergunta: “Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?” (v. 10). Ao ouvir que ninguém a condenou, Jesus declara: “Eu também não te condeno. Vai, e de agora em diante não peques mais” (v. 11). Essas palavras resumem a essência do Evangelho. Constituem um verdadeiro compendio da mensagem de Jesus. Como se vê, Jesus não relativiza o pecado, mas também não destrói a pessoa que errou. Como verdadeiro mestre de humanização, ele oferece uma nova oportunidade, um caminho de vida nova.

Esse episódio revela um Deus que não quer a morte da pessoa que pecou, mas sim sua conversão. Diferente dos fariseus, que usavam a Lei para excluir e condenar, Jesus usa a misericórdia para libertar e salvar. O verdadeiro caminho para a mudança não é o medo, mas a experiência da misericórdia. Esse texto, que já foi considerado perigoso para uma religião legalista, continua sendo um grande desafio para nós hoje. Quantas vezes nos comportamos como os fariseus, prontos para julgar e condenar, mas cegos para os nossos próprios erros? Com esse episódio, fica claro que Jesus desautoriza toda pregação moralizadora e de condenação.

O que Jesus faz aqui é um verdadeiro ato de ressurreição. Sem realizar nenhum milagre visível, ele salva uma vida apenas com sua atitude e palavra. Ele transforma uma situação de morte em um novo começo. Esse é o convite da Quaresma: deixar-se tocar por esse amor que perdoa e transforma. Que todas as comunidades celebrem a alegria de conhecer um Deus que não condena, mas que sempre nos dá uma nova chance de recomeçar!

Pe. Francisco Cornelio F. Rodrigues – Diocese de Mossoró-RN

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