
Reflexão sobre Mateus 26,14-25 e João 13,21-32
Quarta-Feira da Semana Santa
Queridas irmãs, queridos irmãos,
Somos gente que caminha, gente em travessia, gente andarilha nas estradas da vida. Gente que busca acertar o caminho e viver a fidelidade ao projeto de Jesus Cristo Pobre e Libertador.
Durante 40 dias, tempo de quaresma, tempo de conversão, a Igreja Católica Romana nos provocou com a Campanha da Fraternidade, convidando para caminhar na direção de uma Ecologia Integral, exercitando a vivência de práticas de cuidado com todas as vidas, considerando que tudo está interligado.
Papa Francisco lembra que a humanidade hoje enfrenta uma crise existencial em múltiplas faces: extrema pobreza, aumento da competição por recursos naturais, um ambiente natural degradado, mudanças climáticas levando o planeta á beira de um colapso.
A vida está ameaçada. Em nome da ganância e do lucro desenfreado, a vida fica em segundo plano. Em nome da ganância, do lucro e do poder vidas são ceifadas pelas guerras, pela fome, pelas violências, sustentadas pelo sistema capitalista e patriarcal e por concepções fundamentalistas que legitimam a morte em nome de Deus.
Isso está acontecendo por falta de fidelidade ao projeto de cuidado com a “casa e com a causa comum”. Deus criou! Viu que tudo era bom”. Quando o projeto é traído, se instala o caos.
Com essas reflexões estamos entrando no texto de Mateus 26,14-25, desta quarta feira da semana santa. Jesus, com seus amigos e, certamente, com suas amigas também, estão sentados à mesa. Mesa como lugar de relações de fraternidade e sororidade; lugar de partilha de pão e de projetos. Mesa como lugar da comensalidade.
Nesta mesa está Jesus, com o coração entristecido diante de todas as tramas de morte. Sabe que sua vida está por um fio. Mas se sustenta na fidelidade ao Projeto do Pai e na relação de mesa com amigas e amigos que comungam desse mesmo projeto.
É nesta mesa da comensalidade que está sentado alguém que não comunga do mesmo projeto. Alguém que se deixou “envenenar” por projetos corruptos e injustos. Quem opta por este caminho, desvia o foco do valor da vida. A ganância e o lucro passam a valer mais.
Judas entregou Jesus por 30 moedas. Com essa atitude, Judas traiu Jesus, traiu as pessoas que seguiam Jesus, traiu o projeto explicitado pelo próprio Jesus: “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância” (Jo 10,10).
A comunidade de Mateus conta que Jesus convida os seus apóstolos para a ceia pascal e nela faz a forte e triste revelação de que o traidor estaria no meio deles, sentado na mesma mesa, comendo no mesmo prato: “Quem vai me trair é aquele que comigo põe a mão no prato” (Mt26,23).
Toda traição é triste. Mais triste ainda quando vem de quem parecia estar a serviço do mesmo projeto.
A cena mais trágica ocorre quando Judas, já consciente de seu plano para prender Jesus, ainda pergunta, negando a sua culpa: “Por acaso sou eu, Senhor?” Jesus responde com uma afirmativa: “Tu o dizes” (Mt 26,25).
Nesse fato, há dois elementos importantes: a negação ao projeto e a admissão da traição. Judas caminhava há algum tempo com Jesus e conhecia muito bem suas práticas. Sabia que Jesus estava do lado dos pobres e defendia a vida e por isso, agia com firmeza e denunciava o império da morte. Judas nega esse projeto e está decidido trair Jesus. Por isso ele foi ao encontro dos chefes dos sacerdotes negociar a entrega de Jesus: “O que é que vocês me darão para eu entregar Jesus a vocês?” (Mt 26,15). E fecharam o acordo por trinta moedas.
Judas come com o Mestre no mesmo prato, demonstrando-lhe um falso sentimento de afeto. Ele usou a razão para trair o Mestre, por isso os seus sentimentos só poderiam ser falsos. Ele mesmo se entrega com seus falsos atos. Ao entregar Jesus, ele entregou a si mesmo.
Muitos Judas continuam vivos no meio de nós. Muitas traições continuam acontecendo em nome do poder e do dinheiro para tirar a vida de outras pessoas e do planeta. Em nome do agro e hidronegócio vidas são entregues e ceifadas. Uma gama de políticos corruptos se vende aos projetos de morte e roubam a esperança do povo, tramam armadilhas, golpes e traem a confiança do voto. Vivemos numa sociedade neoliberal globalizada e o grande império deste mundo e seus aliados fazem guerra e destroem a vida, movidos pela ambição do dinheiro e do poder. Eles produzem uma ideologia e uma cultura de ambição e violência que passa a ser assimilada e por vezes, naturalizada.
Somos cristãs e cristãos e temos o compromisso de lutar contra todas as forças da morte, organizadas por projetos negacionistas e traidores e assim, cantamos com Zé Vicente:
As forças da morte, a injustiça e a ganância de ter, de ter, agindo naqueles que impedem ao pobre viver – viver, sem terra, trabalho e comida, a vida não há, não há; quem deixa assim e não age, a festa não vai celebrar.
Somos cristãs e cristãos e acreditamos na mesa como lugar da comensalidade, do pão partilhado e cantamos com Zé Vicente:
Que em todas as mesas de pobre haja festa de pão, de pão! E as mesas dos ricos não mais concentrando o pão, o pão! Busquemos aqui, nesta mesa do pão redentor do céu, a força e a esperança que faz todo povo ser Deus
Somos cristãs e cristãos e acreditamos que a vida tem a última palavra, apesar de ser traída e matada, ela ressuscita. Por isso cantamos:
Bendito o ressuscitado, Jesus vencedor, ô,ô,ô; no pão partilhado Ele sua presença deixou, deixou! Bendita é a vida nascida de quem se arriscou, ô,ô,ô, na luta pra ver triunfar nesta vida o amor!
Mesa: comensalidade ou traição?
Cremos na vida que vence a morte! Cremos na fidelidade que vence a traição! Cremos em todas as pessoas que vivem uma fé comprometida com a construção de uma sociedade e igrejas sem exclusão, justa, fraterna, solidária e amorosa.
Alzira Gomes Machado – CEBI/SC