
Domingo de Ramos
Lecionário Comum e Lecionário Católico: Lucas 22,14-23-56
13 de Abril de 2025
Momentos como o 8 de janeiro de 2023, cujos acontecimentos ainda estão bem vivos na memória do povo brasileiro, por mais controversos que sejam, geram pelo menos uma unanimidade: “e se…” No caso, tanto quem apoia a tentativa de golpe quanto quem defende a democracia (ainda que capenga, como a nossa) já fez o exercício de se perguntar o que teria acontecido se o ataque (orquestrado, é preciso que se diga) aos 3 poderes tivesse êxito. Pois esse episódio guarda muitas semelhanças com os atos que levaram à prisão, à condenação e à execução de Jesus.
O texto de Lc 22,14-23-56, proposto para o Domingo de Ramos, é enorme. Todavia, sem querer endeusar o Lula nem demonizar seus opositores, não é forçado dizer que toda a história do Brasil do primeiro quarto do século XXI pode ser lida nos Evangelhos e vice-versa. Diante desse cenário, e aproveitando que finalmente começamos a chegar no julgamento dos mentores da sanha golpista, quero me ater apenas a alguns dos eventos que culminaram na crucificação de Cristo.
Começando por Lc 22,66-71, em que Jesus é conduzido coercitivamente ao Sinédrio. A sentença já estava pronta; o que os sacerdotes queriam era apenas uma confissão. “O Sr. comprou o triplex?”, ou melhor dizendo: “Tu és o Cristo?” A resposta do acusado é mera formalidade. Basta saber jogar com as palavras para condená-lo. Mas importa saber, aqui, qual é a acusação, pois ela vai mudar no momento seguinte.
Para o império e a comunidade internacional, pouco ou nada interessam a fé e os costumes locais. Os sacerdotes sabem que Pilatos não está interessado em saber se Jesus se declara ou não o filho do Deus de uma nação dominada. Então alegam que ele incita o povo a não pagar tributo a César e pretende se tornar um novo rei (Lc 23,2). De início, as acusações não convencem e Jesus é mandado a Herodes, que tenta promover entretenimento às suas custas (pensemos, aqui, no papel da mídia). A “atração”, porém, não rende o esperado e é devolvida a Pilatos, que tenta uma nova cartada.
Ainda que com algumas nuances diferentes, o texto é narrado nos outros evangelhos, mas é em Lucas que percebemos que havia, em Israel, um costume (vejam vocês!) de anistiar criminosos políticos. Senão, vejamos: Pilatos apela para um costume local, o de libertar presos por ocasião da Festa (da Páscoa). De um lado, está um agitador que subverte o povo e quer se proclamar rei; do outro, um rebelde violento (acusado de causar tumulto na cidade – Lc 23,19). Embora não haja uma identificação perfeita deles com Lula e Bolsonaro – aliás, longe disso, pois no contexto bíblico, ainda que defendessem projetos diferentes, Jesus e Barrabás queriam a libertação do jugo romano –, a comparação com os discursos outrora defensores do “bandido bom é bandido morto” – e que agora defendem que bandido bom é bandido anistiado – torna-se inevitável.
Bandido, aliás, é o adjetivo de Barrabás em Jo 18,40. Algumas traduções usam o termo “revolucionário”, mas a palavra ali é a mesma da parábola do bom pastor (Jo 10,1-18), em que o pastor entra pela porta, enquanto quem sobe por outro lugar é “assaltante” (v. 1). O termo é o mesmo no episódio em que Jesus expulsa os vendilhões do Templo chamando-os de “ladrões” (Mc 11,17). Podemos depreender daí que o projeto de Jesus era de vida e liberdade para todas as pessoas, ao passo que o de Barrabás muito provavelmente visava apenas ao favorecimento do seu grupo, não percebendo (ou não se importando) que isso acarretasse a exclusão e o extermínio dos demais. Pois foi a este projeto que os chefes dos sacerdotes (segundo Mt 27,20 e Mc 15,11) incitaram os Clezões e as Fátimas de Tubarão da época a escolher.
Por último, convém lembrar da relação entre fé e política dos nossos dias. Não é por acaso que os defensores da anistia tentam emplacar a lorota de que os agitadores do 8 de janeiro são velhinhas com a Bíblia na mão. Essa fumaça esconde o verdadeiro perfil dos agressores da linha de frente e, ao mesmo tempo, quem são os mandantes. A essa altura do campeonato, as provas de envolvimento dos militares são robustas, assim como o protagonismo do clã Bolsonaro e de toda a sua trupe. Ao lado dessa gente estão as expressões religiosas que mais negam o Jesus histórico e tentam desesperadamente se agarrar a uma Teologia do Domínio. Seu objetivo é evidente: o extermínio dos infiéis, isto é, de quem pensa diferente.
E é isso que vemos acontecer com o Cristo. O texto que estamos lendo termina com Jesus sepultado. Da negação de Pedro (Lc 22,54-62) à morte em meio à zombaria e diante do aparente fracasso (Lc 23,35-38), as esperanças parecem perdidas. Mas, de repente, surge a confissão e o arrependimento de um dos malfeitores companheiros de crucifixão (Lc 23,39-43). Um centurião reconhece Jesus como um justo (v. 47). E, por fim, o que talvez seja o ato mais simbólico de todo o texto: antes do dia acabar, Jesus é retirado da cruz (vv. 50-53). Ou seja, com a cruz vazia, temos um sinal de esperança: a morte não tem a última palavra. No atual momento brasileiro, também há sinais de que o mau tempo começa a se dissipar. Precisamos manter a esperança: Jesus ressuscitou e Barrabás não será anistiado outra vez.
José Luiz Possato Jr.
CEBI-RS