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Criminalização dos Movimentos Sociais

Em alusão ao dia 17 de abril, dia em que se faz memória do Massacre de Eldorado, no Pará, partilhamos o texto do professor Eliézer dos Santos Oliveira sobre a criminalização dos movimentos sociais.


“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens  que o comprimem.” Bertolt Brecht

Todo movimento social é uma organização popular que nasce das necessidades sociais do povo. Ninguém inventa um movimento social de sua cabeça. Ele brota do chão das necessidades da vida real e atua para resolver tais problemas sabendo que, para isso, enfrentará uma série de conflitos com o aparato estatal e com as elites dominantes.

Geralmente os movimentos sociais atuam para garantir, conquistar ou ampliar direitos (civis, políticos, sociais, ecológicos e difusos) e/ou exigir reconhecimento das minorias (sobretudo, étnicas e de gênero) por parte da sociedade inteira. Uma vez que esses direitos são conquistados na forma da lei, a luta do movimento social não se encerra. Sem ela o direito recém-conquistado não passa de uma mera tinta posta no papel, sem qualquer efetividade, ou ainda, corre sério risco de ser retirado da lei por aqueles que lhes são contrários.

“Nossos direitos só a luta faz valer” – afirma o duro aprendizado do MST expresso numa canção de Zé Pinto. Cada lei que beneficia o povo, cada valor presente no contracheque do trabalhador, cada artigo da Constituição que garante o direito dos mais necessitados, cada direito fundamental de qualquer pessoa e os direitos das minorias foram conquistados e são mantidos com muita luta, sofrimento, perseguição, calúnia, prisão, tortura, morte, sangue e suor dos militantes dos movimentos sociais.

O Brasil tem uma longa, diversificada e sanguinária história dos movimentos sociais. Contra a violência institucionalizada pelo poder estatal, contra o domínio das elites nacionais e contra a (neo)colonização estrangeira se ergueram, em diferentes momentos históricos e de diversos modos, uma série de movimentos sociais que foram perseguidos e massacrados de forma violenta e cruel. Para tanto basta recordar as guerras empreendidas contra os povos indígenas (Tamoios); a destruição dos quilombos (Palmares); as mortes e as prisões das rebeliões empreendidas contra o Império (Cabanagem); as cabeças expostas dos cangaceiros (Grupo de Lampião); o corpo esquartejado de Tiradentes; a destruição completa de Canudos; a censura, prisão, tortura e morte dos militantes que lutaram contra a Ditadura Militar; o massacre de Eldorado dos Carajás contra o MST, etc.

A forma como cada um destes movimentos foi duramente combatido demonstra o caráter pedagógico almejado por tais atos repressivos. A mensagem é bastante clara: “exterminamos para que jamais se repita”; “eis o que ocorre com quem ousa enfrentar a elite econômica deste país”, “não se meta com a milícia”… pensaria todo aquele que visse a cabeça de Zumbi dos Palmares exposta num poste da praça pública ou o corpo de Marielle Franco crivado a balas.

O passado autoritário, racista e elitista do Brasil é o maior fator de criminalização dos movimentos sociais. A nossa história nacional, hostil à democracia e à participação popular, criou a cultura geral de que os problemas sociais têm soluções policiais. Tal ideologia, fomentada e atualizada pelos meios de comunicação social, torna natural a impunidade dos opressores e a criminalização das vítimas do sistema social.

Não gera estranheza alguma a cena do policial batendo no professor grevista, é normal que o sem-terra seja bombardeado, é comum a cena de famílias inteiras sendo despejadas com bombas e balas de borracha, tal como são recorrentes os comentários dos telespectadores que assistem a essas cenas: “bem feito para esses baderneiros”, “vão   trabalhar   vagabundos”, “bando de comunista, isso é uma organização criminosa”, “esses cachaceiros, subversivos, terroristas”, etc.

A parcialidade e a manipulação midiática dissemina na sociedade uma verdadeira ojeriza contra os   movimentos   sociais. A mídia burguesa distorce os fatos: apresenta os vilões como vítimas e as vítimas como vilões, silencia a voz dos movimentos sociais e cria uma narrativa capaz de convencer o povo de que aquele movimento não o representa, não luta por ele e não tem reinvindicação justa. As causas institucionais e econômicas que geraram o problema social não aparecem como violentas, estas são consideradas normais e aceitáveis.

A violência é reservada apenas e tão somente para aqueles que atuam contra o fator gerador de desigualdade e injustiça social.

 Uma vez que há o convencimento geral de que os movimentos sociais são “a turma desordeira do mal” que atua contra “o ordenamento do bem” todo o resto está autorizado: todo o excesso de força policial colocado contra os movimentos sociais (Indígenas   Kinikinau   foram   retirados da terra a bala e a gás em Mato Grosso) será perdoado; todos os projetos de lei que criminaliza os movimentos sociais (PL 272/2016 que pretende incriminar os movimentos sociais como terroristas) e os discursos presidenciais que almejam tipificar como terrorismo as ocupações rurais e urbanas serão aplaudidos; toda a guerra jurídica (lawfare) colocada contra os movimentos sociais (CPI do CIMI) e contra as suas lideranças (a prisão sem provas de Lula) aparecerá como a luta contra o mal, o crime e a corrupção.

Em outras palavras, a criminalização dos movimentos sociais não diz respeito a um mero discurso repetido pela ideologia dominante através dos meios de comunicação, pela rede social ou pelos púlpitos das igrejas; nem se reduz às práticas de abuso de autoridade policial; também não se limita aos projetos políticos conservadores e autoritários da Bancada BBB (Do boi – agronegócio, da bala – indústria bélica e da Bíblia – fundamentalismo religioso); tal como não se reduz às condenações sem provas proferidas pelo judiciário; ou às investigações ilegais e fiscalizações minuciosas operadas pelos órgãos estatais de investigação e controle contra tais movimentos. A criminalização dos movimentos sociais se dá pelo conjunto de todas essas medidas que operam um verdadeiro cerco contra a existência e a ação destes movimentos.

A mídia burguesa, as redes de fakenews e as   religiões   fundamentalistas   conquistam as consciências e suscitam o ódio contra os movimentos sociais, impetrando-lhes uma publicidade negativa, capaz de criminaliza-los e demonizá-los. A polícia, herdeira da ditadura militar, forma os seus quadros e orienta a sua práxis para a repressão truculenta contra os movimentos sociais, concebidos como descumpridores da ordem legal. Os políticos conservadores e aliados da classe dominante aprovam leis que criminalizam o movimento social e garantem a impunidade da elite (flexibilizam as leis ambientais e os direitos trabalhistas; tentam impedir a reforma agrária e a demarcação de terras indígenas, pretendem alterar a lei que trata do trabalho análogo à escravidão, desgastam os movimentos com CPIs, etc.). O judiciário cuida de manobrar a interpretação e a aplicação da lei de modo a causar dano político, organizativo e financeiro aos movimentos sociais, tais como: declaração de greves ilegais, perseguição orquestrada contra as suas principais lideranças, conluio com a acusação contra a parte acusada, abertura de processos judiciais absurdos contra ações realizadas pelos movimentos sociais, colocando assim o direito contra a justiça, as leis menores contra leis que lhes são hierarquicamente superiores, ou seja, garantem o direito de ir e vir da população (contra a manifestação dos professores que obstruiu uma via), mas não garantem que o governador cumpra a Constituição e pague os professores em dia, etc. O cerne deste esquema (se tornou atualmente visível e comprovado graças as informações publicadas pelo The Intercept Brasil no caso conhecido como VazaJato – que ainda tem muito por revelar.

Na atualidade os movimentos sociais vivem às voltas contra esse ataque tão bem orquestrado entre mídia, polícia, justiça e políticos aliados dos grandes. Boa parte do tempo, do pessoal e dos recursos financeiros dos movimentos sociais, e que poderiam ser aplicados ao cerne de suas lutas, são gastos com a sua autodefesa. Não poucas vezes as lideranças destes movimentos se ocupam em desmentir fakenews, responder a inquéritos parlamentares, se defender de acusações absurdas e desprovidas de provas (inclusive de crime comum), fugir das ameaças feitas pelas milícias e pelos esquadrões da morte – sem que o Estado consiga protege-los (já não se assassina apenas o líder sindical Chico Mendes no meio da Floresta Amazônica, hoje em dia é assassinada uma vereadora, Marielle Franco, na região central do Rio de Janeiro em meio às câmeras de vídeo) fazendo com que importantes lideranças sociais abandonem o país (Jean Wyllys e Márcia Tiburi).

A intenção da criminalização dos movimentos sociais é clara: inviabilizar a ação destes instrumentos de transformação social e, se possível, destruí-los – sobretudo aqueles que são mais programáticos, melhor organizados e têm os melhores quadros. O atual cenário nacional é de dura repressão a todo e qualquer movimento social, mas há um cuidado maior na repressão ao MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), CIMI (Conselho Indigenista Missionário), UNE (União Nacional dos Estudantes), Centrais Sindicais, MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), Movimento das Mulheres Campesinas e outros por conta da maior efetividade de suas ações. Tais movimentos têm o poder de articular a população e mobilizar o povo contra o ataque neoliberal que atenta contra os direitos da classe trabalhadora e das minorias. A crise econômica exige que aconteça uma enorme transferência de riqueza dos pobres para os ricos e o sistema econômico-político sabe que os movimentos sociais são aqueles que podem impedir a realização desta exigência, decorrendo daí a necessidade de desarticulados, seja na força ou na manipulação do sistema legal.

Hoje em dia a perseguição aos movimentos sociais é mais aberta, os discursos que os criminalizam são mais explícitos, o incentivo às práticas violentas e criminosas contra os movimentos sociais é feito a luz dos holofotes da grande mídia. Se o Presidente da República pode dizer de alto e bom som que tem que fuzilar a esquerda; expulsar do país os vermelhos; e chama os movimentos sociais de terroristas e de organizações criminosas, e ele não sofre qualquer sanção por tais declarações, então todo o resto da população se sente autorizado a fazer o mesmo.

Por isso o atual cenário é grave e de enormes riscos para a democracia e, por consequência, aos movimentos sociais. A violência institucional se encontra bem ocultada e aparece como combatente da violência. Ela criminaliza uma reunião de professores que organizava um protesto pacífico contra o presidente em Manaus, mas é incapaz de encontrar o Queiroz (Cadê o Queiroz?); criminaliza e condena lideranças de esquerda, tal como fizeram com a atriz, cantora e apresentadora Preta Ferreira, presa sem provas, e não consegue descobrir quem mandou matar Marielle; acusa os ambientalistas, ONGs e cientistas – denominados de xiitas – de adulteração dos alarmantes dados sobre o desmatamento da Amazônia e apoia a degradação ecológica promovida pelo agronegócio; persegue e ameaça jornalista que revelou os malfeitos da Lava Jato, mas não consegue prender miliciano; prende o suposto “Hacker” e ignora totalmente as mensagens criminosas que ele descobriu, etc. No Brasil pós-Constituição de 1988 nunca  foi tão arriscado e nem foi tão necessário apoiar e participar de um movimento social quanto agora.

Eliézer dos Santos Oliveira é professor de filosofia do IFSul – Campus Santana do Livramento.

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