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O terrorismo da lei antiterror

O terrorismo da lei antiterror
Os recentes atentados em Paris frustraram as expectativas dos grupos que reivindicam a retirada do regime de urgência do projeto de lei para tipificar o crime de terrorismo no Brasil. Aprovado pelo Senado no fim de outubro, o texto é criticado por especialistas por ter uma definição ambígua e demasiadamente ampla de conduta terrorista. De quebra, há o temor de que a nova lei, caso chancelada pela Câmara e sancionada por Dilma Rousseff, possa ser usada para perseguir movimentos sociais e manifestações políticas reivindicatórias, como ocorreu em outras nações da América Latina.

Mais de 80 entidades da sociedade civil, entre elas o Greenpeace, MST e Ação Educativa, assinaram um manifesto de repúdio à proposta. A Associação Juízes para a Democracia emitiu uma nota técnica contra a iniciativa. As críticas ecoaram nas Nações Unidas. “Estamos preocupados que a definição do crime estabelecida pelo projeto de lei pode resultar em ambiguidade e confusão na determinação do que o Estado considera como terrorismo, potencialmente prejudicando o exercício dos direitos humanos e das liberdades fundamentais”, afirmaram quatro relatores da ONU, em pronunciamento conjunto no início de novembro.

A Organização dos Estados Americanos manifesta preocupação semelhante. “Leis antiterrorismo muito ambíguas ou abertas têm sido utilizadas para criminalizar movimentos sociais no continente. A própria Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Chile, em 2014, por usar sua lei antiterror contra ativistas do povo indígena mapuche”, lembra o advogado e jornalista uruguaio Edison Lanza, relator da OEA para a Liberdade de Expressão. “A definição construída no Brasil usa termos complicados, como extremismo político, ocupação de prédios públicos e apologia ao terrorismo. Por sua amplitude, pode capturar expressões legítimas, eventualmente muito contrárias a um governo ou muito críticas contra o sistema, mas protegidas pelo direito à liberdade de expressão e de associação.”

A celeuma iniciou-se em junho, com uma proposta do governo federal. O anteprojeto, assinado pelos ministros Joaquim Levy, da Fazenda, e José Eduardo Cardozo, da Justiça, propunha uma alteração nas leis 12.850, de 2013, e 10.446, de 2002, que dispõem sobre organizações criminosas e infrações penais de repercussão internacional. Além de esboçar uma definição sobre “organizações terroristas”, o texto previa penas de até 12 anos de reclusão para quem participasse ou financiasse grupos terroristas. Justificava-se a iniciativa para atender a compromissos internacionais firmados pelo Brasil com o Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo.

Em 12 de agosto, a Câmara aprovou um texto-base com penas mais duras, que chegam a 30 anos de prisão, além de estender o leque de condutas passíveis de ser consideradas terroristas, entre elas depredar meios de transporte públicos ou privados e sabotar sistemas de informática ou o funcionamento de meios de comunicação ou de transporte. Os deputados mantiveram, porém, uma ressalva à atuação de movimentos sociais e manifestações de caráter reivindicatório.

No Senado, restou aprovado o substitutivo proposto por Aloizio Nunes Ferreira, do PSDB. O projeto define como terrorismo atos contra a pessoa, “mediante violência ou grave ameaça, motivado por extremismo político, intolerância religiosa ou preconceito racial, étnico, de gênero ou xenófobo, com objetivo de provocar pânico generalizado”. A salvaguarda aos movimentos sociais foi retirada do texto. “Em um Estado Democrático de Direito, as manifestações e reivindicações sociais, sejam elas coletivas ou individuais, não têm outra forma de ser realizadas senão de maneira pacífica e civilizada”, justificou. “Vamos colocar uma mordaça nos mais humildes, que não têm um microfone para gritar sua dor”, protestou Telmário Mota, do PDT.

Na avaliação de Oscar Vilhena Vieira, diretor da Escola de Direito da FGV em São Paulo, realmente não faz sentido ter uma lei que abre exceção para determinado grupo. “Tecnicamente, a ressalva é bastante complicada. Seria como dizer que há o ‘terrorismo do bem’ e o ‘terrorismo do mal’. O problema está nas definições apresentadas até agora, que são muito dúbias”, avalia. “O que pode ser considerado ‘extremismo político’? Queimar um ônibus em protesto contra a tarifa? E o tal ‘pânico generalizado’? Imagine um grupo de jovens anarquistas que decide ocupar uma escola pública. Eventualmente, as serventes podem entrar em pânico na hora da confusão, assim como os idosos do asilo vizinho. Por serem anarquistas, eles defendem o fim do Estado. São terroristas?”

Rafael Custódio, coordenador do programa de Justiça da ONG Conectas, ressalta não existir um vácuo normativo no Brasil capaz de impedir a punição de eventuais atos terroristas. “Ninguém ficará impune. Quem promover um atentado pode responder por homicídio qualificado, lesão corporal, uso de explosivos, posse de armas de uso restrito, incêndio criminoso… Todas as condutas estão tipificadas”, afirma. “Precisamos nos livrar dessa crença de que o Direito Penal é capaz de resolver todos os problemas da sociedade. É risível acreditar que uma nova lei vai dissuadir um fanático de cometer ato terrorista.”

Os especialistas lembram ainda haver um enorme dissenso na comunidade internacional sobre a definição de terrorismo, razão pela qual a prudência recomenda retirar o regime de urgência do projeto e estimular um debate mais amplo. Lanza, da OEA, emenda: “Não é preciso violar os direitos humanos para combater a ameaça terrorista”.

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