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O ódio não é livre

O ódio não é livre
Parece óbvio, e é mesmo. Mas aparentemente vivemos em tempos em que é necessário repetir o óbvio. O caso já teve grande repercussão: na Universidade Federal de Rondônia, um professor de direito entrou em sala de aula dias após um evento acadêmico e começou a bradar ofensas a uma das palestrantes convidadas na ocasião, Sinara Gumieri, pesquisadora e doutoranda na Universidade de Brasília.

“Aquela vagabunda, entendeu? Defensora de aborto, de gênero. Vagabunda. Mande pra ela me processar, que eu provo que ela é”
–  foram só os primeiros 15 segundos de gritaria.
Tudo está registrado em áudio e ganhou rapidamente as redes, gerando notas de repúdio de diversas entidades e grupos, incluindo comissões da OAB local, a Defensoria Pública do Estado, o Ministério Público Federal e o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

O professor em questão, Samuel Milet, ensaiou um “direito de resposta” às críticas que recebeu. Seus argumentos são muito frágeis, é verdade, mas vou conversar com sua resposta por respeito ao contraditório, que tanto pediu.

A principal tese de Milet é uma contra-denúncia: a intensidade das reações que sua fala recebeu não seriam explicáveis pela indignação contra sua ofensa à dignidade de uma mulher ou contra os ataques violentos que fez a pessoas LGBT ou partidárias de determinada posição política, mas porque ele é “a favor da vida”, ou seja, defende a permanência da criminalização do aborto, e é contra a “ideologia de gênero”. Sim, Milet dobra a acusação ao contrário para dizer que ele é quem estava sendo alvo de intolerância. Mas não é verdade.

Não é verdade porque aquilo que o docente apresentou como sua reação contra um dos temas abordados na palestra não foi a articulação de um pensamento, como protegido pelo artigo 5º, inciso IV da Constituição Federal, foi uma agressão personalizada.

Milet se dirige em vídeo àqueles que compartilham das mesmas convicções morais para distorcer o episódio em uma falsa violação à sua liberdade de crença e manifestação. Mas é lição básica das primeiras disciplinas de direito, a qual o professor não só deveria conhecer, como saber ensinar, que nenhum direito é absoluto, e por óbvio encontra limites nos direitos fundamentais de terceiros.

O teor de seu discurso não pode ser protegido pela ordem jurídica como crença se havia também ódio. Em suas palavras e em seu tom há o ódio à presença daquele corpo jovem e feminino na tribuna do evento acadêmico, há ódio ao corpo que se julga escapar à heteronorma.

A agressão foi dirigida especialmente a Sinara Gumieri, e é nela que a violência dói, mas ao mesmo tempo o discurso não violenta somente a ela, nem se justifica por um desprezo singular à sua pessoa. Ali tinha espaço o ódio do macho às mulheres, o ódio do macho às pessoas que vivem fora das normas dos afetos e dos corpos, o ódio do macho autoritário a convicções distintas das suas. Esse era o único texto que nos podia gerar reação. Onde há ódio, o debate de argumentos se torna impossível.

Quando tenta mobilizar a reprovação moral do tema que teria sido trazido pela palestrante como justificativa para a reação, o movimento é conhecido e tem nome: deslegitimação da vítima. É experiência já extensamente vivida pelas mulheres em cenários recorrentes de violência, desde a descrença permanente às denúncias de agressão doméstica até as teses bem-sucedidas de “legítima defesa da honra” para absolver homens matadores.

Pareço ter ido longe, mas se essas não são experiências comparáveis ao que viveu Sinara Gumieri, são todas violências comuns ao mesmo regime que permitiu a Milet chamar uma colega de profissão de vagabunda, desejar-se gravar e até hoje, uma semana e milhares de denúncias depois, insistir na justiça do que disse. A ousadia patriarcal é tremenda, mas não pode nos confundir. É livre a manifestação do pensamento, é verdade, está na Constituição. Do ódio, não.

*Por Gabriela Rondon, Advogada e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética.
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