No início do mês, a hashtag #MeuProfessorRacista se popularizou nas redes sociais. A iniciativa partiu da página Ocupação Preta, que busca das visibilidade a casos de discriminação racial nas instituições de ensino. A campanha chegou a ficar em 9˚ lugar nos Trending Topics do Twitter.
Durante uma aula da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), uma professora teria tratado com chacota os assuntos “marchinhas racistas” e a “questão racial” presentes na obra do escritor Monteiro Lobato. Alguns estudantes se manifestaram contra o posicionamento da professora e foram então retirados da sala.
Após o episódio, os estudantes criaram a #MeuProfessorRacista, que tomou uma proporção gigantesca, denunciando vários casos de racismo por parte de professores e de todo o sistema de ensino brasileiro.
Quando tive conhecimento da campanha, lembrei da música “Pedagoginga”, do Thiago Elnino: “Eu não quero mais estudar na sua escola, que não conta a minha história, na verdade me mata por dentro.”
Isso, porque muitas escolas ainda reproduzem a história da população negra a partir do “processo da escravidão”, negando a existência de histórias e culturas negras, e reforçando discursos que discriminam a juventude no Brasil.
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Com o sucesso da campanha, ficou evidente que quase todas as pessoas negras têm uma história de #meuprofessorracista para compartilhar. Casos como o do professor Malaguti, que foi denunciado após fazer declarações racistas em sala de aula, na Universidade Federal do Espírito Santo, são mais comuns e estruturais do que imaginamos.
A minha história se passou em uma escola pública de Vila Velha, Espírito Santo, em um bairro periférico da cidade. Estávamos ali para acompanhar as atividades da Semana da Consciência Negra, e a professora responsável me informou que os professores deveriam tratar assuntos sobre a temática. Bom, não foi isso que aconteceu.
Ao invés de falar sobre a cultura e história negra, estudamos a culinária Japonesa e Italiana.
Durante o evento, os estudantes foram encaminhados ao pátio da escola, onde podiam escutar funk e rap. Neste momento, o professor de ensino religioso pediu para que a música fosse retirada e colocou um CD de música evangélica. Segundo ele, a música iria “acalmar os meninos” e “expulsar os espíritos malignos”. O professor ignorou o pedido do educador social para que tirasse a música.
Ao se referir ao funk e rap como músicas demonizadas, o professor tratou de maneira preconceituosa o repertório e história dos estudantes e do próprio território. Quando não há abertura para que todos os alunos experimentem e vivenciem as diferenças, o resultado é a valorização de uma cultura em prol de outra, uma cultura “boa” e a outra inferiorizada, de sua produção ao seu consumo, como é o caso das manifestações da cultura negra.
É som de preto, de favelado
Observe que as manifestações artísticas da classe popular estão vinculadas à marginalidade devido aos atores ou grupos que se apropriam delas, de imediato o povo negro.
Mas vamos deslocar nossos olhares: o rap e o funk não estão somente na periferia, certo? Estão também nas áreas nobres da cidade e são cantados também por jovens brancos. A letra do Baco Exu do Blues, do Faixa Preta, sinaliza: “Som de preto, de favelado, né? Que toca pra boy e pra paty na boate onde os preto é barrado”.
Quando reproduzidas nesses espaços, fora de seu contexto de origem, as manifestações culturais das periferias não são recriminadas ou inferiorizadas.
Contudo, manter a cultura popular marginalizada quando vinculada à periferia, é invisibilizar uma população, deixá-la sem voz, além de reforçar a reprodução de percepções estereotipadas do senso comum sobre a arte popular.
No ano de 2015, o rapper Emicida lançou o CD “Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa”, cujas músicas abordam o racismo, a escravidão e as religiões Afro-brasileiras. A música “Mandume”, por exemplo, conduz a discussão sobre o silenciamento da identidade e cultura negra:
“Mas mano, sem identidade somos objeto da História. Que endeusa ‘herói’ e forja, esconde os restos na história. Apropriação a eras, desses tá repleto na História.”
Não adianta valorizar um só saber, uma só história. Isso é muito perigoso, e sabemos que somos direcionados a fazer isso. A escola nos apresenta caminhos, histórias dentro de quadradinhos. Precisamos apontar que existem outras versões além da história eurocentrada. Precisamos considerar também a identidade de outros povos e culturas.
Quais são as histórias de estudantes negros brasileiros? Quais guerras eles enfrentam, vivem? Quais são seus instrumentos de luta? Como registram suas glórias? Que meios utilizam para disseminar os conhecimentos que produzem?
Confira alguns relatos motivados pela campanha #MeuProfessorRacista
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Fonte: Por Giselle Soares publicado em Agência Jovem, 10/04/2017.