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Interesses de multinacionais, petróleo e pobreza: os desafios a serem enfrentados por líderes mundiais na COP21

 A COP 21 (21ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), realizada em Paris até 11 de dezembro, não tem o direito de fracassar. O tempo urge, e o conjunto dos países industrializados precisa se comprometer a reduzir drasticamente suas emissões de gases do efeito estufa.

C02: o grande vilão

Durante a noite polar, a temperatura dificilmente ultrapassa os 60°C negativos nos morros da Antártida. As novidades, além de poucas, não eram boas. O presidente norte-americano Ronald Reagan (1981-1989) acabara de divulgar sua iniciativa de defesa estratégica para desafiar uma gerontocracia soviética incapaz de sair da estagnação econômica e do atoleiro afegão. Dentro das frágeis barracas da base de Vostok, cantavam-se músicas de Georges Brassens e Vladimir Vissotsky para manter o moral. Abastecidos por aviões norte-americanos, cientistas franceses e soviéticos enfrentavam os elementos da natureza a fim de descobrir juntos os segredos do clima. Objetivo: remontar no tempo, descendo cada vez mais nas entranhas da geleira de 3.700 metros de espessura que jazia sob seus pés.

 Em fevereiro de 1985, a equipe conseguiu extrair fragmentos de gelo que conservavam informações cruciais sobre o ar e as temperaturas dos últimos 160 mil anos. Após dois anos de exames, esses fragmentos trouxeram enfim a prova procurada: o globo foi às vezes mais quente que hoje, às vezes mais frio, mas essas variações acompanharam fielmente as da concentração de gás carbônico (CO2). Ora, sabe-se que desde a Revolução Industrial, sobretudo desde meados do século XIX, o teor de CO2 na atmosfera não para de aumentar e atualmente ultrapassa todas as referências históricas.

Essas descobertas, corroboradas pela perfuração de sedimentos marinhos e pelo estudo de outros gases do efeito estufa, como o metano, convenceram as Nações Unidas a criar, em 1988, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Devotando-se ao estudo da literatura científica, o IPCC tem por missão colocar o mundo a par do estado atual dos conhecimentos.

Entre seu primeiro relatório, publicado em 1990, e o quinto, concluído em 2013[1], ele apresenta suas conclusões com um grau de probabilidade cada vez mais elevado: “O aquecimento do sistema climático é incontestável. Inúmeras mudanças observadas desde os anos 1950 não têm precedentes há décadas, talvez milênios”, diz o último relatório. “A atmosfera e os oceanos se aqueceram, a cobertura de neve e gelo diminuiu, o nível dos mares subiu e as concentrações dos gases do efeito estufa aumentaram”. Os especialistas já não têm dúvidas quanto às causas desse fenômeno: “A influência do homem sobre o sistema climático foi claramente estabelecida […]. Para conter a mudança do clima, será necessário reduzir drástica e duradouramente as emissões de GEEs (gases do efeito estufa)”.

 A meta dos 2 graus

Com base em modelos, o IPCC apresenta um resumo das evoluções recentes e, sobretudo, projeções para as décadas futuras em função de quatro cenários de emissões de gases do efeito estufa. A hipótese mais pessimista (RCP 8,5) – pouco esforço de redução – prediz, até o ano de 2100, temperaturas mais elevadas em cerca de 4°C na escala global e em cerca de 6°C nas terras emersas, ou seja, o caos. Nem os cenários médios (RCP 6,0 e RCP 4,5) podem garantir uma estabilização a médio prazo. Só a hipótese otimista (RCP 2,6) permitiria manter a alta da temperatura global abaixo dos 2 °C, um patamar que não pode ser ultrapassado e, de preferência, nunca ser alcançado. Além disso, deve-se contar com aquecimento fora de controle, degelo rápido na Groenlândia, modificação da circulação oceânica profunda e derretimento do permafrost[2] nas terras boreais, o que acarretaria a liberação maciça de CO2.

Contudo, a hipótese otimista supõe a contenção imediata das emissões, que devem baixar para zero em duas ou três gerações. Oficialmente, todos os Estados reconhecem esse imperativo desde a Cúpula da Terra, no Rio de Janeiro, em 1992, e da adoção da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças do Clima.

Depois dessa ode mundial à salvaguarda do planeta, entretanto, a situação ficou ainda mais grave. Em 2013, o total de emissões de CO2 ultrapassou 34,3 bilhões de toneladas, contra 23 bilhões em 1990[3]. De 1980 a 2011, a “pressão antrópica” (a parte do aquecimento resultante das atividades humanas) dobrou por causa da emergência de novos países industrializados e do aumento da população.

Desigualdade social

O clima surge como um multiplicador de desequilíbrios, desigualdades e ameaças a que estão sujeitos os mais pobres. Aridez, furacões, monções desreguladas: o Sul já padece dos efeitos das mudanças sem ter conhecido os benefícios do desenvolvimento. Na África, o deserto avança pelo Sahel e 620 milhões de pessoas ainda não têm acesso à eletricidade. Uma responsabilidade colossal cabe aos países desenvolvidos, em particular aos Estados Unidos.

Desde sua criação, a empresa petrolífera Chevron teria, sozinha, mandado para a atmosfera mais de dez vezes o que todos os países da África subsaariana (fora a África do Sul) emitiram desde 1850; a Gazprom, tanto quanto a África; e a Saudi Aramco, mais que a América do Sul inteira[4].

 A maior parte do transtorno se deve à utilização do carbono, do petróleo e do gás. Todavia, em 2013, as subvenções públicas aos combustíveis fósseis chegaram a 480 bilhões de euros, isto é, mais de quatro vezes a soma das que foram concedidas às energias renováveis[5].

Diante de tal desafio, a lógica da relação de forças entre nações se torna inoperante e o caminho da cooperação continua acidentado. Após o Senado norte-americano se recusar a ratificar o Protocolo de Kyoto, em 1997[6], e depois do fiasco de Copenhague, em 2009, a Conferência de Paris foi minuciosamente preparada apostando em declarações voluntárias: as “contribuições previstas determinadas em nível nacional”.

Em meados de outubro, 148 países, representando 87% das emissões, haviam apresentado seus roteiros. Entre os grandes poluidores, faltaram apenas as contribuições do Irã e da Arábia Saudita. Cada qual alardeia grandes ambições: a China pretende alcançar seu pico de emissões e iniciar a redução em 2030; a União Europeia promete eliminar 40% das suas em 2030 (em relação a 1990); e os Estados Unidos anunciam uma queda de 26% em 2025 (em relação a 2005).

Indefinições

No entanto, a embaixadora francesa encarregada das negociações sobre a mudança climática, Laurence Tubiana, reconhece: “Ainda que positivas, essas contribuições não serão suficientes para nos colocar, depois da Conferência de Paris, num rumo compatível com o limite de 2° C. Por isso, o acordo de Paris deverá conter dispositivos que permitam fomentar regularmente o entusiasmo comum no curso do tempo, para que cada período de contribuições seja mais ambicioso e possamos cumprir nossos objetivos de longo prazo. Para obter um acordo universal, que entraria em vigor a partir de 2020, a estratégia da Presidência francesa se resume em evitar questões incômodas. Há fortes dúvidas quanto ao objetivo global de redução, à definição de um máximo mundial de emissões, aos mecanismos de controle… A taxação dos transportes marítimos e aéreos continua sendo um tabu. E o questionamento de um modo de produção que está levando a humanidade para o abismo ainda vai demorar.

 Alguns países, como os Estados Unidos, a Alemanha e os emirados do Golfo, não conseguirão jamais apagar os traços que deixaram na atmosfera; sua “dívida climática” é irremissível. As nações do Sul receberiam deles uma compensação financeira para poder alcançar um desenvolvimento sem carbono, saltando a etapa mortífera das energias fósseis. Mas o objetivo de US$ 100 bilhões por ano, consagrados a esse fim, ainda não encontrou quem o financiasse.

A 21ª conferência se caracteriza pelo papel crescente que lá desempenham as multinacionais com este credo: o direito do comércio terá de prevalecer sempre sobre a ambição social e ambiental. E os dirigentes que, com a mão no peito, irão propor um acordo sobre o clima negociam na sombra a criação do GMT (Grande Mercado Transatlântico), que visa “garantir um ambiente econômico aberto, transparente e previsível na questão da energia, e um acesso ilimitado e sustentável às matérias-primas”[7].

O caos climático só será evitado caso a maior parte das reservas de energia fóssil permaneça no solo. O desafio coletivo consiste em tornar esse esforço aceitável para todos, pondo-se fim ao aumento das desigualdades que desencoraja a solidariedade. Não convém esquecer a proclamação de George H. Bush ao chegar à Cúpula da Terra, no Rio: “O modo de vida norte-americano não é negociável”. Um modo de vida impossível de generalizar e cuja perpetuação nos custou vinte anos, tornando decisões futuras ainda mais difíceis de tomar.

O risco será deixar o tempo correr, enquanto se insiste em soluções quiméricas ou marginais, como a geoengenharia, que pretende fixar mais o carbono no solo ou reduzir a radiação solar. Os países do norte da Europa abriram um caminho novo propondo a partir do início dos anos 1990 uma “taxação do carbono”. Conseguiram uma redução significativa dos gases do efeito estufa sem renunciar à prosperidade: liberaram créditos para melhorar a eficácia energética dos transportes e construções, e para pesquisar energias renováveis. Mas estas não atenderão a uma demanda crescente, pois logo começarão a rarear os metais indispensáveis às instalações eólicas ou solares[8]. A via do “reduzir, reutilizar, reciclar” leva a repensar o consumo, fundamentando a qualidade de vida em outros critérios que não a acumulação.

 Os otimistas têm por si os últimos números da Agência Internacional da Energia: em 2014, a economia mundial progrediu 3%, enquanto as emissões de CO2 permaneceram constantes. Efeito conjuntural ou início da dissociação? Acharemos motivos mais sólidos para ter esperança na tomada de consciência dessas apostas, com o despertar de uma miríade de associações, e nas posturas adotadas por algumas autoridades morais, como o papa Francisco.

A multiplicação dos acidentes ecológicos vem forçando a China a questionar seu desenvolvimento; e a pré-candidata à Presidência dos Estados Unidos, Hillary Clinton, também deverá rever sua posição, renunciando ao projeto do oleoduto Keystone XL, concebido para facilitar a importação, pelos norte-americanos, das areias betuminosas de Alberta – um símbolo de desperdício anacrônico. A Convenção sobre a Proteção da Camada de Ozônio se tornou, em 2009, o primeiro tratado da história a ser universalmente ratificado; a salvaguarda do clima requer uma mobilização coletiva não menos ambiciosa.

[1] Ao relatório do grupo 1, “Os elementos científicos”, juntaram-se em 2014 os do grupo 2, “Incidências, adaptação e vulnerabilidade”, e do grupo 3, “A atenuação da mudança climática”.

[2] Solo profundo congelado

[3] “Trends in global CO2 emissions: 2014 Report” [Tendências nas emissões globais de CO2: Relatório de 2014], Netherlands Environmental Assessment Agency, Bilthoven-La Hague, 16 dez. 2014

[4] Richard Heede, “Tracing anthropogenic carbon dioxide and methane emissions to fossil fuel and cement producers, 1854-2010” [Rastreando as emissões antropogênicas de dióxido de carbono e metano por parte de produtores de combustível fóssil e cimento, 1854-2010], Climatic Change, v.122, n.1, Berlim, jan. 2014; e CAIT Climate Data Explorer 2015, World Resources Institute, Washington, DC.

[5] “World Energy Outlook” [Perspectiva da Energia Mundial], Agência Internacional de Energia (AIE), Paris, 2014

[6] Ratificado por 190 países, prevê compromissos de redução dos gases do efeito estufa para 38 nações industrializadas

[7] Item 37 da diretiva europeia de negociação, 13 jun. 2013, tornado público em 9 de outubro de 2014

[8] Cf. a contribuição de Philippe Bihouix em Économie de l’Après-Croissance [Economia do pós-crescimento], Les Presses de Sciences Po, Paris, 2015
Publicado originalmente pelo Le Monde Diplomatique Brasil
 

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