Movimento marcado para 8 de março mobilizará ativistas em pelo menos 30 países
Neste dia 8 de março, mulheres do mundo inteiro vão parar, ocupar as ruas e mostrar sua adesão à Greve Internacional de Mulheres. No Brasil, o movimento traz a bandeira da mobilização argentina Ni Una a Menos, e critica a reforma da Previdência proposta pelo governo de Michel Temer.
“Dois eixos em comum têm aparecido em praticamente todas as cidades que aderiram ao movimento no Brasil: um é o combate à violência contra a mulher. A julgar pela forma como o estado não assume sua responsabilidade quanto a isso, a nossa estatística infelizmente não tende a cair. O outro eixo que tem surgido é uma questão conjuntural brasileira: o combate à reforma da Previdência, que vai ser especificamente ruim para as mulheres”, disse Mariana Bastos, articuladora do movimento 8M no Brasil.
Ela explica que a reforma da Previdência iguala o tempo de contribuição entre homens e mulheres, ignorando o fato de que mulheres fazem “historicamente dupla jornada de trabalho, e levam em média três horas a mais em serviço do que homens”.
“Isso está em perfeita consonância com uma das ideias de greve que é tornar visível o trabalho doméstico: um trabalho invisibilizado, não valorizado e, portanto, não remunerado”, acrescentou Mariana.
Paro Mundial de Mulheres
Na Argentina, as demandas são parecidas com as do Brasil. Cecilia Palmeiro, à frente do movimento Ni una a menos e uma das articuladoras da greve em Buenos Aires, conta que o presidente Maurício Macri vem diminuindo cada vez mais políticas públicas que atendem às minorias, entre elas a revogação do direito de aposentadoria para o trabalho doméstico, medida adotada no governo de Cristina Kirchner.
“Há na Argentina e no Brasil uma restauração da onda conservadora na economia, com uma série de direitos ameaçados, entre eles, os das mulheres, justamente para acumulação de capital”, afirmou Cecilia, completando: “Nesse contexto é que o grupo surge como uma tentativa de encontrar uma narrativa contra os crimes de gênero”.
Na Polônia, o descontentamento com medidas governamentais é o mesmo. “As feministas se juntaram e aprendemos a trabalhar em conjunto”, contou Klementyna Suchanow, articuladora da greve marcada também para o dia 8 na Polônia, para quem a greve é a única maneira de protestar contra as medidas do governo.
“Temos tido muitos protestos na Polônia desde o final de 2015, mas o governo não se importa muito. Em outubro, quando a proibição de aborto estava prestes a ser introduzida, decidimos fazer uma greve geral e só assim cancelaram o projeto”.
Os números continuam alarmantes. A cada duas horas, uma mulher é morta no Brasil. A violência contra mulher representa 14% dos casos atendidos pela Polícia Militar no carnaval deste ano. O país está em quinto lugar no ranking de maior taxa de feminicídios no mundo. Mas o movimento e os números não são apenas do Brasil. Os protestos reúnem outros 30 países pela causa.
“A greve internacional está vindo como uma retomada do internacionalismo da luta feminista”, disse Mariana Bastos.
Grupos de mulheres da Austrália, Bolívia, Brasil, Chile, Costa Rica, República Checa, Equador, Inglaterra, França, Alemanha, Guatemala, Honduras, Islândia, Irlanda do Norte, Irlanda, Israel, Itália, México, Nicarágua, Peru, Polônia, Rússia, El Salvador, Escócia, Coreia do Sul, Suécia, Togo, Turquia, Uruguai e EUA confirmaram a convocatória que tem o objetivo de deixar escritórios, lojas, fábricas ou qualquer trabalho sem a presença do sexo feminino para protestar contra as desigualdades e a violência de gênero.
Klementyna Suchanow conta que na Polônia é claro um retrocesso nos direitos de gênero.
“As mulheres polonesas foram uma das primeiras que obtiveram direitos de voto, em 1918. Hoje eu posso dizer que minha filha nasceu no século XXI e tem menos direitos no futuro do que eu tinha no século XX”, afirmou.
“Como o governo é muito conservador, nós temos muitas razões além do aborto para protestar”, pontuou Klementyna, finalizando: “Exigimos todos os direitos reprodutivos, o fim da violência, igualdade econômica e separação do Estado e da Igreja”.
A inspiração do protesto de cunho internacional veio do Dia Livre das Mulheres islandesas de 1975, quando 90% das cidadãs deixaram seus postos de trabalho em 24 de outubro desse ano para protagonizar uma grande manifestação nas ruas do país e marcar um ponto de contraposição na luta pela igualdade de direitos.
Angela Davis e outras ativistas do mundo acadêmico assinaram no The Guardian desta semana a carta “Mulheres dos Estados Unidos, vamos fazer greve. Vamos nos unir e assim Trump verá nosso poder”. O manifesto é uma convocatória para a greve geral com a ideia de “mobilizar as mulheres, incluindo as transgênero” para construir “um novo movimento feminista internacional com uma agenda expandida: antirracista, anti-imperialista, anti-neoliberal e anti-heteronormativo”.
As norte-americanas se mobilizaram após o sucesso da Marcha das Mulheres de 21 de janeiro, em protesto à posse do conservador e polêmico presidente dos Estados Unidos, Donald Trump – quando apenas em Washington marcharam cerca de 500 mil pessoas guiadas por celebridades e ativistas.
“Logo depois da Marcha das Mulheres e o manifesto assinado pela Angela Davis e outras seis ativistas, as adesões começaram a ser maciças e as mulheres tomaram conhecimento de que algo estava sendo construído ali”, explicou Mariana Bastos, do movimento no Brasil.
Conscientes de que nem todas as categorias – levando em conta o contexto de crise econômica que alguns países passam – poderão paralisar suas atividades profissionais, o movimento sugere outras formas de participação, desde a utilização de elementos coloridos (cada país vai escolher uma cor representativa) à paralisação dos trabalhos domésticos.
“É claro que em um contexto de crise não esperamos que todas as mulheres do Brasil parem durante 24 horas suas atividades produtivas. Outra coisa importante é fazer um esforço para parar pelo menos as atividades domésticas e jogar todas as responsabilidades por um dia nas costas dos homens. Quando fazemos isso, ressignificamos o conceito de greve”, explicou.
Mobilização das Brasileiras
No Brasil, Mariana conta que 33 cidades e 13 capitais já aderiram ao protesto. No Rio, está marcada para o dia 8, quarta-feira, uma grande manifestação no Centro da cidade. A concentração será em frente a Igreja da Candelária, às 16h, com saída às 18h.
“Aqui no Brasil, como o movimento feminista não é coeso e até pela dimensão do país, a estratégia é dar total autonomia para cada cidade definir suas pautas e aderir ou não à greve. Para a nossa satisfação e surpresa, esse número aumenta cada vez mais”, contou Mariana, que também explica que cada país vai aderir ao movimento de forma específica, defendendo suas particularidades.
“Na Tailândia, por exemplo, as formas de adesão à greve seriam só pelo uso de uma pulseira colorida, porque elas vivem em uma ditadura e correm o risco de serem presas. Ao mesmo tempo, as companheiras da Finlândia dizem que não vão fazer greve, porque elas já têm todos os direitos contemplados. É um país que alcançou um alto grau de equidade de gênero. Porém, elas também afirmaram que marchariam em solidariedade a todas as outras mulheres que não têm esses direitos conquistados”, completou.
“Se nosso trabalho não vale, produzam sem nós”, resumiu Cecilia Palmeiro, convocando para o ato na Argentina.
Fator Social
Ela conta que há uma “feminização da pobreza”, o que, para ela, significa que o neoliberalismo precisa de mão de obra barata para funcionar. Em um ano, o país teve um aumento de 200 mil pessoas desempregadas que, segundo Cecilia, atingem em 10,5% mulheres.
“Na pobreza, as mulheres ficam ainda mais vulneráveis a violência. O feminicídio começa na desigualdade laboral. A economia é a maneira que os homens têm de assegurar e mostrar o seu poder e propriedade sobre as mulheres. Hoje nós fazemos um trabalho não reconhecido, não remunerado e desvalorizado. Ganhamos 27% menos que os homens pelas mesmas tarefas”, enfatizou Cecilia, completando: “Nos apropriarmos da greve para ter um efeito na economia. Toda a Argentina está indo para a greve junto com as centrais de trabalhadoras, numa modalidade diferente da greve normal, porque estamos falando também do trabalho doméstico”.
“Por que é importante pensar nisso internacionalmente?”, questionou Mariana, respondendo em seguida: “Porque existe uma onda conservadora avançando no mundo seja em nível internacional, regional ou local. E para fazermos frente, quanto mais unidas estivermos, melhor. Isso não inviabiliza as pautas locais. Quando temos contato com outras realidades, entendemos que existem muita mais questões para enfrentarmos”, finalizou.
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Fonte: Rebeca Letieri, Jornal do Brasil, 05/03/2017.