Se isso parece exagero, vou dar um exemplo. Quando eu estava grávida do meu primeiro filho, conversava com um amigo sobre a filhinha dele, ele preocupado com o “trabalho” que ela daria no futuro. Eu tentava argumentar que entendia os medos de pai, mas que pensar assim era um tanto machista, afinal, dava a entender que ele precisaria manter afastados os potenciais parceiros sexuais da filha. A conversa terminou quando ele soltou esta:
“Para você é fácil falar. Você vai ter um menino. Eu que sou o fornecedor”.
Isso aconteceu há três anos – acho até que esse meu amigo não acredita mais nessa bobagem –, mas ilustra bem como a maioria da sociedade ainda enxerga meninas e mulheres. Em pleno século XXI, continuamos a ensinar às meninas que elas não são donas do próprio corpo. Que elas devem ser delicadas e se comportar como “mocinhas”. Enquanto isso, dos meninos, é cobrado o oposto: virilidade, “macheza”, promiscuidade.
Como mães e pais, temos uma imensa responsabilidade em mudar isso. Então, aqui vai uma lista de coisas que podemos fazer para que as crianças não reproduzam comportamentos machistas, que dão origem a tantas formas de violência contra as mulheres.
Brincadeira não tem gênero.
Basta uma ida às lojas de brinquedos para constatar a divisão “para meninas” X “para meninos”. Para elas, bonecas, casinhas e panelinhas; para eles, carrinhos, super-heróis e jogos de montar. Esse tipo de categorização leva as crianças a achar que atividades domésticas são de responsabilidade exclusiva das mulheres, enquanto que, para os homens, é destinada a conquista do mundo. Que elas são menos humanas ou menos dignas que eles. Não estou dizendo que meninas não devam brincar de boneca, mas que não há problema algum em deixar que meninos também o façam.
Um bom exemplo de como isso pode ser conduzido vem da Suécia, país que ocupa o 4o lugar (entre 145 nações avaliadas) no ranking do Fórum Econômico Mundial que mede a igualdade de gênero. Em uma creche no centro de Estolcomo, uma das principais mudanças foi a eliminação de brinquedos tradicionalmente tidos como de meninas ou de meninos. No lugar deles, materiais como panos, papéis, madeiras e fantasias para que as crianças soltem a imaginação.
Fale sobre o respeito ao corpo do outro.
Recentemente, li um desabafo no Facebook no qual uma mãe relatava que um coleguinha da filha, ambos com 7 anos, estava sistematicamente passando a mão na bunda da menina. Contra as afirmações de que “é só uma brincadeira!”, “não tem maldade!”, “eles são crianças!”, há a certeza de que o garoto não estava respeitando o corpo da menina, que já havia deixado claro não estar gostando do comportamento dele. Esse tipo de coisa precisa ser discutida nas famílias e nas escolas, para que ninguém cresça achando que tal desrespeito é normal.
Uma das coisas que mais me incomoda é quando alguém diz que um de meus filhos namora com alguma outra criança. Pode parecer exagero, mas não é. Eles são, no máximo, amigos. Por que a gente insiste em colocá-los como adultos?
O mesmo vale para frases aparentemente inocentes, mas que estão carregadas de noções machistas: “ela vai dar trabalho”, “esse aí vai ser garanhão”, “já é o terror das menininhas” e por aí vai. Incentivar que meninos se comportem como predadores sexuais é uma das formas de alimentar a cultura do estupro.
Talvez um dos maiores termômetros da situação de desigualdade entre homens e mulheres seja a divisão das tarefas domésticas. E a desigualdade começa ainda na infância, como revelou uma pesquisa realizada com crianças de 6 a 11 anos. Segundo o levantamento, 81% das meninas arrumam a própria cama, tarefa executada por apenas 12% dos irmãos meninos. Elas também são as que mais limpam a casa (66%, contra 11% dos meninos).
Incluir as crianças, independentemente do gênero, nas tarefas da casa é uma forma de ensiná-las sobre responsabilidade e organização, além de mostrar que meninas e meninos valem a mesma coisa e elas não existem para servir a eles. Mesmo meninos pequenos podem ajudar, guardando brinquedos, recolhendo os pratos da mesa ou desligando a televisão.
Não estimule a agressividade nos meninos.
Muita gente acha legal que o filho menino seja “durão”, que aprenda a revidar com violência física as agressões de outras crianças. Esse expediente, contudo, pode fazer com que os garotos passem a dar socos e pontapés toda vez que se sentirem frustrados. E que achem que recorrer à violência para conseguir o que querem vale a pena – mesmo se for por sexo.
Um outro costume é “diminuir” os sentimentos dos garotos, com a máxima “homem não chora”. Por aqui, já corrigi diversas vezes: chora, chora mesmo, meu filho. Isso não é vergonha e não determina coragem.
Façamos a nossa parte!