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Chile. “Jesus teria vindo aqui”. A luta dos cristãos em Santiago

via IHU Online*

A reportagem é de Estefanía Labrín, publicada por The Clinic, 26-10-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

De distintas denominações, credos, classes sociais e inclusive hierarquia. Em um lado do edifício Telefônica na Plaza Itália se concentraram centenas de pessoas com um lema distinto; cartazes que aludiam a versículos bíblicos, mãos levantadas, orações e inclusive gritos religiosos como “Jesus te ama”. As pessoas no grupo apontaram com críticas e chamado às igrejas chilenas para serem garantidoras dos Direitos Humanos no Chile, a intervir no debate “por e para o povo que está sofrendo” e ajudar aqueles que necessitam. Inclusive alguns se manifestaram a favor da cobrança de impostos das grandes igrejas como a Católica. “Jesus queria a justiça social, não queria que seu povo sofresse, por que nós estaríamos calados?”.

Entre grupos de WhatsApp, Instagram e redes sociais, circulou durante a semana uma série de vídeos, e convocatórias para que as pessoas cristãs, de distintas denominações se façam partícipes do que seria a marcha “Más grande de Chile”. Alguns dos grupos já haviam participado na limpeza das ruas durante as manhãs, porém esse chamado era um pouco diferente. O chamado era para se fazer parte do clamor nacional desde um lugar que por anos tem sido sinônimo das demandas sociais: a rua.

Desde a explosão dos protestos massivos, vários grupos de igrejas se autoconvocaram a se somar; porém o chamado desta quinta apontava para um espaço mais amplo que convocou dezenas de pessoas que haviam decidido por descansar antes. “Na minha igreja há muita divisão por esse protesto social, eu não quis vir antes porque meus pais não estão de acordo, porém meu principal mestre é Jesus, e quando li Marcos 11, quando Jesus se enraivou com os vendilhões e começou a destruir o templo, me fez sentido. Os mercadores de hoje deixam o povo de Deus na miséria, eu não sei o que Jesus teria feito, porém lendo sua palavra, me dei conta de que talvez estaria enojado. Se ele está enojado, eu me ajoelho e compartilho da sua irritação. Não creio que alguém não poderia estar enojado vendo os avós que se suicidam porque não tem mais dinheiro”, conta Paloma, uma jovem de uma igreja evangélica de Puente Alto.

Jesus estaria aqui

Valentina Paz é cristã, e missionária, preparando-se para partir mais além das fronteiras do Chile. “Estive na marcha em primeiro lugar para levar insumos à Cruz Vermelha para que possam atender as pessoas que podem ficar feridas. É um trabalho essencial o de poder dar cuidado às pessoas que sofrem a violência inaudita das forças da ordem e segurança. E outra, porque me pergunto todo esse tempo, o que faria Jesus nessa situação? Eu não vejo Jesus ao lado do Governo ou do que está estabelecido nesse sistema. De fato, Jesus nunca esteve desse lado nesses três anos de Ministério. Ele esteve com as pessoas excluídas, com as pessoas doentes, com as pessoas perseguidas, as que estavam fora do círculo da sociedade”.

O padre Pablo Walker, ex-capelão do Hogar de Cristo, estava entre todas as pessoas que se manifestavam na Plaza Italia, e concorda que Jesus estaria ali: “eu creio que Jesus estaria aqui, muito provavelmente falando muito melhor que eu, somos todos aprendizes, nos coloquemos todos de joelhos, porém temos que se apossa do Evangelho para estar do lado certo, para redescobrir outa forma de dignidade”. No mesmo setor, Angélica, uma irmã proveniente da comuna de San Bernardo afirma que chegou até a Plaza Italia porque “o Papa nos chama a sair à rua, a fazer barulho, e isso é cumprir um mandato. O mesmo Jesus veio revolucionar a história. As demandas do povo são válidas, porque faz pouco que estamos sendo oprimidos pelo sistema e desde aí é preciso despertar, e esse é um despertar do país. Nós também nos aposentamos, somos vítimas da AFP e da saúde, porém estamos aqui por todos, não somente por nós”, comenta. Uma de suas companheiras que preferiu não se identificar agrega “e a Igreja tem que se fazer parte, temos que pagar impostos, não podemos seguir contribuindo a esse modelo. Jesus queria a justiça social, não queria que seu povo sofresse, por que nós estamos calados?”.

Em outros setor da marcha, por Andrés Bello, vários membros da Igreja Anglicana, La Trinidad se instalaram e se deslocaram não somente com orações, cartazes, Bíblias e ouvidos para escuar, mas também com água e abraços. Constanza, uma delas, comentou que “o que me chamou a vir foi que, para além de estar em desacordo com muitas coisas, creio que é uma oportunidade para que como Igreja nos façamos presentes e que sejamos sensíveis, que amemos a nosso próximo como a nós mesmos, e isso significa que não podemos ser indiferentes à realidade que vivem muitas pessoas. Então é preciso mostrar a Jesus e dizer ao povo que também estamos aqui, que não somos indolentes, e pelo menos eu não posso dizer que também sofro, mas posso dizer que não quero ser indiferente a isso, porque creio que Jesus não é, por isso Jesus se fez humano”.

A igreja como garantidora dos Direitos Humanos

“Eu queria que as igrejas, e minha igreja, estivessem do lado da verdade, das pessoas que foram abusadas pelos agentes do Estado, que estivessem muito mais ativos. Minha igreja está muito dividida, e eu entendo isso, porque há gente que tem sensibilidades de direita, porém me dá pena que independente das sensibilidades, haja gente que esteja sofrendo. Agora, em minha igreja há muita gente que está ajudando as pessoas da terceira idade e orando, que está muito bem. Porém, a Igreja tem que estar na brecha, eu creio firmemente.

Porém eles têm medo de se colocarem nas brechas e serem chamados de esquerdistas, porém não se dão conta de que isso vai muito além da ideologia, porque as pessoas foram vulneradas em seus direitos por mais de 40 anos e nós devemos estar aí não somente aliviando a dor e o medo, mas sim que devemos estar propondo para o futuro”, comenta Valentina Paz frente a consulta do papel que deveriam ter as igrejas diante das distintas denúncias de violações a Direitos Humanos que se está vivendo.

Na mesma linha, o padre Pablo Walker afirma que “é gravíssimo, e temos agora a oportunidade de ser garantidores do ‘Ditadura Nunca Mais’, na última Via Crucis, da Villa Grimaldi, um dos sobreviventes perguntou ‘Quem garantirá que Nunca Mais?’, e a resposta é, o povo organizado, tu com teu celular, os vizinhos que se somam ao balcão, as pessoas que estão nos protestos e que não os fazem os lesos, que reconhecem o que viram e entregam os antecedentes, porém também sobretudo a Igreja tem que garantir esse “Nunca mais”. Eu olho com alegria e esperança que agora o Instituto Nacional de Direitos Humanos tome o posto do que fez o Vicariato na ditadura, e nós como Igreja queremos servir ao fortalecimento da democracia, uma democracia onde caibamos todos e todas”.

O papel da Igreja na sociedade

Quando o papa Francisco veio ao Chile, ele recebeu um relatório de análise da população católica no Chile. Indicou uma queda acentuada na população identificada como católica, de 73% no início dos anos 2000 para 45% em 2017. Um número que não se reflete no último Censo (2012), em que as quedas são sustentadas em quase todas as religiões. O indicador de confiança nas instituições, de acordo com as pesquisas mais recentes, como a Bicentenário 2018, apontou que a confiança na Igreja como entidade caiu de 18% para 9%.

“Estamos aqui porque é nosso dever, as dores, as esperanças e os sofrimentos de todos os filhos e filhas de Deus não podem ser indiferentes os cristãos, é a luta de todos, é um Deus que vem encontrar seu povo para dar dignidade ”, diz Jorge, padre de Los Viejos Católicos, que estava no final da manifestação. “As organizações e capelas se chamam pelo espírito de Jesus, porque temos uma espécie de raiva santa, de teimosia, você vê, de outra maneira, entender a dignidade que se aprende com o povo, que não é retirada da teoria, mas se aprende ouvindo a pessoa que não tem dinheiro para chegar ao final do mês, a pessoa que estuda há décadas, o cabrito estigmatizado por ter nascido em Victoria, que é a inteligência do Evangelho, quem não é próximo dos pobres não entende Jesus ”, refletiu Pablo Walker.

“Eu sei que a Igreja parece fria e distante às vezes, mas estamos lá na cidade, acompanhamos as meninas, ajudamos, orientamos, fazemos com que elas entendam que valem ouro e que devem seguir em frente”, diz Paula, uma das freiras que estavam na manifestação, “a Igreja tem e deve ter seu papel lá na rua, não deve ser trancada. Qual é a utilidade de estudar a Bíblia todos os dias se não a colocarmos em prática? Jesus não estava com a elite, Jesus passou seus dias com o povo, temos que fazer o mesmo. ”

Olhos cristãos frente à contingência

Como é ser cristão e ver tudo o que acontece? “Enquanto olhava tudo isso, me perguntava o que era diferentes entre essas marchas e as que fui na ditadura, nas concentrações do “Não”. Me deitei e me dei conta que era diferente. Porém depois me dei conta: não havia bandeiras dos partidos políticos. Havia bandeiras do Chile que sempre foram apropriadas somente por um setor da população. Havia bandeiras dos povos indígenas, da diversidade sexual, e até de alguns clubes de futebol. Me chamou muito a atenção isso, quando os torcedores do Colo-Colo chegaram com fogos artificiais, gostei muito disso, não passaram desapercebidos. Havia muitos cartazes, tratei de ler tudo e dei muita risada por todos os marcianos, me encanta a criatividade”, disse Valentina Paz, que já previamente havia destacado essa característica de Jesus: sua criatividade.

Paloma, de uma igreja evangélica em Puente Alto, diz “a verdade é que me sinto culpada. Costumava me manter muito informada de tudo, assistir as notícias, ouvir o rádio cedo, mas tinha as informações e separava minha espiritualidade das minhas opiniões, como se fossem duas coisas separadas. E esse movimento me fez perceber que não posso! Minha espiritualidade e minhas opiniões são a mesma coisa, são a mesma voz que Jesus está me pedindo para usar”.

Limpar o Chile

Na manhã deste sábado, vários voluntários das igrejas decidiram se juntar à chamada para limpar as ruas da cidade. Uma cena que começou a se repetir desde quinta-feira de manhã, mas no sábado o trabalho é mais árduo. Muitas pessoas preferem não falar, porque alegam que a ideia é ser um trabalho silencioso e não protagonista.

Publicado no site do IHU Online.

Foto de capa: Grupo de Jovens da Iglesia Trinidad

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