Entre as linhas gerais que devem sofrer modificações com a nova proposta apresentada pelo governo durante o Fórum Nacional de Trabalho e Previdência, ontem (17), estão: demografia e idade média das aposentadorias; financiamento da previdência social; diferença de regras entre homens e mulheres; pensões por morte; benefícios da previdência rural; regimes próprios de previdência e convergência dos sistemas previdenciários.
Os pontos que causaram maior divergência entre movimentos populares, sindicalistas e empresários são os que interferem em benefícios e especificidades de classe e gênero, como a fixação de uma idade mínima para a aposentadoria, a paridade na idade de aposentadoria de homens e mulheres e o fim das condições especiais para trabalhadores rurais.
Gênero
Para o economista Guilherme Delgado, que foi coordenador da área previdenciária do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e integrou o Conselho Nacional de Previdência Social, esses pontos representam um retrocesso e requerem mudanças constitucionais. "Se você iguala a idade de aposentadoria você elimina a diferença entre homens e mulheres; e trabalhadores rurais e urbanos. Existem razões previdenciárias fortes para fazer essa diferenciação”, explicou.
Hoje, os trabalhadores rurais possuem uma condição de segurado especial, uma vez que o trabalho agrícola é entendido como mais desgastante. Os trabalhadores do campo podem se aposentar aos 60 anos e a trabalhadoras aos 55, diferentemente das idades para trabalhadores urbanos – 65 e 60 anos, respectivamente.
A dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Teto (MTST), Kelli Mafort, explica que a condição de segurado especial dos trabalhadores rurais é fruto de um processo de mobilização dos trabalhadores e organizações do campo. As mulheres camponesas, portanto, seriam as mais afetadas pela reforma na Previdência Social. A diferenciação entre gêneros na idade de aposentadoria, explica ela, é baseada, principalmente, na realidade de dupla jornada a qual as mulheres, principalmente as que fazem parte da base da pirâmide social, são submetidas.
“As mulheres do campo serão atingidas em cheio, nossos direitos seriam completamente descartados, assim como o reconhecimento da realidade da desigualdade de gênero pela lei. Enquanto essa situação não for alterada, os direitos das mulheres tem que ser garantidos pela legislação do país”, destaca Kelli.
Hoje, as mulheres – por possuírem mais longevidade e se aposentarem mais cedo – representam praticamente 2/3 dos beneficiários da Previdência. Além disso, 99% dos benefícios da previdência rural são de salário mínimo. Por esse motivo, Delgado acredita que “o setor rural será duplamente castigado na reforma cogitada e para as trabalhadoras do campo a mudança seria devastadora”.
Posição
A reforma da Previdência é justificada, segundo o governo federal, pela atual crise econômica mundial, além do aumento na expectativa de vida dos brasileiros. Entretanto, diversos movimentos sociais se opõem à essa solução e não acreditam que haja um "rombo" no setor. "A discussão tem que ter critérios 'ético-previdenciários'. Hoje, os fiscalistas estão mirando na Previdência Social para fazer cortes e economizar recursos e a questão demográfica está sendo usada como subterfúgio”, disse Delgado.
Neste ano, além dos temas usuais, as mulheres do MST e da Via Campesina pretendem pautar a questão da reforma na Previdência na Jornada Nacional do Dia Internacional da Mulher, que acontece em 8 de março. “Nós vamos lutar para que as mulheres não percam o direito de seguradas especiais, especialmente as trabalhadoras rurais”, declara Kelli.