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“A quem foi perdoado pouco, demonstra pouco amor” (Lucas 7,36 – 8,3) [Tomaz Hughes SVD]

“A quem foi perdoado pouco
O trecho de Lucas de hoje – por sinal riquíssimo – trata de três temas característicos deste Evangelho:
– a misericórdia de Deus
– o relacionamento de Jesus com as mulheres
– o perigo que todos nós corremos de nos considerarmos “justos”, desprezando os outros.
Lucas é um verdadeiro artista de palavras. Torna-se quase impossível ler ou ouvir este trecho sem imaginar a cena.  Jesus e os convidados, não sentados à mesa, mas reclinados sobre almofadas; a chegada da mulher, desprezada na vila por todos, com certeza sentindo-se humilhada, mas movida por uma força maior, que a faz enfrentar corajosamente o desprezo dos outros e entrar sem convite na casa de um fariseu – coisa inédita! Mas quem é impulsionado pelo amor e pela experiência de Deus não mede esforços.  Depois, as lágrimas – não de tristeza, mas de gratidão, de alívio, de uma profunda alegria do ser – o enxugar dos pés, o perfume.
A reação de Simão, o fariseu, é de se esperar! Ele, que se julga “justo” e não “pecador”, – e com razão, segundo os critérios da sociedade e da religião oficial do tempo – se dá o direito de julgar tanto a mulher como a Jesus. Para ele – como para muitos de nós – ser justo é cumprir as leis, e assim deixar de ser pecador.  Cumprir as leis, Simão faz minuciosamente!  Assim ele se justifica (se torna justo), dispensando, na realidade, a graça e o perdão de Deus. Quem considera que não esteja necessitado de perdão, jamais será capaz de entender a sua força transformadora, que nos capacita para o amor.
Jesus, porém, reage de uma maneira bem diferente. Através da parábola dos dois devedores, ensina que é a experiência de ser perdoado que leva ao amor. Não o contrário! A mulher na história não foi perdoada porque ela antes muito amou, mas muito amou porque ela foi antes perdoada!! O amor é a consequência da ação do perdão de Deus. Quem nunca foi perdoado, dificilmente vai perdoar; quem nunca foi amado, terá dificuldade em amar. O perdão de Deus não é a reação d’Ele à nossa iniciativa de amar – pelo contrário, é Deus quem toma a iniciativa de perdoar e essa experiência de sermos perdoados nos capacitará para que possamos amar. O nosso amor é a nossa resposta à iniciativa gratuita e amorosa do Pai – não temos que conquistar este amor e este perdão, nem merecê-los, mas aceitá-los, assumi-los e responder a eles.
Todos nós corremos o risco de agirmos como Simão!  Muitas vezes temos recebido uma formação espiritual que na verdade era em grande parte “farisaica”, baseada no cumprimento de leis e práticas externas de piedade, que são importantes, como se nós pudéssemos nos justificar diante de Deus. Temos de refazer a experiência de Paulo, fariseu ferrenho, que descobriu que nenhuma prática religiosa – por tão importante que seja – pode nos justificar. A vida de Paulo mudou quando ele fez a experiência da gratuidade do amor de Deus, e o resto da sua vida foi uma resposta a este amor gratuito. Mas a consequência de uma formação errada pode ser de nos darmos o luxo de julgar, classificar e desprezar os outros, que são “pecadores”, conforme os nossos critérios. Cuidemos com o fermento dos fariseus!!
Este trecho dá grande destaque às mulheres. Jesus rompeu com as tradições patriarcais e machistas do seu tempo. Não só se deixou tocar por mulheres “pecadoras” – assim, se tornando impuro conforme as leis do tempo – como se fez acompanhar nas suas andanças pela Galileia por várias mulheres, que faziam parte do seu grupo de seguidores/as. Não é claro se Lucas salienta este ponto para refletir a grande liderança de mulheres nas suas comunidades, ou, pelo contrário, para contestar uma tendência machista de cortar esta liderança, lembrando aos seus leitores que Jesus não aceitava nenhuma discriminação baseada em gênero. Durante séculos a Igreja, em grande parte, perdeu esta novidade de Jesus, assumindo os padrões patriarcais e machistas da sociedade dominante. Devemos voltar a esta visão de fraternidade e igualdade entre homens e mulheres, como pede o Papa João Paulo II na sua Exortação Apostólica “Vita Consacrata”, quando ele conclama as mulheres a serem protagonistas dum “novo feminismo” (VC 58):
“Por certo, não se pode deixar de reconhecer o fundamento de muitas reivindicações relativas à posição da mulher nos diversos âmbitos sociais e eclesiais. Do mesmo modo, é forçoso assinalar que a nova consciência feminina ajuda também os homens a reverem os seus esquemas mentais, o modo de se autocompreenderem, de se colocarem na história e de a interpretarem, de organizarem a vida social, política, econômica, religiosa, eclesial.” (VC 57)
Que o Evangelho de Lucas nos ajude a recuperarmos as atitudes de Jesus, para que as nossas comunidades sejam realmente comunidades de fraternidade, igualdade, perdão, misericórdia e amor!!

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