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20 anos de Carajás: “Não existe conquista sem luta”

20 anos de Carajás: “Não existe conquista sem luta”
Abrindo a série “20 anos: de Carajás a Mariana”, a FASE entrevista Ulisses Manaças, membro da coordenação nacional do MST e da coordenação estadual do Pará. Ele relembra o passado e faz uma análise do que é preciso ser feito para que o país tenha um futuro melhor para a reforma agrária.

Em 17 de abril de 1996, uma ação da Polícia Militar (PM) do Pará com o “objetivo” de liberar a estrada no município de Eldorado dos Carajás, ocupada por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), deixou 21 mortos e cerca de 60 feridos. Muitos com tiros à queima-roupa. Na época, a FASE tinha uma equipe em Marabá, que fica cerca de 500 quilômetros ao sul da capital Belém, e acompanhou o caso de perto, ajudou a resgatar os feridos nos hospitais, a localizar as famílias e a articular ações com os movimentos sociais do campo. Foi um período áureo de luta pela terra na região, mas muito violento.

Os dois comandantes acusados pelo crime, o coronel Mário Colares Pantoja e o major José Maria Oliveira, receberam respectivamente penas de 280 e 158 anos e estão presos. Já os 155 policiais que participaram do massacre foram absolvidos. Moradores da região dizem que o dono da fazenda Macaxeira foi responsável pela matança porque coordenou uma coleta entre os fazendeiros para que a PM realizasse a ação. Mexer no baú das lembranças ruins não faz bem, mas é preciso. E, para que esse episódio da nossa história não seja esquecido, foi erguida uma Capela na chamada curva do S, onde tudo aconteceu. Vale ressaltar que essa é a segunda homenagem feita, já que o monumento projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer foi destruído a mando dos fazendeiros da região.

Em entrevista, Ulisses Manaças, membro da coordenação nacional do MST e da coordenação estadual do movimento no Pará, fez um resgate do passado. Ele analisa o que é preciso ser feito para que o país tenha um futuro melhor para a reforma agrária.

Qual a lembrança que você tem do dia 17 de abril de 1996?

Na época, eu fazia parte de um coletivo que apoiava o MST. Entrei para o movimento dois anos depois. Me lembro que no dia do massacre estava com dirigentes do MST, em Belém, arrecadando apoio para a marcha que tinha saído de Eldorado. A marcha saiu com o objetivo de chegar à capital para conversar com o [então] governador do estado, Almir Gabriel, que tinha feito uma série de promessas às famílias. De tarde, por volta das 17h, começamos a receber ligações informando sobre o ataque. Naquele momento, ninguém tinha informações precisas sobre o ocorrido e as primeiras notícias eram de que mais de 50 pessoas tinham sido assassinadas. Começamos a fazer as articulações e apurar informações. Lembro que ficamos a madrugada inteira trabalhando nisso. Pela manhã, um grupo seguiu em um pequeno avião para a região dos Carajás. Lá, eles fizeram a contabilidade dos mortos e feridos e começaram a tomar as medidas cabíveis. O que mais me marcou nesse processo foi a brutalidade de como aconteceu. Teve gente que só foi encontrada uma semana depois da chacina. Foi muito perverso, houve perseguição aos militantes e muitos fugiram pelo mato. Há pessoas que nunca voltaram ou foram encontradas. Até hoje nós não sabemos se foram para outras regiões ou se também foram mortos.

Nesses 20 anos muitos militantes foram assassinados. Como é continuar lutando sob ameaça?

No Pará, praticamente todas as lideranças dos movimentos sociais do campo estão ameaçados de morte. Eu mesmo faço parte de um programa de proteção. Nós temos uma lista interminável de pessoas ameaçadas e grande parte delas já foram assassinadas. Irmã Dorothy Stang, a família Canuto, Paulo Fonteles, João Batista, Onalício Araújo Barros e Valentim Silva Serra são apenas alguns dos assassinados após Carajás a mando de fazendeiros. As lideranças tem que ter um cuidado redobrado porque o estado é ausente e o poder judiciário não penaliza as pessoas que matam. No Pará, apenas 26% dos inquéritos policiais estão concluídos. É um numero muito baixo e dá suporte para que esses crimes continuem acontecendo. Os assassinos e mandantes são basicamente fazendeiros e grupos econômicos. Entretanto, nunca pensei em desistir da luta, mas tive que redobrar os cuidados e, mesmo assim, já sofri atentados. Mudei minha rotina, deixei de transitar por lugares que frequentava, mudei meu local de atuação. O problema é que se penaliza quem está militando e não os que estão ameaçando. O assassinato aqui na região é seletivo, eles escolhem as lideranças para tirar do caminho.

E hoje? As violações de direitos são as mesmas de 20 anos atrás?

Em 1996, no Brasil, tínhamos uma intensa luta pela terra. O problema é que nesse período tivemos a construção de assentamentos e uma política de reforma agrária muito mais pela questão dos movimentos sociais, que ocupavam a terra e que pautavam o Estado. Hoje, vivemos um processo de paralisação das conquistas e do processo de reforma agrária. Em relação à violência do campo, o massacre em Carajás foi um divisor de águas porque criou uma mancha contra o Estado brasileiro. O Estado e os setores de repressão se aperfeiçoaram. Dizemos que houve um processo de judicialização da luta pela terra. Agora eles criminalizam os ativistas e os movimentos sociais para imobilizá-los. Prova disso foi a aprovação no Congresso Nacional da Lei Antiterrorismo, que propõe enquadrar pessoas que por ventura possam estar colocando em xeque o governo. Essa é uma ameaça contra a sociedade brasileira.

Recentemente, a presidenta Dilma Rousseff desapropriou terras para a reforma agrária. O que você tem a dizer sobre isso?

Para nós o governo abandonou completamente uma política efetiva de reforma agrária. Há um decréscimo radical desde o governo Lula. O governo Dilma abandonou por completo essa pauta. Os últimos números dão conta de 15 mil famílias assentadas, em 2014, e 3700, em 2015. Entretanto, no ano passado, chegamos a zerar o número de decretos porque nenhum deles foi efetivado. Os assentamentos eram criados e os fazendeiros entravam na Justiça e anulavam os decretos. Essa última iniciativa do governo, de disponibilizar 35 mil hectares de terra, é insignificante. Atualmente, temos cerca de 100 mil famílias acampadas, algumas esperando há mais de 10 anos pela terra. Por outro lado, o governo priorizou os setores empresariais da agricultura, o chamado agronegócio, em detrimento da marginalização da agricultura familiar e camponesa. É importante ressaltar que a concentração fundiária no Brasil tem crescido. Sabemos que a prioridade não é fazer coro com aqueles que querem dar golpe de Estado e derrubar o governo. Muito embora, essa é uma dívida histórica que o governo tem, principalmente um governo que se identifica com setores populares. Esse é o período de maior dificuldade que temos vivido.

A Vale em Carajás ainda é um símbolo de violações de direitos?

A Vale é o símbolo do inimigo do desenvolvimento da região. A empresa foi desnacionalizada e, nesse processo, construiu uma presença que consegue ser maior que o próprio Estado. Temos um assentamento chamado “Assentamento Palmares”, onde o trilho da Vale atravessa gerando impactos sociais e ambientais, deixando os dejetos da mineração. A briga é permanente contra essa empresa. Carajás tem o maior fluxo migratório do Brasil. São milhares de pessoas que vem anualmente para essa região em busca de melhores condições de vida, e quando chegam aqui veem que isso não existe. A Vale não emprega essa mão de obra que o mercado chama de desqualificada.

Canaã dos Carajás, por exemplo, que há 10 anos tinha 10 mil habitantes, hoje tem cerca de 40 mil. É o maior crescimento demográfico do Brasil exatamente por causa da Vale. E acredito que a empresa tem uma responsabilidade com o grau de pobreza que o Pará vive e não assume essa responsabilidade, especialmente porque o nosso estado é um exportador de matéria-prima. Entretanto, a Lei Kandir, aprovada pelo [então] presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que desonera essas exportações, não deixa os dividendos no estado. É uma situação diferente do petróleo, por exemplo. A mineração só deixa o que chamamos de “o grande buraco”.

Qual o caminho que o Brasil precisa seguir para fazer uma verdadeira reforma agrária?

É preciso ampliar o debate com a sociedade civil brasileira. A reforma agrária não vai voltar para a agenda nacional se nós não mobilizarmos todos os setores da sociedade. É preciso entender que a reforma agrária não vai beneficiar somente a população do campo. Ela ajuda a estancar a migração do interior para as cidades, aumenta a oferta e a demanda de alimentos, gera biodiversidade para desenvolver um meio ambiente de forma mais qualificada, amplia a possibilidade das pessoas terem renda. Mas é preciso mobilizar para que a classe trabalhadora seja a maior beneficiada. Temos que mudar radicalmente a legislação brasileira. A Constituição afirma que “toda terra que não cumpre função social deve ser destinada para fim de reforma agrária”, mas ao mesmo tempo ela diz que a “propriedade é inviolável e sagrada mesmo que ela não cumpra função social”. É preciso ampliar a legislação, revisar o índice de produtividade da terra, e o governo deve enfrentar esse problema desapropriando o latifúndio e disponibilizando para as populações camponesas.

Hoje, o MST tem quase 400 mil famílias assentadas, fruto de muita luta – junto com outros movimento sociais do campo como a Contag [Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura], a CPT [Comissão Pastoral da Terra] e o MPA [Movimento de Pequenos Agricultores], por exemplo – e sangue de pessoas honradas. Não existe conquista sem luta.

Nós permaneceremos com a nossa agenda construindo e dizendo para a sociedade que existem caminhos e os assentamentos estão aí para provar a possibilidade de desenvolvimento social com igualdade no campo. Convocamos a sociedade a se mobilizar conosco.

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