Jelson Oliveira
Pai-Nosso dos caudais de Anapu,
E de seus verdes ruídos acima do silêncio,
Onde estavas àquela hora amarga,
Distraído entre os tocaris da mata
Ou chorando ainda o alto Bacuri derrubado?
Onde estavas àquela hora amarga
Em que o tronco bebeu a seiva com pesar
e a dor ressecou os ramos ao redor?
E a escuridão vitoriosa percorreu
o cárcere úmido da madeira?
Comprimida de orvalho e divindades
Uma filha da paz caiu sobre os dias
profetiza das regiões elíseas
e distantes
onde te perdes, sendo Deus, pelas manhãs do tempo.
Ela tinha a idade brilhante dos rios
e da Cueira solitária das sombras
adulava o perigo das alturas.
Na cuia plural dos olhos,
vagarosa brisa desvelava
predicando as sentenças
como há muito não se via.
Onde estavas, ó Deus quando a bala
Atravessou o vento
Retilínea e assassina
Estendendo no mundo
A mais preta das cores?
A doçura daquela mulher
Caída sobre um ombro
Ainda nos assusta e insurge
Encalhada na memória da nação.
Agora enfeitado com cuias e pacurus
Abraçado por arco-íris
Plantado às margens do Anapu
Este mesmo corpo, ó Deus,
Devolve a sacralidade
Às imensas terras da Amazônia
E as tira do esquecimento – por dentro e por fora…
(Aceita este corpo
E cuida com a ternura
Que todos queríamos, ainda que tarde,
Consagrar-lhe num beijo.)