Crônicas Poéticas de Kiev (III) ou Prece do Meio da Guerra
Márcio L’o, Cebi BA
Do meio da guerra
nos dirigimos ao Deus dos Cristãos Ortodoxos
e todos os deuses e deusas que estiverem disponíveis
e convocamos o resto de humanidade que ainda sobrou viva
para fazer uma prece, um clamor, um grito às alturas
Vamos fazer uma prece pelo humano que mata
para que sinta, pense e pare de matar
e pelo humano que morre
para que de junto de Deus
interceda por nós
Essa é a prece de uma família que foge por
uma fronteira polonesa, hungara, eslovaca ou romena…
Prece de quem espera o metrô
de quem foge da morte louca, busca lugar
Prece de quem está dentro de casa
e ouviu explosões de bombas
e viu fumaça preta no céu
Essa é a prece de quem viu os tanques entrando na cidade
de quem teve a vida esmagada por tanques de guerra
Essa é uma prece mariana:
‘Que caiam os tronos dos tiranos
que os tiranos caiam de seus tronos…
Ó Senhora da Paz!’
Essa é a prece do soldado que não quer atirar
mesmo assim atira
Prece de quem teve que lutar, mas não queria
Prece de perto do medo e da loucura
Prece de longe, mas com o coração poeticamente lá
Prece de uma criança ucraniana que olhou, sentiu e balbuciou:
– Pa-a-az…
Não! Por hora, não vamos terminar essa prece com um ‘Amém’
Mas com um ‘Miserere’
– Miserere, Domine!
(Misericórdia, Senhor!)
Ou quem sabe:
– Помилуй, Господи
(Pomyluy, Hospody)
Foto: Ucraniana reza na Praça da Independência em Kiev (By DANIEL LEAL/AFP via Getty Images).