Como no domingo passado, o texto do próximo domingo volta a situar Jesus em relação a João Batista. Ao deixar-se batizar por ele, Jesus aderiu a seu movimento de renovação em Israel. Assim, tornou-se discípulo de João e conviveu com ele por algum tempo. Batista foi um grande mestre para Jesus. Segundo os evangelhos, Jesus foi sendo reconhecido por João como o discípulo que superou o seu mestre. E quando Herodes capturou João e o encarcerou, Jesus passou a assumir a liderança do movimento de renovação em Israel. Sua mensagem dava continuidade à missão de João. João e depois Jesus anunciavam: “Convertei-vos, porque o Reino dos Céus está próximo” (cf. Mt 3,1-2; 4,17).
No Evangelho de João, história e símbolo se misturam. No texto de hoje, o simbolismo consiste, sobretudo, em evocações de textos conhecidos do Antigo Testamento que revelam algo a respeito da identidade de Jesus. Nestes poucos versos (João 1,29-34) existem as seguintes expressões com densidade simbólica: 1) Cordeiro de Deus; 2) Tirar o pecado do mundo; 3) Existia antes de mim; 4) A descida do Espírito sob a imagem de uma pomba; 5) Filho de Deus.
Cordeiro de Deus (João 1,29)
Este título evocava a memória do Êxodo. Na noite da primeira Páscoa, o sangue do Cordeiro Pascal, passado nos umbrais das portas das casas, e a refeição comunitária tinham sido sinais de libertação para o povo (Êxodo 12,1-14). Para os primeiros cristãos, Jesus é o novo Cordeiro Pascal que doa sua vida como servo e liberta o seu povo (1 Coríntios 5,7; 1 Pedro 1,19; Apocalipse 5,6.9).
A partir dessa imagem da primeira Páscoa, Jesus atualiza o Êxodo libertador, promovendo vida, libertando de tudo o que escraviza e oprime. Hoje, tornar-se discípulo deste Cordeiro é segui-lo no caminho da defesa e cuidado da vida.
“Depois de mim, vem um homem que passou adiante de mim” (João 1,30). Para o Batista, Jesus é um homem que o seguia, mas que agora vai além dele.
Tirar o pecado do mundo (João 1,29)
Evoca a frase tão bonita da profecia de Jeremias: “Ninguém mais precisará ensinar seu próximo ou seu irmão dizendo: ‘Procure conhecer a Javé’, porque todos, grandes e pequenos, me conhecerão, pois eu perdoo suas culpas e esqueço seus pecados” (Jeremias 31,34).
Para a comunidade joanina, o pecado do mundo é o sistema que sustenta e justifica preconceitos e ódio, violência e exclusão, imperialismos grandes ou pequenos. Pecado é a ausência de amor e de justiça. Não é por acaso que este evangelho usa muito a palavra mundo: “Se o mundo vos odeia…” (João 15,18). E o mundo que odeia persegue e mata. Este mundo justamente está em pecado porque gera morte. O pecado está em todo o sistema e nas pessoas que diminuem a vida (cf. João 15,18-22). É por isso também que Jesus diz: “Meu Reino não é deste mundo” (João 18,36), isto é, seu reinado não é como este mundo em pecado, mas é alternativo, é de justiça, de amor e de partilha. Por Jesus doar-se ao cuidado da vida na construção de um mundo novo sob o reinado de Deus, ele foi morto pelos poderosos de seu tempo. Da mesma forma, o cordeiro na Páscoa judaica dá a vida como memorial da experiência libertadora com Deus no Êxodo.
Hoje, está em pecado quem adere ao sistema do mundo, tornando-se colaborador de todos os seus males. Está em pecado quem entra na lógica do sistema pecaminoso que calunia e difama as pessoas que se engajam na promoção de um mundo mais justo, isto é, que lutam para eliminar o pecado deste mundo, fortalecidas com a presença do Cordeiro.
Existia antes de mim (João 1,30)
Evoca vários textos dos livros sapienciais, nos quais se fala da Sabedoria de Deus que existia antes de todas as outras criaturas e que estava junto de Deus como mestre-de-obras na criação do universo e que, por fim, foi morar no meio do povo de Deus (Provérbios 8,22-31; Eclesiástico 24,1-11).
Jesus encarna essa Sabedoria divina, geradora de vida desde o início da criação (Gênesis 1). Mas não somente encarna a Palavra criadora. Ele também encarna a Palavra libertadora que “veio armar tenda no meio de nós” (João 1,14), tal como Deus habitara em uma tenda no meio do seu povo na caminhada pelo deserto em busca de vida digna na liberdade (cf. Êxodo 25,8).
Descida do Espírito como imagem de uma pomba (João 1,32)
Evoca a ação criadora onde se diz que “o espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gn 1,2). O texto de Gênesis sugere a imagem de um pássaro que fica esvoaçando em cima do ninho. Imagem da nova criação em andamento através da ação de Jesus.
Toda a vida de Jesus é animada pelo Espírito que o unge para a missão de comunicar a vida e o amor fiel de Deus. Jesus assumia tão intensamente o Espírito do Pai a ponto de se identificar com ele. E seu batismo é no Espírito, isto é, comunica o amor de Deus a quem adere a seu projeto de vida.
Filho de Deus (João 1,34)
Este é o título que resume todos os outros. O melhor comentário deste título é a explicação do próprio Jesus: “As autoridades dos judeus responderam: Não queremos te apedrejar por causa de boas obras, e sim por causa de uma blasfêmia: tu és apenas um homem, e te fazes passar por Deus. Jesus disse: Por acaso, não é na Lei de vocês que está escrito: Eu disse: vocês são deuses? Ninguém pode anular a Escritura. Ora, a Lei chama de deuses as pessoas para as quais a palavra de Deus foi dirigida. O Pai me consagrou e me enviou ao mundo. Por que vocês me acusam de blasfêmia, se eu digo que sou Filho de Deus? Se não faço as obras do meu Pai, vocês não precisam acreditar em mim. Mas se eu as faço, mesmo que vocês não queiram acreditar em mim, acreditem pelo menos em minhas obras. Assim vocês conhecerão, de uma vez por todas, que o Pai está presente em mim, e eu no Pai." (Jo 10,33-39).
Se no início do texto de hoje João afirma a humanidade de Jesus (João 1,30), agora afirma a sua divindade (João 1,34). E, na medida em que vamos assumindo nossa condição de filhas e filhos de Deus, tornamo-nos sempre mais irmãs e irmãos de Jesus. Tornamo-nos também pessoas divinas, como reza o Salmo que Jesus recordou (cf. Salmo 82,6).