"Ter um time de refugiados me fez ver que tem lugar no mundo para nós. Isso representa tudo", diz, em um português simples. Mariama Bah assistiu às lutas nesta quarta-feira (10/08) ao lado de dezenas de refugiados na sede da Cáritas, braço humanitário da Igreja Católica, no bairro do Maracanã.
A jovem, de 26 anos, acompanhou o desempenho dos atletas com nervosismo. Quando Yolande apareceu no tatame, os refugiados comemoraram como se fosse um gol marcado: pularam das cadeiras, gritaram e sacudiram bandeiras da República Democrática do Congo. A luta começou, e as pessoas se sentaram, concentradas. Em pouco tempo, Yolande foi desclassificada e encerrou sua participação na Rio 2016.
Surpresa com o resultado, Mariama chorou, assim como outros no local. Ela disse que se identifica com Yolande, "uma mulher de coração guerreiro". "Eu imagino a responsabilidade, e vi a decepção na cara dela. Mas, para mim, ela já é uma vencedora. Ser refugiado já é um desafio. Ser mulher refugiada é outro", diz Mariama.
Foi justamente por ser mulher que a jovem precisou fugir de seu país. Ela conta que, em sua tribo, é costume forçar as meninas a casar enquanto ainda são crianças. Aos 9 anos de idade, Mariama foi prometida para um homem e retirada da escola. "Aos 13, o matrimônio foi consumado. Aos 14, eu já era mãe", lembra.
Mariama queria voltar a estudar e, com a ajuda das irmãs, conseguiu fugir para o Brasil. Aqui, recebe uma ajuda financeira da Cáritas e está concluindo o ensino médio. Ela planeja fazer faculdade de Medicina. "Eu vi a minha mãe ser médica. Não de diploma, mas quando alguém ficava doente, era ela que cuidava e dava remédio", afirma.
Federação Internacional de Jornalistas denuncia 'jogos políticos' de Temer para desmantelar EBC após Rio 2016
Profissão dos sonhos
A refugiada congolesa Mireille Muluila, de 38 anos, também se emocionou com a derrota de Yolande. Para Mireille, que está no Rio há quase dois anos, essa Olimpíada é um "sinal forte" para os refugiados.
"Dá muita força. E mostra que um refugiado pode mudar de país e continuar na mesma profissão, não precisa fazer o trabalho que ninguém quer. Antes, o Popole estava fazendo uns bicos, mas a luta era a vida dele. Isso é importante", diz ela, que trabalha como tradutora.
Mireille já conhecia Popole, de reuniões de refugiados no Rio. Por isso, ficou ainda mais ansiosa para vê-lo competir nos Jogos. Na primeira luta, Popole venceu, e os refugiados fizeram uma algazarra. Cantaram hinos em outros idiomas, dançaram e se abraçaram.
Orgulho
Já na segunda etapa, o judoca enfrentou o atual campeão mundial e perdeu – mas não sem uma boa luta. Em uma entrevista na televisão, logo após a competição, disse: "Ele é campeão do mundo, mas não conseguiu jogar ippon [golpe que pode encerrar a disputa] comigo, porque eu sou Popole".
A frase, ouvida entre os refugiados, ainda cabisbaixos com a derrota, foi como um golpe de otimismo. "Você é o Popole!", gritou Mireille e outros por ali, como se estivessem respondendo para a televisão. Um dos amigos do atleta, o barbeiro André Michel Kitambala, de 34 anos, comemorou o desempenho.
"Ele ganhou uma e perdeu outra, mostrou sua capacidade de combate", diz André, que também é refugiado e vem da República Democrática do Congo. O barbeiro afirma que mora ao lado do atleta, e que os dois costumam visitar a casa um do outro.
André veio para o Brasil há um ano e meio, fugindo da guerra. Aqui passa por uma série de dificuldades, inclusive financeiras, mas a conquista do amigo lhe encheu de ânimo. "Estou muito feliz, é uma vitória para os refugiados. Dá coragem para todos nós."