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Maria Madalena e as outras [Marias Mercedes Lopes]

Maria Madalena e as outras [Marias  Mercedes Lopes]
Normalmente, quando se pergunta a uma pessoa quem foi Maria Madalena, ela responde quase sem pensar: uma pecadora arrependida. No entanto, nenhum texto dos evangelhos diz que Maria Madalena foi pecadora pública. Que dizem os evangelhos sobre ela?
    
Nos evangelhos, Maria Madalena é a mulher mais citada pelo nome. Além disso, ela aparece sempre realizando funções muito importantes para as origens do Cristianismo:
– Como discípula de Jesus (Lc 8,1-3);
– Como testemunha da sua crucifixão (Mc 15,40-41; Mt 27,55-56; Lc 23,49; Jo 19,25);
– Como testemunha do seu sepultamento (Mc 15,47; Mt 27,61);
– Como testemunha da sua ressurreição (Mc 16,1-8; Mt 28,1-10; Lc 24,1-10; Jo 20,1;20,1 1-8);
– Como enviada aos Onze com uma mensagem de Jesus (Mt 28,10; Jo 20,17-18).
    
Chama a atenção o fato de Maria Madalena ser citada em primeiro lugar em todos estes textos. A única exceção é Jo 19,25, onde a mãe de Jesus aparece em primeiro lugar. A citação de Maria Madalena em primeiro lugar parece indicar sua liderança no grupo das discípulas de Jesus. Além disso, o Evangelho de Marcos deixa claro que ela e suas companheiras eram modelo para as pessoas da comunidade que buscavam seguir Jesus: Elas o seguiam e serviam quando estava na Galileia. E ainda muitas outras que subiram com ele para Jerusalém (Mc 15,40-41). Sabemos que o serviço amoroso é uma das características que marcava a identidade dos discípulos e discípulas de Jesus, segundo a comunidade de João: Vocês devem lavar os pés uns dos outros. Eu lhes dei o exemplo: vocês devem fazer a mesma coisa que eu fiz (Jo 13,14-15). Na comunidade de Marcos, a pessoa mais importante é aquela que se coloca a serviço de todos (Mc 9,35). Então, como foi que transformaram a discípula modelo em pecadora arrependida?

Que horror, ela tinha sete demônios!

Teriam interpretado mal a expressão Maria Madalena, da qual haviam saído sete demônios? (Lc 8,2). Esta expressão, que aparece somente em Lucas e no apêndice de Marcos (Mc 16,9), criou uma série de preconceitos contra Maria Madalena. Mas para o Evangelho de Lucas, a possessão não significa pecado e, sim, doença. O número 7, sempre simbólico, parece indicar a gravidade da situação. Dentro do contexto de Lucas, podemos interpretar que Maria Madalena padecia de uma grave doença nervosa ou psicossomática. No encontro com Jesus, ela recupera a harmonia interior e entra em um processo de crescimento e amadurecimento pessoal, até atingir a plenitude do seu ser na experiência pascal.

Seu gesto era de arrependimento e muito amor

Teriam confundido Maria Madalena com a pecadora anônima que lavou os pés de Jesus com suas lágrimas e os secou com seus cabelos? (Lc 7,36-50). Porém, não há neste texto de Lucas nenhuma relação entre a moça do perfume e Maria Madalena. Segundo o texto de Marcos, que já citamos, Maria Madalena seguia Jesus desde a Galileia. Portanto, ela devia ser conhecida na tradição por seu nome: Maria, e sua procedência: Magdala. A mulher que é apresentada neste texto de Lc 7,37 parece que não pertencia à comunidade dos discípulos e discípulas. É uma mulher marginalizada, anônima, corajosa e decidida, que toma a iniciativa de entrar na casa de Simão, o fariseu, e fazer com Jesus o rito de acolhida que seu anfitrião havia omitido. Rito que era muito importante para as pessoas que percorriam longas distâncias a pé, pelas estradas poeirentas da Palestina.

Quanta confusão!

E a confusão continua, pois aquela mulher anônima do episódio narrado por Lc 7,36-50 passou a ser identificada com as mulheres anônimas que ungiram Jesus para a sepultura (Mc 14,3-9 e Mt 26,6-13). Uma leitura atenta destes textos vai mostrar que os ritos que realizam são diferentes. No texto de Lucas, o próprio narrador trata de esclarecer que se trata de um rito de acolhida e coloca esta explicação no diálogo de Jesus com Simão. Nos Evangelhos de Marcos e de Mateus, o rito está situado no contexto da Páscoa. Marcos faz questão de informar que faltavam apenas dois dias para a Páscoa e os Ázimos (Mc 14,1). Mostra que o contexto era conflitivo, pois a execução de Jesus já estava decidida: os chefes dos sacerdotes e os fariseus apenas procuravam um ardil para matá-lo (Mc 14,1b). É justamente neste contexto que está a unção de Jesus, feita por uma mulher anônima (Mc 14,3-9). O texto de Marcos está muito próximo do texto de João 12,1-8. Tanto Marcos como João nos contam que o perfume derramado pela mulher no corpo de Jesus era nardo puro (Mc 14,3 e Jo 12,3). Marcos nos informa ainda que este episódio da unção para a sepultura se passou em Betânia (Mc 14,3). Tudo isso parece ligar os textos de Marcos, Mateus e João (Mc 14,3-9; Mt 26,6-13 e Jo 12,1-8) e ajuda a compreender a importância desde ritual. Sua protagonista parece ser Maria de Betânia, a irmã de Marta e de Lázaro. O gesto de unção de Jesus para a sepultura é ao mesmo tempo profético e solidário com seu projeto e sua entrega sem limites.

Mulher chorona, de cabelos compridos e perfumados

A imagem de Maria Madalena está ligada a cabelos compridos, perfume e lágrimas. Sabemos que a tradição das lágrimas está relacionada à sua angustiosa busca do corpo de Jesus, naquela madrugada do primeiro dia da semana (Jo 20,1.11-18). Mas perfume e cabelos longos expressam a identificação de Maria Madalena com Maria de Betânia, a irmã de Marta, que segundo o Evangelho de João foi quem ungiu Jesus para o sepultamento (Jo 12,1-8). E aqui vale a pena falar um pouco mais de Maria de Betânia, a discípula que gostava de ficar sentada aos pés de Jesus, escutando-o (Lc 10,39). Discípula amada (Jo 11,5), que consegue encher a casa (comunidade) de perfume (Jo 12,3). Seu gesto amoroso será repetido por Jesus na celebração da Ceia (Jo 13,2-5). Segundo Jesus, em memória dela, seu gesto seria contado onde quer que fosse proclamado o Evangelho (Mc 14,9).

Ela foi investida de autoridade

Maria permaneceu no jardim, procurando Jesus, depois que Pedro e o outro discípulo foram embora. Ela chorava angustiada e confundiu Jesus com o jardineiro. No entanto, ela o reconhece imediatamente quando Jesus a chama pelo nome. Em toda a Bíblia, chamar pelo nome faz parte dos relatos de missão. Às vezes, acontece mudar o nome, para indicar a missão que a pessoa vai realizar. Mas, em Jo 20,16, Jesus a chama pelo nome com que sempre a havia chamado – talvez do mesmo jeito e com o mesmo tom de voz. E provavelmente Maria responde também da maneira como sempre o tratou: Rabuni. Sem pretender ser fundamentalista, quero mostrar como neste relato simbólico se revela a importância da missão de Maria Madalena nas primeiras comunidades cristãs: Maria é chamada pelo nome; reconhece imediatamente a voz de Jesus; chama-o de Mestre em aramaico; depois, é enviada por Jesus com uma mensagem para os outros discípulos. Da maneira como este episódio é descrito, parece um evento de fundação, no qual Maria Madalena foi investida de autoridade.

De onde vem a confusão?

Esta confusão a respeito de Maria Madalena pode ter muitas causas. Uma delas pode ser uma leitura muito rápida dos textos bíblicos, ou mesmo um exemplo da pouca importância que se dá à memória do discipulado das mulheres. Até pode ser que a intenção tenha sido a de buscar na figura de Madalena como uma pecadora arrependida um apelo à conversão, mostrando como todos os pecados podem ser perdoados quando a pessoa se arrepende. No entanto, parece haver urna intenção menos explícita, parecida com estas propagandas que hoje se faz através das novelas. De maneira sutil, a deturpação da figura de Maria Madalena mantém uma velha atitude de suspeita em relação às mulheres, passando a ideia de que sua natureza e seus corpos são espaços perigosos, de possessão demoníaca, identificada com pecado. Os corpos inferiorizados e culpabilizados são mais facilmente submetidos.

Desta maneira, a discípula fiel, que acompanhou Jesus durante sua vida pública, a amiga e companheira que esteve presente na crucifixão e que permaneceu diante do túmulo; aquela que fez a maravilhosa experiência da ressurreição, podendo afirmar com toda a convicção Vi o Senhor!, foi transformada em pecadora arrependida. Mesmo que esta deturpação da figura de Maria Madalena não fosse muito consciente, ela é um desvelamento do medo que o androcentrismo tem de perder o poder. Se a tradição da discípula e apóstola permanecesse, haveria o perigo de que as mulheres descobrissem a sua importância nas origens do Cristianismo e se sentissem animadas a assumir com autoridade, dignidade e pleno direito seus espaços de reflexão, decisão e também no ministério ordenado das igrejas cristãs. Estariam lado a lado com os homens, mantendo a memória fiel de Jesus de Nazaré, fazendo circular o amor pleno e sem medo, exercendo o poder de defender e fortalecer a vida.

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