Bíblia

A realidade do amor (João 12.1-8)

A realidade do amor (João 12.1-8)
Nós ouvimos anteriormente que o único sinal pelo qual se conhece a comunidade cristã, é o amor que emana da ordem de Cristo: Um novo mandamento eu vos dou: que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos tenho amado. Nisso conhecerão todos que sois discípulos meus, em que tiverdes amor uns para com os outros. (João 13, 34 s.)

E hoje ouvimos, como uma explicação a esse mandamento de Jesus, a história de Betânia, da ação de Maria, que em todos os seus traços nos mostra o que é o amor que Jesus quer que seja realidade na sua comunidade. O mandamento do amor não pode ser cumprido como qualquer lei, que só exige a nossa obediência, sem perguntar pelos nossos pensamentos, pelo nosso ser. Amor só pode existir onde ele nasce do centro de toda nossa existência. Não devemos pensar em atos de caridade ou auxílio — esses, qualquer pessoa pode realizá-los, sem que o seu coração deles participe.
 
O mandamento de Jesus não nos ordena em primeiro lugar que nós façamos alguma coisa; amor não é o que nós fazemos, mas o que somos. E de nada nos vale conhecermos e ouvirmos esse mandamento de Jesus, se não estamos prontos a sermos aqueles, a quem Jesus se dirige: seus discípulos; discípulos que o seguem, que nele reconhecem o seu mestre, que ouvem a sua palavra e deixam-se por ela inspirar e guiar, assim que o seu próprio modo de pensar tenha origem na palavra de Jesus. Discípulos de Jesus não querem servir a si mesmos, não procuram o seu próprio interesse, porque eles ouviram e levam consigo a palavra do Senhor: Um é vosso mestre, vós, porém, sois todos irmãos. (Mt. 23,8) Ser discípulo de Jesus significa estar pronto a desistir de seus próprios planos e pensamentos e deixar-se preencher pelas palavras e pensamentos do mestre.

Naquela noite em Betânia estavam com Jesus todos os seus discípulos. E, no entanto, havia um único verdadeiro discípulo, e esse era Maria. Os outros só externamente estavam com Jesus. Tinham ainda os seus próprios pensamentos, davam importância ainda aos seus próprios planos. Por isso estavam longe de seu mestre. E eles mesmos, falando de si naquela situação, dizem que deixaram Jesus sozinho, que não o compreenderam. É com arrependimento que confessam que também eles contribuíram para a sua Paixão pela sua falta de compreensão.

Essa compreensão, porém, está com Maria. Ela não pergunta pelos seus pensamentos nem pelos pensamentos dos outros. Ela simplesmente faz o que o seu coração lhe manda, o coração que pertence ao mestre. Por isso ela tem compreensão; por isso ela, a única, parece saber mais do que todos os outros, porque ela, desde sempre, escolheu, como sabemos da outra história, a parte melhor: estava sentada aos pés do mestre para ouvir as suas palavras. Hoje ela é a ativa. Ela aparece sem a pretensão de fazer alguma coisa extraordinária; modesta, querendo só servir e nada mais; silenciosa ela pratica a sua ação; silenciosa ela ouve a repreensão dos outros; e silenciosa ela ouve o louvor do mestre. Poder-se-ia dizer: ela desaparece no seu silêncio. Ela nada quer ser. Mas justamente nesta singeleza de sua ação está todo o seu sentido. O que ela faz e como o faz, diz mais do que todas as palavras o que ela é: discípula de Jesus que ouviu as suas palavras, que o compreendeu, e que quer amá-lo e servir-lhe, e mostrar-lhe a sua gratidão.

O que sempre nos comove nesta narração é a profunda, a jubilosa gratidão de Jesus para com a ação de Maria. Como Ele a defende! Que importância Ele dá a essa ação tão singela! Que nós também aqui sejamos discípulos de Jesus e aprendamos dele a considerar uma ação não somente pela sua utilidade. Em geral nós somos tão materialistas como os discípulos naquela noite: quando não compreendemos a utilidade de uma ação, logo nos julgamos competentes para condená-la. Utilidade, aquela ação de Maria não tinha nenhuma. Ela foi um desperdício, foi dinheiro posto fora; nisso os discípulos tinham razão. Mas Jesus não pergunta pela utilidade. Jesus pergunta pelo motivo de nossas ações. E Ele vê como único motivo da ação de Maria o seu profundo amor, a gratidão que tem a sua origem na fé. Ele vê um coração humano que quer estar perto e que lhe mostra isso agora, neste momento, em que começa a sua maior solidão.

Nós ouvimos o mandamento de Jesus. E vemos nesta história de hoje a realidade deste mandamento. Deixemos, também nós, levar-nos para esta realidade. Não vejamos mais os outros com os nossos olhos, mas com os olhos do Senhor! E não condenemos logo uma ação que nós não compreendemos; pode ser que para o Senhor ela seja de imenso valor! Mas vejamos, antes de tudo, que nós mesmos sejamos discípulos de Jesus, não perguntando mais em tudo que fazemos: Quanto ganho eu com isso? Jesus olha somente para o motivo das nossas ações. E a sua defesa tem a ação motivada pelo amor. Quando o Senhor sofreu sob o nosso pecado, Ele sofreu também sob a dureza e o egoísmo do nosso coração. Ele sofreu sob os discípulos que se negam ao mestre, que estão cheios de planos e de atividades, e que se esquecem do coração que só pode viver do amor. Se um fato nos deve humilhar e envergonhar, então o é aquele olhar do Senhor para os seus discípulos que tão bem sabem combinar a caridade com a utilidade — podia-se dar o dinheiro aos pobres, o dinheiro de Maria — mas que não percebem que para Jesus essa ação de Maria vale muito mais do que todo o dinheiro do mundo. Compreensão e amor não têm nada a ver com dinheiro.

Jesus não repreende os seus discípulos. Procura somente abrir seus olhos cegos: Pobres sempre tendes convosco. A mim não me haveis de ter sempre. É num pedido: Olhai melhor, antes de julgar! Considerai mais profundamente, antes de vos deixar levar pelo vosso modo de pensar! Sede vós mesmos discípulos, antes de criticar o cristianismo de outros! É o Salvador que está também diante de nós, que, negado e ofendido por nós diariamente, ainda nos pede em sua bondade e misericórdia sem igual: Deixai-vos reconciliar com Deus! Eu não vos deixo nos vossos pensamentos, não vos deixo nos caminhos por vós mesmos escolhidos, mas venho e quero levar-vos para o meu caminho, o caminho do amor e da compreensão, no qual vos amareis uns aos outros, assim como eu vos tenho amado.

*Por Dr. Ernesto Th. Schlieper

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