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“O Espírito do Senhor me ungiu para anunciar a boa-nova aos pobres”

Leia a reflexão do evangelho para próximo domingo. O texto fala sobre Lucas 1,1-4; 4,16-21, e o comentário pertence ao biblista popular e assessor do CEBI, Ildo Bohn Gass.

Boa leitura!

O evangelho para a liturgia deste domingo inicia com o prólogo da obra de Lucas (1,1-4). Sua intenção fundamental é apresentar a prática de Jesus como fato histórico testemunhado por seus seguidores e suas seguidoras. O destinatário é “Teófilo”, o que significa “amigo de Deus”. Teófilo é toda a pessoa ou comunidade que vier a ler e a viver este evangelho, tornando-se sempre mais amigo e amiga de Deus. Portanto, hoje, “Teófilo” somos nós.

Movido pelo Espírito de Deus…

Na sequência, o evangelho deste domingo apresenta um resumo da prática de Jesus de Nazaré (Lucas 4,14-15). Ele vivia em meio a seu povo, participando de sua vida de fé. Ensinava nas sinagogas da Galileia, na periferia da Palestina. Toda sua missão é movida pelo dinamismo do Espírito (Lucas 3,22; 4,1.14.18). Para as comunidades de Lucas, a ação de Jesus é inseparável do Espírito profético, o Espírito de Deus. Convém que tenhamos presente que, em Lucas, a força do Espírito do Senhor também conduziu João Batista e Maria, Isabel e Zacarias, Simeão e Ana (Lucas 1,15.35.41.67; 2,25-27.36).

Apresentando a missão de Jesus dinamizada pela força do Espírito, a comunidade lucana nos desafia a que também nós abramos nosso coração ao Espírito Santo e nos coloquemos a seu serviço, a serviço da libertação de todas as formas de opressão, promovendo a vida.

… para libertar os pobres…

A narrativa a respeito da leitura de trechos do profeta Isaías feita por Jesus na sinagoga de Nazaré (Lucas 4,16-21) insere-se numa narrativa mais ampla, pois, na sequência, Lucas descreve a reação diante do anúncio desse evangelho (boa notícia) aos pobres. Uns aprovam. Outros têm dúvidas (Lucas 4,22-23). E há quem rejeita o projeto de salvação para os mais desamparados (Lucas 4,23-30). O que não é possível é ficar indiferente. A boa notícia para uns é uma má notícia para quem deseja continuar vivendo à custa dos pobres. Essa é a razão por que se enfureceram, o expulsaram e queriam precipitá-lo do cimo da colina (Lucas 4,28-29). Como ontem, ainda hoje se repete a mesma situação. Qualquer pessoa que assume a promoção dos mais pobres, de modo que possam ter pelo menos três refeições por dia e viver com dignidade, continua sendo caluniada e perseguida, injustamente condenada e presa. Tudo isso, a serviço dos donos do poder econômico. E os serviçais comprometidos com esse poder são a grande mídia, setores de igrejas, boa parte dos políticos, dos procuradores, dos juízes e dos generais. Não é por acaso que Jesus vê motivo de alegria na perseguição por causa da justiça (Mateus 5,10-12).

Em Lucas 4,16-21, temos a apresentação do projeto de Jesus num dia de sábado na sinagoga de Nazaré, sua terra natal. É o projeto do reinado Deus. Na sinagoga, era costume rezar alguns Salmos, ler e comentar um trecho de algum livro da lei (Pentateuco) e outro de algum livro profético. Jesus escolhe três fragmentos do livro de Isaías para anunciar o coração do projeto de Deus.

“O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me ungiu para anunciar a boa notícia aos pobres: enviou-me para proclamar a libertação aos presos (Isaías 61,1) e, aos cegos, a recuperação da vista (Isaías 35,5); para dar liberdade aos oprimidos (Isaías 58,6) e proclamar um ano de graça do Senhor” (Isaías 61,2).

Essa missão libertadora vem do Deus da vida, pois é conferida a Jesus pelo próprio Espírito do Senhor, por quem já fora ungido como o messias por ocasião do seu batismo, que é o sinal de sua adesão plena ao projeto do Pai (Lucas 3,22).

A missão do messias libertador é de esperança de vida digna, certamente para todas as pessoas, mas especialmente para quem está excluído da cidadania. Em quatro afirmações, Jesus faz memória da profecia de Isaías para descrever em que consiste a sua missão de “anunciar uma boa notícia aos pobres”.

  1. Primeiro, “anunciar uma boa notícia aos pobres” é “proclamar a libertação aos presos”. Por um lado, é a libertação de quem sobrevive em condições subumanas nos presídios, onde a grande maioria está em consequência dessa sociedade desigual, injusta e de exclusão. E, no tempo de Jesus, a maioria das pessoas que se encontrava nos presídios era por motivos políticos, eram reféns do Estado, pois resistiam contra a opressão e a violência do império romano. Por outro lado, a proposta de Jesus é libertar-nos de todas as formas de prisão, de tudo aquilo que nos impede de sermos nós mesmos, de sermos livres, sem deixar-nos guiar pelo egoísmo ou por vícios, pelo individualismo ou pela ganância, pelo consumismo ou pela ambição, pelo ódio ou pela intolerância, etc. Senhor, liberta-nos de tudo o que nos aprisiona e impede de sermos radicalmente livres.
  2. Em segundo lugar, “anunciar uma boa notícia aos pobres” é levar “aos cegos a recuperação da vista”. É, sim, curar a cegueira física, mas é muito mais. É também curar a nossa ‘cegueira’ quando não enxergamos a realidade por estarmos com a visão embaciada ou com ‘viseiras’ que impedem vermos a realidade em toda a sua amplitude. É curar a nossa ‘cegueira’ quando não vemos com nossos próprios olhos, quando não pensamos com nossa própria mente, quando não escutamos com nossos próprios ouvidos e, por isso mesmo, não dizemos nossa própria palavra, mas reproduzimos as ideias do pensamento dominante na sociedade. Senhor, recupera as nossas vistas. Dá-nos forças para alcançarmos clareza em nossas mentes e corações, a fim de ampliar o nosso discernimento conduzido por teu Espírito.
  3. Em terceiro lugar, “anunciar uma boa notícia aos pobres” também é “dar liberdade aos oprimidos”, seja diante da opressão social, mental, econômica, psicológica, política, afetiva ou religiosa. Senhor, que teu amor mova nossos desejos, possibilitando-nos a graça de sermos pessoas próximas de quem vive na opressão.
  4. Por fim, “anunciar uma boa notícia aos pobres” é “proclamar um ano de graça do Senhor”. Anunciar o ano de graça do Senhor é proclamar o ano jubilar que fazia parte da tradição do Antigo Israel. Nos livros do Deuteronômio e do Levítico fala-se desse jubileu. Primeiro, era uma reforma feita a cada sete anos (Deuteronômio 15,1-18). Mais tarde, passou para cada 50 anos (Levítico 25,8-55). Era o ano do perdão das dívidas que, muitas vezes, levavam à perda da terra, das casas e da própria liberdade. Por isso, ao anunciar o ano jubilar, além do perdão das dívidas, o Espírito do Senhor move Jesus para anunciar vida plena, o que também inclui terra para quem está sem terra, moradia para quem está sem teto e liberdade para quem sofre trabalho escravo.

… ontem e hoje

No passado, o Espírito animava a profecia na proclamação da boa notícia da libertação para os pobres (Isaías 61,1). Fiel à missão que o Espírito lhe confiara no batismo (Lucas 3,22), Jesus atualiza essa profecia, igualmente movido pela força do Espírito (Lucas 4,18). É por isso que diz: “Hoje, se cumpriu aos vossos ouvidos essa passagem da Escritura” (Lucas 4,21).

No nosso batismo, também somos ungidos pelo mesmo Espírito Santo e assumimos o mesmo projeto de Jesus. Por isso, podemos dizer com ele que, em nós, “hoje, se cumpriu aos vossos ouvidos essa passagem da Escritura”. Que a graça de Deus nos ajude a colocar-nos no mesmo caminho da profecia, no caminho do Espírito do Senhor.

Texto partilhado pelo autor. Ildo Bohn Gass é biblista popular, assessor bíblico e autor de livros sobre teologia. Clique aqui e conheça os livros do autor publicados pelo CEBI.

 

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