Conversemos sobre o episódio do dia de Pentecostes, a vinda do Espírito Santo sobre a comunidade reunida em Jerusalém. Que a mesma “ventania” possa sacudir nossas mentes e nossos corações!
1. Por que tanta gente em Jerusalém?
Todo judeu gostava de ir pelo menos uma vez por mês à capital do País, onde ficava o Templo, centro religioso da vida do povo. Três datas eram preferidas para essas grandes romarias: a Festa das Tendas, na qual os judeus ficavam uma semana em Jerusalém morando em cabanas para relembrar a época em que o povo morou no deserto (Lv 23, 42-43); a Festa da Páscoa, que relembrava a noite da saída e a “passagem” do Mar Vermelho (Ex 12 e 15); e a Festa de Pentecostes, celebrada 50 dias depois da Páscoa. Nesta última, eram apresentados no templo os primeiros frutos da colheita e também festejado o recebimento das tábuas da Lei (Ex 34,22). Um bom resumo sobre essas três festas pode ser encontrado em Dt 16.
Acontece que muitos judeus aos poucos foram se espalhando pelo mundo e seus descendentes, apesar de preservarem o costume de ir sempre a Jerusalém, já não sabiam mais falar o hebraico, a língua os antepassados; e nem o aramaico, um dialeto muito comum na época de Jesus.
As seguidoras e os seguidores de Jesus, que estavam em Jerusalém por ocasião da festa, misturavam-se então a milhares de “romeiros”, para uma festa que tinha em comum a tradição e a história do povo, mas não a mesma língua.
2. Dois projetos: Babel ou Pentecostes
Não temos como saber ao certo o que aconteceu naquele Pentecostes. O texto nos foi escrito muito tempo depois. Mas de uma coisa temos certeza: Lucas foi inspirar-se no relato da Torre de Babel, que está em Gn 11,1-9. Talvez para dizer às comunidades que estava na hora de escolher entre dois projetos: um projeto de dominação que impunha a todos os povos a mesma língua, ou um projeto que respeitasse as diferenças culturais de cada povo.
Em Babel, duas coisas chamam a atenção: o fato de todos falarem a mesma língua; e a vontade de construírem um uma cidade e uma torre para a edificação do próprio nome. Ora, cidade e torre são, naquela época, termos militares: as cidades eram fortalezas, sempre vigiadas por um torre muito alta, servindo de morada aos generais e aos reis. Estes, sempre que conseguiam, obrigavam todos os povos dominados a falar a sua língua e cultuar os seus deuses. Era o total desrespeito para com a cultura de cada povo.
Serve de comparação o tipo de colonização praticado pelos portugueses aqui no Brasil: quando aqui chegaram, nossos povos falavam mais de 150 línguas diferentes. Em pouco tempo, o português tornou-se a língua oficial, pois era a língua do dominador.
Será essa a vontade de Deus? Com certeza não, afirma a historinha de Babel. Por isso Deus desceu para confundir esse projeto opressor, permitindo que os povos se espalhem sobre a terra (Gn 11,7-8). Não há razões honestas para se impor apenas uma língua, um único jeito de ser, uma única maneira de se viver a fé!
3. Ouvindo as maravilhas de Deus em nossa própria língua!
Sabemos que o livro dos Atos foi escrito por volta dos anos 80, época em que o Império Romano continuava querendo impor ao mundo a sua religião e a sua cultura. A comunidade então diz: o rei da Babilônia (=Babel) já tinha tentado isso, e Deus não permitiu. Nós precisamos fazer outra escolha: romper com o projeto do Império e fazer opção pelo projeto de Jesus, que respeita as diferenças de cada pessoa, de cada grupo. Não é preciso que todos sejam circuncidados, por exemplo, para aderir a Jesus (At 15). Numa linguagem de hoje, não é privilégio dos católicos ou mesmo dos cristãos, ter em si a graça do Espírito Santo para contribuir na construção do Reino. Enquanto Pedro estava discutindo se Cornélio podia ou não ser batizado, o Espírito Santo já estava nele e ele louvava e agradecia a Deus (At 10, 44-48).
E aqui está o sentido maior do que aconteceu em Pentecostes: não se impôs a ninguém uma língua ou uma cultura (pensemos no que desejam fazer na atualidade os norte-americanos!). Ao contrário, “cada pessoa ouvia em sua própria língua o anúncio das maravilhas de Deus (At 2,11).
4. Ninguém pára esse vento passando…
“O vento sopra onde quer”, afirmou Jesus ao conversar com Nicodemos (Jo 3,8). É difícil para nós, mas se queremos viver de fato Pentecostes, precisamos parar de querer aprisionar o Espírito Santo na nossa gaiola. Precisamos parar de achar que Ele está apenas conosco, que fala apenas a nossa língua. A Igreja pertence ao Espírito Santo, e não o contrário!
Uma leitura mais atenta do livro dos dois primeiros capítulos dos Atos pode nos dar boas pistas. Pois já no dia de Pentecostes, Ele não veio apenas sobre os Doze. Várias mulheres estavam também reunidas (At 1,14). E “mais ou menos 120 irmãos” já haviam participado na substituição de Judas (At 1,15) Todos eles e todas elas achavam-se reunidos quando sobrou a “divina ventania” (At 2,1-2). E todos eles e todas elas ficaram repletos do Espírito Santo (At 2,3)!
É o Divino Espírito que escolhe onde e com quem deve estar. E jamais será propriedade de um pequeno grupo, pois assim ele deixaria de ser Deus! Ao invés de querer aprisioná-lo, impondo a nossa língua e nosso jeito de ser, lancemo-nos nas suas asas, deixemos que esse Vento nos carregue e nos conduza!