Reflexão do evangelho de Lc 10,25-37, por Frei Carlos Mesters e Mercedes Lopes*
O texto que Lucas nos convida a refletir nesse próximo domingo, fala do Bom Samaritano. Naquele tempo, havia muito preconceito contra os samaritanos. Eles eram mal vistos. Dizia-se deles que tinham uma doutrina errada e que não faziam parte do povo de Deus. Alguns diziam que ser samaritano era coisa do diabo. Mesmo assim, Jesus coloca os samaritanos como exemplo e modelo para os outros. Acompanhe!
1. Situando
Ao descrever a longa viagem de Jesus a Jerusalém, Lucas ajuda as comunidades a entender melhor em que consiste a Boa Nova do Reino. Ele faz isto apresentando pessoas que vêm falar com Jesus e lhe fazem perguntas. São perguntas reais do povo do tempo de Jesus e são também perguntas reais das comunidades do tempo de Lucas. Por exemplo, no texto de hoje, um doutor da Lei pergunta: “O que devo fazer para obter a vida eterna?” A resposta, tanto do doutor como de Jesus, ajuda a entender melhor o objetivo da Lei de Deus. Lendo o Evangelho de Lucas, as comunidades devem ter dito muitas vezes o mesmo que nós dizemos quando lemos o evangelho: “É que nem hoje!”
O texto traz a tão conhecida parábola do Bom Samaritano. Toda vez que Jesus tem uma coisa importante para comunicar, ele conta uma história, faz uma parábola, uma comparação, para ajudar as pessoas a pensar e a descobrir a mensagem. Meditar uma parábola é o mesmo que aprofundar a vida, a fim de descobrir dentro dela os apelos de Deus.
2. Comentando
Lucas 10,25-26: “O que devo fazer para herdar a vida eterna?”
Um doutor, conhecedor da lei, quer provocar Jesus e pergunta: “O que devo fazer para herdar a vida eterna?” O doutor acha que deve fazer algo para poder herdar. Ele quer garantir a herança pelo seu próprio esforço. Mas uma herança não se merece. Herança a gente recebe, pelo fato de ser filho ou filha. Como filhos e filhas não podemos fazer nada para merecer a herança. Podemos é perdê-la!
Lucas 10,27-28: A resposta do doutor
Jesus responde com uma nova pergunta: “O que diz a lei?” O doutor responde corretamente. Juntando duas frases da Lei, ele diz: “Amar a Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, com toda a tua força e com todo o teu entendimento e ao próximo como a ti mesmo!” A frase vem do Deuteronômio e do Levítico. Jesus aprova a resposta e diz: “Faz isto e viverás!” O importante, o principal, é amar a Deus! Mas Deus vem até mim no próximo. O próximo é a revelação de Deus para mim. Por isso, devo amar também o próximo de todo o coração, de toda a alma, com toda a força e com todo o entendimento!
Lucas 10,29: “E quem é o meu próximo?”
Querendo justificar-se, o doutor pergunta: “E quem é o meu próximo?” Ele quer saber: “Em que próximo Deus vem até mim?” Ou seja, qual é a pessoa humana próxima de mim que é revelação de Deus para mim? Para os judeus, a expressão próxima estava ligada ao clã. Quem não era do clã, não era próximo. A proximidade era baseada nos laços de raça e de sangue. Jesus tem outra maneira de ver. Ele conta a parábola do Bom Samaritano para nos comunicar este seu novo modo de ver o próximo. Vejamos:
Lucas 10,30-36: A parábola
a) Lucas 10,30: O assalto na estrada de Jerusalém para Jericó
Entre Jerusalém e Jericó encontra-se o deserto de Judá, refúgio de marginais e assaltantes. Jesus conta um caso real que deve ter acontecido muitas vezes. “Um homem ia descendo de Jerusalém a Jericó e caiu na mão de assaltantes, que lhe arrancaram tudo e o espancaram. Depois foram embora, e o deixaram quase morto”.
b) Lucas 10,31-32: Passagem de um sacerdote e de um levita
Casualmente, passa um sacerdote e, em seguida, um levita. São funcionários do Templo, da religião oficial. Os dois viram o assaltado, mas passaram adiante. Não fizeram nada. Por que não fizeram nada? Jesus não o diz. Ele deixa você supor ou se identificar. Deve ter acontecido muitas vezes, tanto no tempo de Jesus como no tempo de Lucas e hoje, uma pessoa de igreja passar perto de um pobre sem dar-lhe ajuda. Pode até ser que os dois tenham tido a justificativa: “Ele não é meu próximo!” ou “Ele está impuro e, se eu tocar nele, ficarei impuro também!” Ou: “Se eu ajudar, perco a missa do domingo e faço pecado mortal!”
c) Lucas 10,33-35: Passagem de um samaritano
Em seguida, chega um samaritano em viagem. Ele vê, move-se de compaixão, aproxima-se, cuida das chagas, coloca o homem no seu próprio animal, leva-o até a hospedaria, cuida dele durante a noite e, no dia seguinte, dá ao dono da hospedaria o salário de dois dias dizendo: “Cuida dele e o que gastares a mais no meu regresso te pago!” É ação concreta e eficiente. É ação progressiva: chegar, ver, mover-se de compaixão, aproximar-se e partir para a ação. Não é sem motivo que a parábola diz “um samaritano em viagem”. Jesus também estava em viagem. Jesus é o bom samaritano. As comunidades devem ser o bom samaritano.
Lucas 10,36-37: Quem dos três foi o próximo do homem assaltado?
No início, o doutor tinha perguntado: “Quem é o meu próximo?” Por trás da pergunta estava a preocupação consigo mesmo. Ele queria saber: “A quem Deus me manda amar, para que eu possa ter a consciência em paz e dizer: Fiz tudo que Deus pede de mim?” No fim, Jesus traz outra pergunta: “Quem dos três foi o próximo do homem assaltado?” A condição de próximo não depende da raça, do parentesco, da simpatia, da vizinhança ou da religião. A humanidade não está dividida em próximos e não-próximos. Para você saber quem é o seu próximo, isto depende de você chegar, ver, mover-se de compaixão e se aproximar. Se você se aproximar, o outro será o seu próximo! Depende de você e não do outro! Jesus inverteu tudo e tirou a segurança que a observância da lei poderia dar ao doutor.
3. Alargando
1. A raiz da solidariedade. Jesus disse que os dois mandamentos do amor a Deus e do amor ao próximo são o resumo de toda a lei e dos profetas (Mt 22,40). De fato, se Deus é Pai, todos nós temos que ser irmão e irmã uns dos outros. Aí, já não é possível amar a Deus sem amar o próximo. Deus vem a nós no próximo. Jesus não só ensinava que Deus é Pai de todos, mas ele se colocava do lado daqueles que, em nome da lei de Deus, eram excluídos da participação na comunidade. Ele os acolhia na sua comunidade. Jesus era a encarnação daquilo que ensinava, e os pobres o percebiam e se alegravam.
2. A palavra “samaritano” vem de Samaria, capital do reino de Israel no Norte. Depois da morte de Salomão, em 931 antes de Cristo, as dez tribos do Norte se separaram do reino de Judá no Sul e formaram um reino independente (1Rs 12,1-33). O Reino do Norte sobreviveu durante uns 200 anos. Em 722, o seu território foi invadido pela Assíria. Grande parte da sua população foi deportada (2Rs 17,5-6) e gente de outros povos foi trazida para Samaria (2Rs 17,24). Houve mistura de raça e de religião (2Rs 17,25-33). Desta mistura nasceram os samaritanos. Os judeus do Sul desprezavam os samaritanos como infiéis e adoradores de falsos deuses (2Rs 17,34-41). Chegaram ao ponto de dizer que ser samaritano era coisa do diabo (Jo 8,48). Muito provavelmente, a causa deste ódio não eram só a raça e a religião. Era também um problema político-econômico, ligado à posse da terra. Esta rivalidade perdurava até o tempo de Jesus.
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Texto extraído do livro O aveso é o lado certo – Círculos Bíblicos sobre o Evangelho de Lucas, de Carlos Mesters e Mercedes Lopes. Informações: [email protected]