por Carlos Mesters e Mercedes Lopes*
Jesus voltou para casa. O domicílio dele agora é em Cafarnaum. Já não mora mais com a família em Nazaré. Sabendo que Jesus estava em casa, o povo foi ate lá. Juntou tanta gente que ele nem tinha tempo para comer. Quando os parentes de Jesus souberam disso, disseram: “Ficou louco!” Talvez, porque Jesus tinha saído fora do comportamento normal. Talvez, porque comprometia o nome da família. Seja como for, os parentes decidem levá-lo de volta para Nazaré. Sinal de que o relacionamento de Jesus com a sua família estava estremecido.
Isto deve ter sido fonte de muito sofrimento, tanto para ele como para Maria, sua mãe. Mais adiante (Mc 3,31-35) Marcos conta como foi o encontro dos parentes com Jesus. Eles chegaram na casa onde Jesus estava. Provavelmente tinham vindo de Nazaré. De lá até Cafarnaum são uns 40 quilômetros. Sua mãe veio junto. Eles não podiam entrar na casa, porque havia gente demais na entrada. Por isso mandaram um recado: Tua mãe, teus irmãos e tuas irmãs estão lá fora e te procuram! A reação de Jesus foi firme perguntando: Quem é minha mãe, quem são meus irmãos? E ele mesmo responde apontando para a multidão que estava ao redor: Eis aqui minha mãe e meus irmãos! Pois todo aquele que faz a vontade de Deus é meu irmão, minha irmã, minha mãe! Alargou a família! Jesus não permite que a família o afaste da missão.
A situação da família no tempo de Jesus
No antigo Israel, o clã, isto é, a grande família (a comunidade), era a base da convivência social. Era a proteção das pequenas famílias e das pessoas, a garantia da posse da terra, o veículo principal da tradição, a defesa da identidade. Era a maneira concreta do povo daquela época encarnar o amor de Deus no amor ao próximo. Defender o clã, a comunidade, era o mesmo que defender a Aliança. Na Galiléia do tempo de Jesus, por causa do sistema romano, implantado durante os longos governos de Herodes Magno (37 a.C. a 4 a.C.) e de seu filho Herodes Antipas (4 a.C. a 39 d.C.), tudo isto já não existia mais, ou cada vez menos. O clã (comunidade) estava enfraquecendo. Os impostos a serem pagos tanto ao governo como ao templo, o endividamento crescente, a mentalidade individualista da ideologia helenista, as frequentes ameaças de repressão violenta por parte dos romanos, a obrigação de acolher os soldados e dar-lhes hospedagem, os problemas cada vez maiores de sobrevivência, tudo isto levava as famílias a se fecharem sobre si mesmas e dentro das suas próprias necessidades. Já não se praticava mais a hospitalidade, a partilha, a comunhão de mesa e a acolhida aos excluídos. Este fechamento era reforçado pela religião da época. A observância das normas de pureza era fator de marginalização de muita gente: mulheres, crianças, samaritanos, estrangeiros, leprosos, possessos, publicanos, doentes, mutilados, paraplégicos. Em vez de acolhida, partilha e comunhão, estas normas favoreciam a separação e a exclusão.
Assim, tanto a conjuntura política, social e econômica como a ideologia religiosa da época, tudo conspirava para o enfraquecimento dos valores centrais do clã, da comunidade. Ora, para que o Reino de Deus pudesse manifestar-se, novamente, na convivência comunitária do povo, as pessoas tinham de ultrapassar os limites estreitos da pequena família e abrir-se de novo para a grande família, para a Comunidade.
Jesus deu o exemplo. Quando seus parentes chegaram em Cafarnaum e tentaram apoderar-se dele para levá-lo de volta para casa, ele reagiu. Em vez de fechar-se na sua pequena família, ele alargou a família (Mc 3,33-35). Criou comunidade. Ele pedia o mesmo de todos que queriam segui-lo. As famílias não podiam fechar-se. Os excluídos e os marginalizados deviam ser acolhidos, novamente, dentro da convivência e, assim, sentir-se acolhidos por Deus (cf Lc 14,12-14).
Este era o caminho para realizar o objetivo da Lei que dizia: “Entre vocês não pode haver pobres” (Dt 15,4). Como os grandes profetas do passado, Jesus procura reforçar a vida comunitária nas aldeias da Galiléia. Ele retoma o sentido profundo do clã, da família, da comunidade, como expressão da encarnação do amor de Deus no amor ao próximo.
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Texto extraído do livro “Caminhando com Jesus”, da série A Palavra na vida 182/183. De Carlos Mesters e Mercedes Lopes.
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