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Os muitos caminhos de Deus

O mundo atual é marcado pela convivência entre diversas culturas e pelo direito à diversidade cultural. Por isso, também um dos maiores desafios é a convivência e colaboração entre diferentes religiões. Há grande número de pessoas da fé muçulmana na Índia, há crentes do Hinduísmo nos países árabes, cristãos e cristãs na China, assim como comunidades que seguem o Taoísmo no Brasil. Infelizmente, o fanatismo religioso e o fundamentalismo ainda provocam intolerância e preconceito entre religiões diferentes.

No Rio de Janeiro, em pleno século XXI, Mãe Gilda, sacerdotisa do Candomblé, viu o seu templo ser invadido por pessoas de uma Igreja neopentecostal que invadiram o lugar, destruíram os assentamentos dos Orixás e publicaram calúnias e acusações falsas contra a Mãe Gilda. Ao ver isso, aquela senhora idosa teve um infarto e faleceu. Em 2007, o presidente Lula determinou que, a cada ano, em todo o Brasil, o 21 de janeiro seja celebrado como o “Dia Nacional contra a Intolerância Religiosa”.

Não basta uma lei ou decreto para vencer a intolerância cultural e religiosa. É preciso que as pessoas se convençam de que a verdadeira fé não se coaduna com a intolerância e o desamor. A fé é um processo permanente de abertura interior para descobrir no outro ser humano e na natureza a presença divina. Foi isso que Jesus ensinou no evangelho e que, cinco séculos antes, Buda havia pregado em seus sermões. É isso que ensinam todas as grandes religiões da humanidade.

Não se deve confundir a verdade com uma forma cultural de expressá-la. É isso que provoca conflitos e até guerras em nome de Deus. Em 1965, em um dos seus mais belos documentos, (a declaração Nostra Aetate), o Concílio Vaticano II proclamava o valor das outras religiões e incentivava os católicos do mundo inteiro ao respeito ao diferente e ao diálogo. Também, em 1961, o Conselho Mundial de Igrejas, que reúne mais de 340 confissões cristãs, pediu às Igrejas-membros uma atitude de respeito e diálogo com todas as culturas e colaboração com outras tradições religiosas.

Atualmente, a diversidade religiosa no mundo é, não somente um fato atual que, queiramos ou não, se impõe à humanidade. Ela se constitui como graça divina e bênção para as tradições religiosas que, assim, podem se complementar e mutuamente se enriquecer. Para que esse diálogo seja verdadeiro e profundo, cada grupo religioso tem de reconhecer o elemento de verdade que existe no outro.

Em 1994, no Vaticano, a Congregação da Doutrina da Fé e a Comissão Pontifícia para o Diálogo Inter-religioso publicaram um documento em comum chamado “Diálogo e Anúncio”. Esse documento ensina que os cristãos valorizam todas as outras religiões porque creem que todas contêm verdades reveladas por Deus. Assim, nós nos tornamos melhores cristãos à medida que nos abrimos ao que Deus nos revela, não somente na Bíblia e em nossa tradição, mas também ao que ele quer nos dizer através das outras religiões. Isso em nada diminui o valor próprio da nossa fé. Ao contrário, a enriquece. Abrir-nos a outras religiões não significa aderir a elas. Somos chamados a, como cristãos, sermos testemunhas do amor universal de Jesus que “veio a todo ser humano que vive nesse mundo”. No evangelho, na hora de se despedir dos discípulos, Jesus afirmou: “Na casa do meu Pai, há muitas moradas”. Ele não disse que, no céu, há muitas casas preparadas para nós, quando morrermos. O sentido profundo da palavra de Jesus é que “a casa do Pai” é esse mundo mesmo e as muitas moradas de Deus são as diversas formas de caminhar para o seu reino. Ele peregrina conosco. As religiões são tendas armadas no caminho para nos ajudar a avançar em sua direção.

No Brasil, até hoje, as religiões de matriz africana e as expressões de espiritualidade indígena continuam sendo discriminadas. A quase cada dia, acontecem ataques e perseguições a templos e comunidades de Candomblé e Umbanda, assim como a casas de rezas dos povos originários. Esses atos atentam contra a Constituição que define o Brasil como país laico e que respeita todas as religiões.

Para quem tem fé cristã, ainda é mais triste e vergonhoso saber que as comunidades religiosas de matriz africana e de espiritualidades originárias são atacadas por pessoas e grupos que se dizem cristãos. A partir da fé cristã e da espiritualidade bíblica, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) tem desenvolvido programas e campanhas de solidariedade às comunidades e casas de culto, vítimas desses ataques fanáticos e odientos. Unamo-nos a essa campanha de amor e solidariedade. Em nome de Jesus, há pessoas e grupos que atacam comunidades de outras religiões e destroem seus lugares de culto. Em nome de Jesus, vamos reconstruir e apoiar os irmãos e irmãs de todas as religiões. Se Deus existe só pode ser Amor incondicional. O Evangelho de Jesus é boa notícia de amor e de respeito universal. Não pode ser usado como instrumento de ódio e de violência.

Irmão Marcelo Barros

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