Hoje nos reunimos para celebrar a Aliança nova de Deus conosco. A mesa está pronta, e há lugar para todos, inclusive para pecadores como nós, porque a misericórdia de Deus é eterna e incondicional. O próprio Jesus de Nazaré nos diz que preparou e desejou ardentemente celebrar este momento conosco (cf. Lc 22,15). E não recusamos o convite porque intuímos que não temos outra honra senão essa de trazer em nossos sonhos, projetos, ações e relacionamentos as marcas da cruz de Cristo, do seu amor compassivo e sem fronteiras.
Na mesa que reúne pessoas que desejam ardentemente viver uma fraternidade sem fronteiras recordamos coisas maravilhosas e animadoras. Esta celebração é um memorial dos inúmeros êxodos e travessias que percorremos: travessias de um eu fechado em si mesmo para uma comunidade aberta e solidária; de uma mesa grande e vazia para uma mesa farta e partilhada; de projetos estreitos e ancorados no sucesso pessoal para utopias coletivas; de velhas lições de morrer pela pátria e viver sem razões à nova lição de uma fraternidade sem fronteiras.
Nossas ceias eucarísticas são memória de Jesus e dos discípulos que compartilham suor e sangue, vinho e pão. A eucaristia é alimento para quem está na estrada, e não privilegio de quem se sente perfeito. Sentamos à mesa e celebramos esta refeição prontos a empreender travessias mais que urgentes e necessárias: com cintos que diminuem os embaraços; com sandálias que agilizam os passos; com cajados com os quais defendemo-nos e apoiamo-nos nos vales escuros.
No centro desta magnífica refeição está um corpo humano feito inteiramente dom. Jesus Cristo oferece a totalidade concreta da sua vida como ceia, partilha e aliança. É sua vida que ele nos dá sem reservas e sem impor condições. E o faz numa ceia ordinária, numa refeição marcada pelo afeto fraterno, num contexto de ameaça de morte, pedindo insistentemente que façamos o mesmo para manter viva sua memória. “Amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado…”
Jesus ilustra o sentido da sua vida feita aliança no gesto de lavar os pés. Ele havia dito e repetido que viera para servir e não para ser servido, como Servo e não como Senhor. Demonstrara isso numa dedicação sem cansaço aos últimos da sociedade. Agora, depois de repartir pão e vinho, ele deixa a mesa e assume o serviço reservado às mulheres e crianças. Nele, é o próprio Deus que se inclina diante da humanidade e, de joelhos, lava nossos pés. E não o faz para demonstrar humildade, mas para negar as hierarquias e afirmar a absoluta igualdade de todos. Eis a lição!
Pedro reage diante do gesto/lição de Jesus. Não lhe parece bem mudar as coisas tão radicalmente. Para ele, senhores e superiores devem ser honrados; servos e inferiores devem ser desfrutados; esta é a ordem, e nada deve ser mudado. Para ele, como para nós, é difícil aceitar que esta não seja a ordem querida por Deus. Como custa à Igreja e a cada um de nós assimilar este ensino: Deus não se identifica com o soberano, mas com o servo; somente quem hipoteca sua vida pelos outros a ganha verdadeiramente.
Esta é uma lição é difícil e nada óbvia. É por isso que, depois de comer e de lavar os pés dos discípulos, Jesus nos interroga: “Vocês compreenderam o que eu acabei de fazer?” E, para não deixar dúvidas, explica: “Eu lhes dei um exemplo… E vocês serão felizes se o puserem em prática…” Precisamos passar da memória, do rito e do gesto teatral à vida. Precisamos dar conteúdo e concretude à Eucaristia na autodoação sem reservas pelos outros, na luta sem tréguas por uma educação inclusiva, universal e de boa qualidade.
Jesus de Nazaré, peregrino nas estradas de um mundo desigual, arauto de um tempo novo e promissor. Ajuda-nos a levar para fora do templo a toalha que nos dás como hábito e identidade. Abre nossa mente e nossas mãos para que aprendamos a lição magna de que o serviço aos irmãos e irmãs se realiza nas estradas e esquinas do mundo. Faze que superemos os ritualismos vazios, e transformemos teu gesto em prática cotidiana. Guia e sustenta a Igreja no esvaziamento que a faz livre e capaz de servir, sem outra parcialidade que não seja a preferência pelos últimos, em outro lugar que não seja ao lado dos pobres. Amém! Assim seja!
Itacir Brassiani msf