Leia a reflexão sobre Marcos 8.27-35, texto do Tomaz Hughes
Boa leitura!
Como evangelho de hoje, temos a história do caminho de Cesareia de Felipe. Embora de grande importância também em Mateus e Lucas, o relato mais original está no evangelho de Marcos, cap. 8, o qual se torna o pivô de todo o Evangelho.
A pedagogia do relato é interessante. Primeiro, Jesus faz uma pergunta bastante inócua: “quem dizem os homens que eu sou?” Assim, chovem respostas, pois esta pergunta não compromete – é o “diz que…” Mas a segunda pergunta traz a “facada”: “E vocês, quem dizem que eu sou?” Agora não vêm muitas respostas, pois quem responde em nome pessoal, e não dos outros, se compromete! Somente Pedro se arrisca e proclama a verdade sobre Jesus: “Tu és o Messias”. Aparentemente, Pedro acertou, e realmente, na versão mateana, Jesus confirma a verdade do que proclamou! Afirmou que foi através de uma revelação do Pai que Pedro fez a sua profissão de fé. Mas, para que entendamos bem o trecho, é importante que continuemos a leitura pelo menos até o v. 35, porque o assunto é mais complicado do que possa parecer.
Jesus logo explica o que quer dizer ser o Messias. Não era ser glorioso, triunfante e poderoso, conforme os critérios deste mundo e as expectativas do povo do seu tempo, inclusive os discípulos. Muito pelo contrário, era ser fiel à sua vocação como Servo de Javé, que teria como consequência ser preso, torturado e assassinado, e dar a vida em favor de muitos. Usando o título messiânico “Filho de Homem” – que vem de Daniel 7,13ss – Jesus confirmou que era o Messias, mas não do jeito que Pedro esperava. Este, conforme as expectativas correntes no seu tempo, esperava um Messias forte e dominador, não um que pudesse ir, e levar os seus seguidores com ele, até a Cruz. Por isso, Pedro contesta Jesus, pedindo que nada disso acontecesse. E como recompensa ganha uma das frases mais duras da Bíblia: “Afasta-se de mim, satanás! Você não pensa as coisas de Deus, mas as coisas dos homens” (v. 33). Pedro, cuja proclamação de fé parecia ser tão acertada, é agora chamado de Satanás – o Tentador por excelência! Pedro tinha os títulos certos para Jesus, mas a prática errada! Usando os nossos termos de hoje, de uma forma um tanto anacrônica, podemos dizer que ele tinha ortodoxia mas não ortopraxis!
Assim, Jesus usa o equívoco de Pedro para explicar o que significa ser seguidor dele: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me” (v. 34). Ter fé em Jesus não é em primeiro lugar um exercício intelectual ou teológico, mas uma prática, uma adesão à sua pessoa e missão, que leva ao seguimento dele na construção do seu projeto, até às últimas consequências.
Hoje, dois mil anos depois, a pergunta de Jesus ressoa forte – a segunda pergunta. Para nós, quem é Jesus? Não para o catecismo, não para as autoridades eclesiásticas, mas para cada um de nós pessoalmente? No fundo a resposta se dá, não com palavras, mas pela maneira em que vivemos e nos comprometemos com o projeto de Jesus – Ele que veio para que todos tivessem a vida e a vida plenamente (Jo 10,10). Cuidemos para que não caiamos na tentação do equívoco de Pedro, a de termos a doutrina e a teoria certas, mas a prática errada!