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Helivete Bezerra: “A igreja evangélica avançará na luta antirracista quando incluir as mulheres negras para ministrar”

BRASIL-

No âmbito do mes das pretas- 25deJulho: Dia Internacional da Mulher Negra Latina Americana e Caribenha– ALC Notícias entrevistou-se a pastora Helivete Bezerra, nova Presidente da CESE.

Possui graduação em Psicologia pela Universidade de Pernambuco (2014) e graduação em Teologia -Universidade Metodista de São Paulo (2015). Integra a coordenação do Coletivo Vozes Marias e do Grupo Mulheres na Vida, do Centro de Estudos Bíblicos e Grupo Mulheres de Bultrins. Atua na pastoral da Mulher – Primeira Igreja Batista dos Bultrins. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia, atuando principalmente nos seguintes temas: Teologia Feminista, Gênero, Violência contra a mulher, Políticas Públicas para as Mulheres.

1- Quais são os principais obstáculos e, portanto, os desafios da mulher negra no Brasil? E como negra evangélica, você adiciona desafios?

Enquanto mulher negra brasileira compreendo que o racismo estrutural é uma das maiores epidemias que existe. Assim sendo, alguns dos nossos maiores desafios é enfrentar e superar as consequências de um racismo que está sempre associado ao patriarcado, sexismo e o classismo que são formas de opressão que impactam violentamente a vida das mulheres negras, principalmente as periféricas e empobrecidas que estão na base da pirâmide social onde chegam poucas políticas públicas que garantam a elas justiça social e fortaleçam a luta por equidade de gênero.

Como mulher negra evangélica, sei que ainda temos um longo caminho a percorrer, o racismo presente em nossa sociedade tem seus reflexos nas comunidades de fé. Poucas mulheres negras são pastoras, diaconizas ou seminaristas, falta representatividade nas igrejas, na história e na tradição cristã que na maioria das vezes, ainda apresenta eurocentrada branca e heteronormativas.

Mas creio que alguns passos podem ser dados em nossas comunidades de fé, como dar legitimidade à fala das mulheres negras no ambiente evangélico possibilitando seu protagonismo através da ordenação religiosa e da ocupação de cargos de lideranças leigas. Possibilitar a construção de uma teologia e liturgia mais inclusiva incorporando elementos da cultura negra sem demonizá-los, de um modo a valorizar a identidade negra.

2- Como você acha que deveriam ser as estratégias para mudar / mudar essas realidades? Na esfera social, política, educacional e religiosa

A escravidão certamente foi um fator chave para que o racismo fosse naturalizado no Brasil.

Ser mulher e negra nos coloca em constante e extrema fragilidade como as situações de solidão, desamparo e invisibilidade permanente. Estamos sempre em movimento de superação dos obstáculos. O direito de trabalhar por exemplo, é uma questão de sobrevivência e nunca uma conquista, porque somos tratadas como inferior, e constantemente a mulher negra é objetificada e, portanto, as oportunidades quase nunca chegam de forma espontânea. É desafiante ter que ser forte o tempo todo, quando a tendência é ser desmoralizada no lugar onde pisamos.

As mulheres negras são maioria no trabalho informal e em categorias profissionais precarizadas, como por exemplo, cuidadoras de idosos, trabalhadoras domésticas, entre as quais as mulheres representam 93%, sendo que 70% não possuem carteira assinada, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE

Como diz Djamila Ribeiro, escritora negra brasileira, o autoquestionamento, entender seu lugar e duvidar do que parece “natural”, é o primeiro passo para não reproduzir esse tipo de violência que “privilegia uns e oprime outros”.

O movimento negro no Brasil ganhou a luta quando o Ministério da saúde inseriu o recorte de raça e cor na análise da pandemia. Os dados publicados no dia 10 de abril de 2021, revelaram que a covid19, é mais letal para os pretos e pardos, e que chegam a 1 em cada 3 entre os mortos (34%).

Na esfera educacional, precisamos resgatar as políticas públicas de combate à desigualdade racial e pela promoção da diversidade que estão sendo arruinadas pelo atual governo federal que cortou as verbas para programas educacionais que combatiam o racismo, o machismo e o sexismo tão profundamente enraizado em nossa cultura,

Podemos apoiar e prestigiar os institutos de pesquisa e de desenvolvimento de políticas públicas.

Na esfera política, podemos apoiar candidatas e candidatos que defendem políticas públicas inclusivas, efetivas e transformadoras.

Na esfera religiosa, em todas as sociedades conhecidas, é o homem que detém o poder religioso. Ele faz a mediação entre humanos e deuses. É o homem que tem o poder de conversar e ouvir as vozes divinas. É por isso que nos surpreendemos ao nos depararmos com uma mulher ocupando o lugar de poder central em uma religião. Felizmente, na cultura brasileira já encontramos as mulheres ocupando espaços de poder na ambiência religiosa, tanto de igrejas, quanto de instituições ecumênicas. Todavia, apesar de já termos avançado quanto a representação feminina no cenário evangélico, ainda temos muito o que caminhar como mulher negra evangélica.

Já escutei que o negro é aceito no seio da comunidade evangélica se, e somente se, abandona o que faz dele negro. Como evangélica entendo que devemos estudar a liturgia universal que aceita todas as pessoas sem discriminação. Alguns escritores afirmam que hoje em dia há menos racismo dentro da igreja do que na sociedade, mas não podemos negar que há uma rejeição da herança cultural e religiosa africana que tem levado os muitas de nós a negarmos a nossa identidade racial para ser um bom cristão.

Reconhecer-me como negra, ter que me afirmar diariamente em espaços de poder, como na igreja evangélica brasileira, como diz Lélia Gonzalez, escritora negra, que “tonar-se negra é uma conquista”. Ser mulher negra, pastora evangélica, ativista, divorciada, sim, é uma conquista. Não se trata só de mim, mas de um grupo expressivo de mulheres. A igreja evangélica avançará na luta antirracista quando incluir as mulheres negras para ministrarem nos cultos, seminários, congressos e assembleias. Incluir nas ministrações os temas sobre machismo, misoginia, sexismo, discriminação, preconceito e racismo. Adotar nas igrejas a educação antirracista, antimisógina e levar esses temas a luz da Bíblia para a escola dominical.

3- Como você vê o papel das mulheres em geral na igreja evangélica? Você é um pastor, presume-se que “somos iguais aos homens”, mas sabemos que não é assim tão eclesialmente …

Para além dos papéis de gênero que são explicitamente delimitados entre a autoridade do homem e a submissão da mulher, na igreja, as regras postas explicitamente ou implicitamente, tem o objetivo de moldar o comportamento da mulher, em todas as áreas da sua vida, para além do espiritual. O controle que se torna autocontrole, também de várias formas, é como essa dominação se impõe.

4- Que reflexão você resumiria para as mulheres negras da região?

Dar legitimidade à fala das mulheres no ambiente evangélico e possibilitar seu protagonismo através da ordenação religiosa, produzir sua própria teologia, desconstruir o pensamento machista e racista que ainda existe nas igrejas evangélicas, e incorporar elementos da sua cultura negra ou falar sobre eles sem demonizá-los, de um modo a valorizar a identidade negra.

 

Entrevista publicada do site da Agência Ecumênica de Notícias-ALC

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