Leia a reflexão sobre Mateus 28,16-20, texto de Roberto Zwetsch.
Boa leitura!
Introdução
A crise que vivemos na igreja cristã dos nossos dias vem de longe. Talvez, sendo honestos conosco mesmos e com a história cristã, crise na igreja de Cristo é uma experiência permanente, contínua, não nos deixa sossegar, não nos permite cochilar ou “entrar em férias”. E isso porque não somos o que queremos e dizemos ser. Vivemos divididos entre uma vida fiel e de adoração ao Jesus que é nosso Mestre e Senhor e a traição ao seguimento, a dúvida atroz que nos tenta atrás de cada desculpa para nos isentar do discipulado, da caminhada missionária que nos poderia levar aos vizinhos, aos mais empobrecidos dos nossos semelhantes ou até aos confins da terra. Uma igreja cristã, que se imagina pronta, bem-sucedida e farta de bens e de frutos, provavelmente, já começou a negar o caminho de Jesus e a prática da justiça ao evitar a cruz e o arrependimento diário e libertador, a volta ao primeiro amor, quer dizer, a busca pelo reino de Deus e de sua justiça (Mt 6,33), já aqui neste mundo pleno de possibilidades, mas também carregado de injustiças, frustrações, ilusões, fragilidades, violência e morte anunciadas e, muitas vezes, negadas.
Nesse contexto difícil e desafiador, é muito oportuno que a série de perícopes para a pregação nos brinde outra vez com a chance de retomar esse verdadeiro “testamento de Jesus” que o evangelista Mateus deu-nos a conhecer de uma forma extraordinária e única. A oportunidade também pode ajudar a desfazer certas interpretações equivocadas dessa perícope – eminentemente missionária – e a procurar por novas interpretações mais justas para com o autor e desafiadoras para a comunidade que se dispõe a ouvir essas palavras e a pô-las em prática.
Meditando rumo à pregação
Numa comunidade que vive crise de identidade, o Evangelho de Mateus abre novas possibilidades para rever a caminhada, para reconhecer os pecados, as resistências, a dureza do coração, de tal modo que as pessoas de fé reaprendam o que significa tornar-se, na caminhada, gente bem-aventurada (Mateus 5). A bem-aventurança não é para deleite pessoal, mas se dá justamente no sofrimento, na humildade, na luta e sede por justiça e paz. Não por último, também na calúnia e na perseguição. É a esses e essas que o reino de Deus é oferecido. São essas pessoas que o integram, que o vivenciam e o desfrutam, não como troféu, mas antes como sinal de que o reino de Deus vem e já está chegando para transformar o mundo e a vida mesquinha em que nos enredamos.
Envolver-se na missão de Jesus é algo extraordinário e desafiador. Renova a vida de qualquer comunidade e faz dela uma casa de acolhimento, um povo disposto a servir e a comunicar o “ensino que liberta”. Um povo que aprende a caminhar junto e ao mesmo tempo chamar outras e outros. Essa experiência é como sentir-se partícipe de um evento escatológico, um aperitivo daquele banquete para o qual Deus convida todas as pessoas, especialmente as que mais sofrem, as mais pobres e vulneráveis, as mais injustiçadas. O que sustenta a caminhada é a presença do Jesus ressurreto entre seus missionários e missionárias. E esse Jesus não é um monarca celestial, mas aquele mesmo que viveu “entre aldeias e cidades”, de carne e osso, que morreu por nossos pecados e ressuscitou e vai adiante de nós nas Galileias deste mundo e que agora – pelo seu Espírito – habita em meio a seu povo como força, poder e garantia dos “novos céus e nova terra onde habitará a justiça” (2Pd 3,13).
Vivemos essa fé e esse chamamento entre contradições e renovação, entre adoração e dúvida. A práxis do amor e do perdão, a ortopráxis da justiça, da compaixão e da misericórdia, são alento e desafio para cada pessoa e para a comunidade dos amigos e amigas de Jesus, daqueles e daquelas que experimentaram a força da oração dele: “Pai nosso…”.
Dois pensamentos para concluir. O primeiro vem de David J. Bosch. Ele escreveu que, a partir da leitura desse evangelho, as pessoas cristãs encontram sua verdadeira identidade quando se envolvem na missão, em comunicar a outros um novo modelo de vida, uma nova interpretação da realidade de Deus e em comprometer-se com a libertação e salvação de outras. Uma comunidade missionária é aquela que se entende como sendo diferente de seu ambiente e, ao mesmo tempo, como estando comprometida com ele; ela existe dentro de seu contexto de uma maneira que é tanto cativante quanto contestadora (p. 112).
Sobre a compreensão do que venha a ser “igreja cristã”, vale recordar o que escreveu Vítor Westhelle sobre a imbricação íntima entre missão e igreja. Igreja, afirma ele, não é nem o sujeito e nem o objeto da missão, mas é o seu meio, o espaço libertado em que se celebra a presença de Deus ao lado inverso do mundo. Não é o lugar em que nasce, mas apenas aquele em que ressoa o anúncio. Nesse sentido, poder-se-ia dizer também que é na experiência missionária que nos fortalecemos, tornando-nos para nós mesmos e para outras pessoas e grupos uma “parteira da esperança”, uma comunidade que acolhe, aponta caminhos, experimenta um poder transformador, que significa algo diferente e novo neste mundo sempre mais competitivo, desigual, injusto e cruel para com os retardatários, as pessoas que sofrem com alguma deficiência e que, precisamente por isso, mereceriam maior atenção, cuidado, numa palavra: amor.