Ecumenismo

A Justiça, a Bíblia e a opção pelos pobres

“Julgou a causa do aflito e do necessitado? Então lhe sucedeu bem; Porventura não é isto conhecer-me? Diz o Senhor. Mas os teus olhos e o teu coração não atentam senão para a tua avareza, e para derramar sangue inocente, e para praticar a opressão, e a violência.” (Jeremias 22:16-17)

A grande questão na reflexão de hoje é responder por que optar pela Bíblia e por uma justiça que atenda ao pobre. Mas não é olhar o pobre com um olhar distante. Não é falar sobre o pobre, mas falar do pobre. Isto porque queremos evitar o que o filósofo Slavoj Zizek chama de “Paradoxo da Vitimização”.

O que seria isto? Para ele isto acontece quando queremos ajudar o pobre. Queremos ser bons, filantrópicos, mas queremos que as coisas continuem como estão: os ajudados precisando de ajuda. O capitalista-modelo atual é alguém que, após implacavelmente gerar lucro, generosamente o compartilha, fazendo grandes doações às igrejas, a vítimas de abuso étnico ou sexual, etc., posando de humanitário.

Não! Não queremos este imperialismo filantrópico, pois “ninguém liberta os pobres”, dizia Paulo Freire, “senão eles próprios”. Não é falar sobre o pobre, mas com o pobre.

Mas então: quem são os pobres? Para responder esta questão é de suma importância olhar para o livro veterotestamentário de Sofonias quando, no capítulo 2, versículo 3, está escrito:

Procurai o Senhor, todos vós, os humildes da terra, que praticais a Justiça por Ele estabelecida.

Estes humildes da terra, que recebem os cuidados de Deus, são todos aqueles que não encontram força em si mesmos ou no seu poder oriundo do dinheiro. E quem são, segundo Sofonias, estes caras que fazem o que os humildes que pertencem a Deus não fazem? São os dignatários – Pessoas que exercem um alto cargo ou gozam de um título proeminente (Cap. 1,8-9) e os ricos (1,10-11). Lembrando que antes, como hoje, a estrutura continua a mesma: a burguesia comanda os dignatários.

Assim, os pobres são as vítimas dos acima acusados. São eles quem criam os pobres e os debilitados. É legal vislumbrar isto na Bíblia porque, mesmo antes de Marx falar em Lutas de Classes, os profetas bíblicos já denunciavam a exploração do outro.

Ora, segundo Jeremias 5, 4-5, os pobres e debilitados são aqueles das classes baixas e dominadas, aqueles que não detêm nem o poder e nem o saber. É difícil olhar para a nossa sociedade hoje e detectar quem são estes? De forma alguma. É cada um que passa fome e frio nas esquinas. É cada adolescente que, sem oportunidade alguma, vira vítima do tráfico e da violência. E estes, em absoluta maioria, são os que não tiveram acesso à educação. Não adianta tapar o sol com a peneira: a miséria só existe porque existe concentração de riqueza – os dignatários e os ricos.

A Bíblia sempre pregou que deveríamos optar pelos pobres; e isto não é dar esmolas. Aliás, é bom que saibamos: nos templos bíblicos, em Israel, os mendigos não pediam simplesmente esmolas. Eles pediam por tsedaqah (צדקה ts ̂edaqah) que significa Justiça.

Esta Justiça é aquilo que, de acordo com a Torá, ele devia gozar: paz e prosperidade.

Logo, fica explícito que a pobreza não é, de forma alguma, algo natural (como pensava Aristóteles!), mas é fruto dos poderosos que exploram, enganam, devoram, oprimem e perseguem os menos favorecidos. A pobreza na bíblia não é, de modo algum, uma situação resultante de uma lei da natureza ou de uma vontade de um criador, mas, sem dúvida, uma produção social. E dizia Paulo Freire:

A realidade não é esta. Está sendo esta como poderia ser outra. E é por esta outra que eu luto.

Lutar como? Pela Justiça. E o que é a Justiça? Como começamos o nosso singelo texto, é lutar pela causa do aflito e do necessitado. A Justiça tem que ser, acima de tudo, uma ferramenta de Mudança Social. De apoiar quem foi vítima das armadilhas da vida, de carregar a cruz de quem padeceu diante da espada da desigualdade. O Direito não é abstrato, assim como a fome e a dor do desamparado também, absolutamente, não é.

Quem pretende seguir a Bíblia não tem como fazer a escolha de ficar ao lado dos poderosos. É realmente incompatível. Como ficar ao lado das pessoas que o profeta Amós denunciava?

Venderam o justo por dinheiro e o pobre por um par de sandálias; porque são ávidos para ver o pó da terra sobre a cabeça dos indigentes e desviam os recursos dos humildes, depois que o filho e o pai vão à mesma moça (…) por causa das roupas penhoradas que extorquiam perto de cada altar e do vinho confiscado que bebem na casa de Deus. (AMÓS 2:6-8)

E num dos avisos, ao meu ver, mais contundentes do profeta Amós, encontra-se no capítulo 8:4-6 abaixo transcrito

Escutai, vós que vos encarniçais contra o pobre, para aniquilar os humildes da terra, vós que dizeis: quando é que passará a lua nova, para podermos vender os grãos, e o sábado, para abrirmos os sacos de trigo, diminuindo a efá, aumentando o siclo, alterando balanças misteriosas, comprando o indigente a dinheiro e um pobre por um par de sandálias? Venderemos até o farelo do trigo! (AMÓS 8: 4-6)

Nestas palavras de Amós, que são dirigidas para os mercadores, fica a denúncia de que as pessoas estão sendo meros meios para se obter riqueza. E tudo isto antes de Marx, hein?!

Se antes se comprava um pobre para ser escravo por um par de sandálias, hoje, nas favelas, se compra um adolescente para viver como “mula” por muito menos. E as mulheres pobres que vivem com o medo da criminalização do aborto? E os Gays, vítimas de uma sociedade machista em nome de Jesus? É tudo muito barato sob as lentes do fundamentalismo religioso. Pobre, na Bíblia, não é só quem passa fome, mas quem é perseguido e oprimido pelas ideologias e economias dominantes. Dizia Jesus:

Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas. (Mateus 11:28,29)

Jesus assumiu um lado e eu quero finalizar com Gramsci que dizia

A indiferença é o peso morto da história […]Não podem existir apenas homens estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida.

Neste sentido, penso impossível assumir o compromisso com a Bíblia, e com a luta por Justiça no mundo, sem que fiquemos de mãos dadas com as minorias – mesmo porque, bom que se diga, foram os que detinham o poder político, econômico e religioso que mataram Jesus e hoje, em nossos dias, defendem em seu projeto de sociedade questões conservadoras que aprofundam mais e mais a injustiça e a não implantação do Reino de Deus que é apresentado na oração do pai nosso: um lugar onde o Pai é Nosso e o Pão também é Nosso e não privilégio de alguns.

Fonte: Texto de Wagner Francesco, Bacharel em Teologia e Direito. Pesquiso nas áreas do Direito Penal e Processo Penal. Publicado originalmente em Justificando, 29/06/2015.

Foto de capa: infobae.com

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