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Um Menino entre os mestres

Leia o comentário do evangelho para o dia 30 de dezembro sobre Lucas 2,41-52. O texto pertence ao biblista popular e assessor do CEBI, Edmilson Schinelo.
Boa leitura!

A narrativa da perda e do encontro do menino Jesus no templo (Lc 2,41-52) faz parte dos chamados “evangelhos da infância”. Presentes nos livros de Mateus e de Lucas, esses relatos são escritos mais tardios, ainda que recolham tradições antigas. Como numa casa, em que a porta não é a primeira parte a ser construída, muito provavelmente foram a última parte a ser escrita. Hoje, os “evangelhos da infância” constituem os dois primeiros capítulos tanto de Mateus como de Lucas.

Mateus concentra as narrativas na pessoa de José e busca mostrar que Jesus, em paralelo com Moisés, é o verdadeiro libertador do novo e definitivo êxodo. Por isso, apresenta um menino tendo que ser salvo de um novo faraó (Herodes) e lembra as palavras de Oséias: “Do Egito chamei o meu filho” (Os 11,1). Como exilado político, Jesus também faz a caminhada libertadora de seu povo e vem realizar a libertação plena de tudo o que oprime e diminui a vida.

Lucas, por sua vez, além de centrar mais a narrativa na figura de Maria, traça um paralelo entre a figura de Jesus e a de João Batista. Enquanto em Mateus são os sábios do Oriente quem visita Jesus (representando as nações que chegam para homenagear a criança recém-nascida), em Lucas os primeiros a visitar Jesus são os pastores, que deixam maravilhadas a todas as pessoas que escutam o seu anúncio. Também, de acordo com a narrativa de Lucas, Jesus nunca foi ao Egito: Terminando de fazer tudo conforme a lei do Senhor, voltaram à Galileia, para Nazaré, a sua cidade (Lc 2,39). São jeitos diferentes de misturar tradição e teologia. E a beleza dessas narrativas está, justamente, em buscar o seu significado teológico mais profundo, o seu sentido de vida. E isso não se alcança ficando preso nas figuras. Porém, olhando para além das imagens.

A antecipação da Páscoa definitiva

Lucas inicia a narrativa, afirmando que os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém para a festa da Páscoa (Lc 2,41). Na história do povo de Israel, por vários séculos, esta festa era uma celebração doméstica, um momento de memória coletiva do povo, mas também de fortalecimento de vínculos familiares. Entretanto, o rei Josias (640-609 a.C.) determinou que a festa deveria ser celebrada de forma centralizada em Jerusalém, a capital (2Rs 23,21-23). Com essa medida, ele conseguiu concentrar poder através do controle do culto praticado no templo, que ficava em Jerusalém. Houve muita resistência, mas a medida do rei Josias foi imposta pela força bruta.

Para Lucas, os pais de Jesus seguem essa tradição, inclusive quando ele completa doze anos (Lc 2,42). Terminada a festa, eles começam a viagem de volta, sem notar que o menino não está na caravana. Depois de andarem um dia inteiro, percebem a sua falta e começam a procurá-lo entre os parentes e conhecidos. Como não o encontram, retornam a Jerusalém (Lc 2,43-44).

O menino é encontrado depois de três dias (Lc 2,46), como que numa prefiguração da sua própria Páscoa: depois de três dias ele ressuscita. Além disso, a comunidade de Lucas escreve já conhecedora da filiação divina de Jesus. Por isso, registra desta forma a resposta do menino: Não sabíeis que devo estar na casa de meu pai? (Lc 2,49). A frase não é de tradução muito simples e não fala literalmente de casa. Podemos também traduzi-la assim: “Não sabíeis que devo estar com (as coisas de) meu pai?”.

Um menino entre os “mestres”

Os pais de Jesus o encontram “sentado em meio aos mestres” (Lc 2,46). A palavra utilizada por Lucas, normalmente traduzida por “doutores”, é didaskalos (de onde vem didática, em português). É o mesmo termo empregado mais tarde para referir-se a Jesus: Não perturbes mais o mestre (Lc 8,49). Na narrativa da Páscoa, o próprio Jesus teria usado o termo para falar de si: Direis ao dono da casa: “o mestre te pergunta: onde está a sala em que comerei a Páscoa com meus discípulos?” (Lc 22,11).
Jesus está, portanto, conversando com os mestres do seu povo. De acordo com o texto, a primeira coisa que ele faz é escutar. Como toda criança, ele escuta e pergunta. E como toda criança, é inteligente nas respostas. É possível imaginar a cena de várias formas, inclusive com outras crianças juntas, também escutando, perguntando e respondendo. Como as crianças da época, Jesus ensina e aprende. Se assim não fosse, não teria mais como crescer em sabedoria (Lc 1,52). Quem sabe tudo ou acha que sabe tudo, não tem mais como crescer.

O texto faz questão de ressaltar que as respostas de Jesus chamam a atenção, deixam as pessoas extasiadas! Como, ainda hoje, muita gente diz: “Mas que criança inteligente!”. Como dissemos, a comunidade de Lucas escreve muito tempo depois, já conhecedora da divindade de Jesus. E consegue preservar no texto duas dimensões: um menino que não é nada comum (é o próprio filho de Deus) e que, ao mesmo tempo, cresce e aprende, como toda criança. Cresce, inclusive, em graça, em sua comunhão com o Pai, amadurecendo a sua missão a serviço do reinado de Deus. E nesse processo, também ensina. Como também nos ensinam as crianças de hoje.

Pais aflitos e desesperados

É impossível não perceber, na narrativa, a aflição e o desespero dos pais. Só quem teve um filho desaparecido consegue dimensionar a dor. Noites e dias de procura interminável! Angústia, lágrimas e cansaço. E quando a criança é localizada, surpresa, alívio e desabafo, expressos pelas palavras da mãe: Filho, por que agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu, aflitos, te procurávamos! (Lc 2,48).

Trata-se, no caso da narrativa de Lucas, de uma história de final feliz. Não é esse o caso da experiência de milhares ou até milhões de mães e pais pelo Brasil e pelo mundo afora? Crianças que se perdem nas grandes cidades, crianças separadas de seus pais em situações de guerra e tantas outras situações.

Não podemos deixar de ter presente essa dor! Nossa solidariedade tem que ser maior. Como também deve ser maior o nosso esforço para que tais situações sejam menos frequentes. Especialmente no caso das guerras, nossas lutas pacifistas precisam ser intensificadas. Em não sendo assim, não estaremos vivendo o espírito natalino: um menino nos foi dado para que toda marca de guerra, toda bota de soldado e todo uniforme militar manchado de sangue sejam queimados (Isaías 9,4).

Guardar os fatos no coração

A narrativa de Lucas termina reafirmando que o menino crescia em sabedoria, em estatura e graça, diante de Deus e diante das pessoas (a mesma frase já havia sido dita referindo-se ao menino Samuel, filho de Ana – 1 Samuel 2,26). Reafirma também que a mãe de Jesus guardava todos esses fatos (literalmente, essas palavras) no seu coração (Lc 2,51-52). É a terceira vez que a frase aparece nos dois primeiros capítulos de Lucas (ver também Lc 1,69 e Lc 2,19).

Guardar os fatos no coração é mais do que ter boas lembranças. É manter viva a memória e a história, para que as coisas ruins não se repitam e para que os bons ensinamentos permaneçam e produzam frutos. É atitude, é saudade ativa. Que assim possamos também nós sentir e agir!

Edmilson Schinelo é assessor do CEBI e colaborador nos livros Bíblia e Negritude e Leitura Bíblica: a juventude mostra o caminho.

Ilustração de capa: Jesus Mafa

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