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Reflexão do evangelho: Ensina-nos a rezar

Leia a reflexão deste domingo, dia 28 de julho de 2019, sobre Lucas 11,1-13. O comentário pertence a Tomaz Hughes.

Boa leitura!

O texto de hoje traz-nos o ensinamento da Oração do Senhor na versão lucana. O Novo Testamento traz-nos duas versões desta oração, a única oração que o Senhor nos ensinou: Lucas 11,2-4 e Mateus 6,9-13. Normalmente, rezamos na forma mateana, com sete petições e sem doxologia (oração de louvor). 

 A versão lucana só tem cinco petições. A forma usada na Missa acrescenta a doxologia “porque Vosso é o Reino, o Poder e a Glória para sempre”, baseada no texto trazido pela Didaché – um documento cristão do início do segundo século. Alguns estudiosos explicam as duas formas a partir do fato de Lucas e Mateus estarem se dirigindo a comunidades diferentes, com tradições diferentes. Mateus se dirigia a pessoas que tinham o costume de rezar, mas que corriam o risco de orar duma maneira muita formal e rotineira (judeu-cristãos), enquanto Lucas estava escrevendo para pessoas recém-convertidas (gentio-cristãos) e que precisavam aprender, talvez pela primeira vez, a rezar continuamente.

Embora não haja unanimidade entre exegetas sobre qual é a forma mais original, parece que o consenso tende em favor da versão Lucana. A versão mateana apresenta a forma mais litúrgica do seu uso (p.ex. “Pai Nosso” em lugar do simples “Pai”), mas na verdade não há diferença essencial entre as duas versões. Baseando-nos no trabalho dum exegeta alemão, Joaquim Jeremias, propomos a seguinte versão como a mais aproximada às palavras aramaicas de Jesus (devemos sempre lembrar que Jesus falava em aramaico, os evangelhos foram escritos em grego, e nós os lemos em português!):

“Querido Pai, santificado seja o Teu nome; venha o Teu Reino; o pão nosso de amanhã nos dá hoje; perdoa-nos as nossas dívidas, como queremos perdoar os nossos devedores, e não nos deixes sucumbir à Tentação.”


Seguindo este autor, tratamos a oração como uma “oração escatológica”, ou seja, a oração da comunidade cristã que experimenta o Reino como uma realidade já presente, mas que espera e pede a sua consumação final.

Nós encontramos, no primeiro versículo do texto, uma chave para a compreensão lucana da Oração do Senhor: “Um dia, Jesus estava rezando num certo lugar. Quando terminou, um dos discípulos pediu: ‘Senhor, ensina-nos a rezar, como também João ensinou os discípulos dele’” (Lc 11,1). Essa frase faz-nos lembrar que muitos grupos religiosos do tempo de Jesus tinham uma oração que identificasse os seus discípulos, como por exemplo, os Essênios, os Fariseus e os Batistas. Então, o discípulo de Jesus pede uma oração que pudesse identificar o seu programa de vida. Assim, podemos ver a Oração do Senhor como algo mais do que uma oração – podemos vê-la como um “manifesto” da proposta de vivência da nossa fé. Vejamos mais de perto o texto:

 

  1. “Querido Pai” (Abbá)

É possível que muita gente tenha dificuldade em rezar o “Pai Nosso” por causa da sua experiência com o seu próprio pai. Se nós tivemos um pai carinhoso, com quem desde criança nós nos sentíamos bem, então teremos facilidade de rezar a Deus como “Pai”. Mas, se o nosso pai era pessoa dura, ameaçadora, sem expressão de carinho, então podemos ter mais dificuldade em poder nos relacionar com Deus como “Pai Nosso”. Outras pessoas – especialmente feministas – talvez achem que o título “Pai” para Deus traz conotações demasiadamente masculinizantes, quando não machistas. Por isso, é importante aprofundar o sentido bíblico do termo, e o que significava na boca de Jesus.

Quando o Antigo Testamento descreve Deus como Pai, implica muito daquilo que a nossa cultura atribui à mãe. O Antigo Testamento se refere a Deus como Pai quinze vezes e enfatiza a ternura, a misericórdia, o carinho e o amor de Deus para o seu povo. Isso fica especialmente claro nos Profetas. Vejamos alguns textos: “Serei um pai para Israel, e Efraim será o meu primogênito” (Jr 31,9); “Será que Efraim não é o meu filho predileto? Será que não é um filho querido? Quanto mais o repreendo, mais me lembro dele. Por isso, minhas entranhas se comovem, e eu cedo à compaixão – oráculo de Javé” (Jr 31,20); “Eu tinha pensado contar você entre os meus filhos, dar-lhe uma terra invejável [ …] esperando que você me chamasse de “Meu Pai”, e não se afastasse de mim” (Jr 3,19); “Quando Israel era menino, eu o amei, e do Egito chamei o meu filho […] fui eu que ensinei Efraim a andar, segurando-o pela mão […] Eu os atraí com laços de bondade, com cordas de amor. Fazia com eles como quem levanta até seu rosto uma criança; para dar-lhes de comer, eu me abaixava até eles” (Os 11,1ss).

Nestes textos podemos sentir muitas das características que a nossa cultura ocidental atribui à mãe – portanto o termo “Pai” no Antigo Testamento não traz qualquer conotação machista.

Embora o Antigo Testamento fale de Deus como “Pai” quinze vezes, jamais alguém invoca Deus como “meu Pai”, ou “nosso Pai”. O respeito do judeu diante da transcendência de Deus não permitia. Mas, nos Evangelhos, nós achamos o termo “Pai” para Deus na boca de Jesus 170 vezes.  Isso era coisa tão inédita que podemos ter certeza que se trata duma palavra autêntica de Jesus e não somente proveniente da Igreja primitiva. Marcos a usa quatro vezes, Lucas 15 vezes, Mateus 42 vezes e João 109 vezes! Na comunidade do Discípulo Amado, pelo fim do primeiro século, “Pai” é o termo para Deus.

A expressão que Jesus mesmo usava era “Abbá”, um termo aramaico sem sinônimo em português. Fazia parte da linguagem da intimidade do lar, um termo carinhoso usado tanto por crianças como por adultos, para o seu pai. Então ultrapassa o sentido da nossa palavra “papai”. Devemos dar muito peso a este ensinamento de Jesus, pois embora não exista na literatura rabínica um exemplo sequer do uso do termo “Abbá” para Deus, Jesus sempre se dirigia a Deus deste jeito, exceto em Mc 15,34 quando na cruz, citando um salmo, ele chama Deus de “Eloí” (meu Deus).  Jesus então conversava com Deus com a segurança, intimidade e carinho com quem se conversa na ternura do seio familiar, e autorizou os seus discípulos a usar o mesmo termo. Isso indica o novo relacionamento com Deus que Jesus nos trouxe. É algo além do normal poder reivindicar tal relacionamento com Deus. São Paulo mantinha o termo aramaico, mesmo escrevendo em grego em Gálatas 4,6 e Romanos 8,15, quando ele diz: “A prova de que vocês são filhos é o fato de que Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho que clama: Abbá, Pai!” (Gl 4,6); “[…] receberam um Espírito de filhos adotivos, por meio do qual clamamos: Abbá, Pai!” (Rm 8,15).

O “endereço” da oração determina não somente o nosso relacionamento com Deus, mas com os nossos irmãos e irmãs. Pois, se Deus é o “Abbá” de todos nós, então somos todos iguais, e rezar esta oração exige que nós não nos compactuemos com qualquer coisa que nos discrimine – racismo, machismo, clericalismo, exploração, etc.

Todas as petições seguintes da oração dependem deste endereço. Pois não estamos nos dirigindo a um Espírito perfeitíssimo, criador do céu e da terra, onipresente, onipotente e onisciente! Estamos nos dirigindo ao nosso “Querido Pai”, e é este novo relacionamento, um dom incrível do próprio Deus, que faz possível as petições. Por isso, na liturgia, a Igreja pede que se faça uma introdução à oração, como “Orientados pela Palavra de Jesus, ousamos rezar”, para que nós tomemos consciência da enormidade do dom de filiação que recebemos por Jesus.

 

  1. “Santificado seja o Teu nome”


Na forma atual, esta petição pode expressar tanto um louvor, (“Santificado seja o teu nome”) como petição (“Que o Teu Nome se torne santificado”). No contexto, devemos entendê-la como pedido. Podemos entender melhor a frase se voltamos de novo para um profeta do Antigo Testamento, Ezequiel: “Vou santificar o meu nome grandioso, que foi profanado entre as nações, porque vocês o profanaram entre elas. Então as nações ficarão sabendo que eu sou Javé, quando eu mostrar a minha santidade em vocês diante deles” (Ez 36,23).

Então, com este pedido rezamos que o mundo chegue a conhecer o nome (isto é, a realidade íntima) de Deus (que Ele é o nosso “querido Pai”) através da nossa vivência. Torna-se uma oração missionária, com três elementos:

– primeiro, que nós cheguemos a conhecer cada vez mais quem é Deus;
– segundo, que o mundo chegue a este conhecimento através do nosso testemunho;
– terceiro, que a plenitude da revelação da realidade de Deus venha logo; este é o aspecto escatológico.  

 

  1. “Venha o Teu Reino”

O tema central da pregação de Jesus era a iminência do Reino de Deus. Se o “nome” de Deus se refere à sua natureza íntima, o “Reino” se refere à sua atividade. Pedimos aqui a consumação final do Reino. É a oração da comunidade que reconhece a presença do Reino, mas sente que ainda não é estabelecido definitivamente entre nós. Temos outros trechos do Novo Testamento que expressam este desejo com a palavra aramaica “Maranathá”, (Vem, Senhor Jesus!), por exemplo, 1Cor 16,22 e Ap 22,20.

A versão mateana, que nós costumamos rezar, acrescenta “Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu”. Isso é outra maneira de expressar a mesma ideia, pois quando a vontade de Deus é feita na terra como já se faz no céu, então o Reino estará plenamente realizado entre nós.

 

  1. “O pão nosso de amanhã nos dá hoje”

Os primeiros dois pedidos almejam a chegada do Reino na sua plenitude, mas as duas petições seguintes põe a ênfase sobre o “agora”, o “hoje”!

A primeira dificuldade que enfrentamos é com a tradução, pois aqui se usa uma palavra grega “epiousios” que não é usada em outro lugar no Novo Testamento. Há quatro sentidos básicos possíveis para este termo:

– necessário para a nossa existência;
– para hoje;
– para o dia que virá;
– para o futuro.

As várias traduções usadas nas nossas Bíblias (e seria bom verificar) refletem a dificuldade em ter certeza sobre o que significa o termo no contexto desta oração. Muitos exegetas concluem, como São Jerônimo, que a palavra quer dizer “dá-nos hoje o nosso pão de amanhã”.

Aqui, “amanhã” significaria o “grande amanhã” da Parusia, da consumação final do Reino de Deus. Assim estamos pedindo que nós possamos experimentar hoje o que pertence à plenitude do Reino.

Isso tem implicações muito concretas para a nossa vivência. Pois jamais será possível experimentar a plenitude do Reino enquanto falta o pão material na mesa dos nossos irmãos e irmãs. Quem faz este pedido se compromete com a luta por uma sociedade mais justa, mais fraterna, onde todos possam ter uma vida digna.

Quando Jesus e os seus discípulos faziam a refeição, era muito mais do que simplesmente tirar a fome. Significava o banquete messiânico, desejado pelos profetas, onde todos teriam vida plena. Quem reza esta petição, se compromete com a concretização duma sociedade onde “todos tenham a vida e a vida em abundância” (cf. Jo 10,10), coisa impossível sem o pão material nas mesas.

Não é possível participar do banquete eucarístico, sem este compromisso concreto com a construção dum mundo sem empobrecidos, onde todos terão “o pão nosso de cada dia”.

  1. “E perdoa-nos os nossos pecados, assim como nós queremos perdoar os nossos devedores”.

Um dos grandes dons da era escatológica é o perdão. Já vimos em outros trechos como Jesus manifestava este dom gratuito do Pai. Aqui, pedimos que nós possamos experimentar este grande dom, aqui e agora. No entanto, o trecho levanta a questão da relação entre o perdão de Deus e o nosso perdão.

A maneira que nós rezamos o “Pai Nosso” – “perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido” – pode dar a impressão que estamos pedindo que Deus nos perdoe na medida em que perdoamos os outros!  Se Deus vai nos perdoar conforme os critérios humanos, estamos em maus lençóis!!  Aqui é necessário que olhemos melhor o que significa “assim como”.

Quase todos os estudiosos estão de acordo que esta frase não deve ser entendida como uma comparação entre o perdão de Deus e o nosso. Diversas parábolas sugerem que o perdão de Deus precede o perdão humano (cf. Mt 18,23-25; Lc 7,41-47). O nosso perdão é consequência e resposta ao perdão de Deus. Sendo perdoados, não temos desculpa para não perdoar!  Mas qual é então o papel do perdão humano? (cf. Mt 6,14s). É que o perdão de Deus só se torna real para mim quando eu o assumo na minha vida ao ponto de perdoar quem me ofendeu. Somente é capaz de acolher o perdão de Deus quem é capaz de perdoar. O nosso perdão mútuo então é a prova de até onde temos assumido o perdão de Deus. Devemos então lembrar três pontos:

– O perdão de Deus sempre precede o perdão humano;
– O perdão humano é adesão ao perdão divino;
– O perdão divino só se torna eficaz para nós quando nós temos vontade de perdoar o outro.

Joaquim Jeremias explica a frase assim:

“Nós estamos prontos a repassar a outros o perdão que nós recebemos. Dá-nos, querido Pai, o dom da era da salvação, o teu perdão, para que, na força do perdão recebido, possamos perdoar os que têm nos ofendido”. (J. Jeremias, A Oração do Senhor).

E o maior exemplo desta realidade continua sendo o da mulher pecadora de Lc 7,36-50, cujo grande amor foi consequência do grande perdão recebido de Deus.

 

  1. “E não nos deixes sucumbir à tentação”

Este é o único pedido formulado em termos negativos. Aqui, não somente pedimos para não cair nas pequenas ou grandes tentações que nós enfrentamos no dia-a-dia, mas que não caiamos na Grande Tentação, de não acreditar na realidade da presença do Reino, de perder a fé na ação transformadora de Deus, de não acreditar mais na concretização da vontade de Deus. Este “sucumbir” não vem normalmente “de vez” – é um processo lento, que pode acontecer sem que nós demos conta. É o perder do elã, da vibração com a causa do Reino, que reduz a religião a uma mera “cumprir tabela”, sem alegria, sem esperança, – enfim, uma frustração.  Este pedido ecoa uma mensagem e advertência clara dos evangelhos – a necessidade de vigilância!  Estamos na luta escatológica entre o bem e o mal, onde até Jesus foi tentado. Aqui, reconhecemos a nossa fraqueza, a nossa tendência para o desânimo e pedimos a força de Deus para que não sucumbamos à Grande Tentação.

Assim a Oração do Senhor resume o projeto de vida dos seus seguidores e discípulos. É uma oração que traz consequências bem concretas para o nosso relacionamento com os irmãos e com a sociedade. É uma oração que desinstala e desacomoda. Pois nós estamos nos comprometendo com a construção diária do Reino, através do seguimento de Jesus.

A segunda parte do trecho de hoje insiste na necessidade de perseverança na oração. Faz contraste (e não comparação!) entre Deus e o amigo humano. Pois se o “amigo” só atende ao pedido para não ser amolado, Deus é bem diferente. Ele dará o mais importante – o Espírito Santo, com todos os seus dons, àqueles que o pedirem! Peçamos as coisas pequenas – mas importantes – necessárias para a nossa vivência diária, mas saibamos também pedir os grandes dons do Reino, o perdão, o pão da vida, a misericórdia sem limites, que Deus jamais negará! 

Texto partilhado pelo autor.

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