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Dom Oscar Romero: Igreja Católica reconhece o poder da resistência na América Latina

Em meio ao momento de fascismo, ódio e violência que estamos enfrentando, uma voz ecoa nos trazendo a esperança da luta: Dom Oscar Romero é o mártir da resistência!

Finalmente a Igreja Católica reconheceu o martírio de Dom Oscar Romero, São Romero de las Américas como é conhecido pelos pobres na América Latina. No próximo dia 14 de outubro haverá sua canonização em Roma, em sinal de reconhecimento da atuação de Monsenhor Romero, arcebispo de San Salvador, para a libertação do povo e pela justiça social.

Dom Oscar Romero foi assassinado pela ditadura salvadorenha em 1980, enquanto celebrava sua última eucaristia de resistência à ditadura militar. Ele era uma das únicas vozes de resistência ao regime dentro da igreja, e recebia muitas ameaças por conta da sua atuação crítica e engajada com a sociedade. Ele sabia o impacto de suas palavras para a luta de libertação do povo, sabia os riscos que sofria por defender a liberdade de seus irmãos e irmãs da comunidade. Mas, mesmo assim, se entregou a missão de estar ao lado das pessoas mais oprimidas e violentadas em El Salvador.

Como Marcelo Barros escreveu essa semana em sua coluna intitulada Um martírio político e o momento brasileiro, a cerimônia de canonização “proclama que tal pessoa (que já está no céu pela graça divina) tem seu nome na lista (no canon) dos santos, por ser reconhecido/a como exemplo de santidade para o povo de Deus”. Mas essa celebração tem um peso ainda maior.

Em 2018, 38 anos depois de sua morte, é que sua história de vida foi reconhecida pelas elites do Vaticano, que tanto forçaram caluniar e destruir sua profecia. Papa Francisco foi importante neste processo, pois representa o poder da igreja dos pobres, e sabe o valor da Teologia da Libertação para a resistência e resiliência do povo nas Américas. Uma história de luta, sofrimento e dor, martírio, mas também de muita esperança e fé em um mundo melhor e mais justo.

Para marcar este momento importante de reconhecimento da fé libertária e do povo das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), conversamos com Ana Maria Crosville, missionária que trabalhou no México com Dom Oscar Romero, e tem nele um guia e mentor de sua luta missionária. Ana foi enviada para a cerimônia de canonização como representante das CEBs no Rio Grande do Sul.

Acompanhe a entrevista:

  • CEBI: Qual a sua relação com Dom Oscar Romero? Vocês trabalharam juntos? Como se conheceram?

Ana Maria Crosville: Conheci Dom Oscar Romero no México. Estava trabalhando em um bairro popular da cidade de Guadalajara,  em um projeto com crianças de rua e fazendo parte das CEBs. Foi assim que conheci as CEBs e comecei a viver a minha fé à luz da palavra de Deus encarnada na vida do povo. E nesse bairro, bastante organizado pelo próprio povo que se conscientizava da importância de participar e reivindicar seus direitos, havia um comitê de apoio às famílias que fugiam da violência e da perseguição que estava já começando nos anos 76 e 77 em El Salvador. Foi nessa época que cheguei ao México.

E o que me impactou desse período foram as famílias pobres da Vila Santa Cecília, que acolhiam refugiados e pobres, ainda mais pobres que eles. Foi isso que me marcou, essa acolhida fraterna e amorosa das famílias que tinham casas bem pequeninhas, e mesmo assim, se mostravam capazes de abrir suas casas e seus corações para receber e apoiar as famílias sofridas de El Salvador.

Foi quando comecei a participar desse comitê de solidariedade à El Salvador, e comecei a conhecer o que estava acontecendo: uma verdadeira ditadura militar. Foi nesse tempo, em 1979, que conheci Dom Oscar Romero na Vila Santa Cecília. Porque ele nunca esquecia de seu povo, essa era sua grande missão, missão como profeta, ele dizia: “eu defendo a vida do meu povo, a vida em primeiro lugar!”. E foi assim que o conheci, enquanto ele visitava as famílias que estavam refugiadas no México. Num desses encontros, me apresentei a ele. Eu era a única missionária francesa que estava trabalhando com o povo nessa vila, junto a uma equipe de jesuítas. Eu admirei a sua proximidade com cada uma das famílias, o seu jeito meio tímido, mas com muito calor humano. Ele sempre repetia: um pastor, como eu, ele tem que estar onde está o sofrimento do seu povo. E esse era o trabalho dele, ele trazia conforto e esperança para as famílias.

Cerimônia de envio da Ana para a solenidade de canonização foi realizado no dia 09 de outubro./ Foto: Rodrigo Schüler de Souza

 

  • CEBI: O que você acha sobre a canonização de Dom Romero e o que ela representa para a Igreja Católica, na sua opinião?

Ana Maria Crosville: São Romero das Américas já foi canonizado desde seu martírio. O povo já o havia canonizado muito antes. O povo se inspira nele há muito tempo. Cristãos ou ateus, Dom Romero continua sendo o grande guia inspirador da luta pela justiça do povo Salvadorenho, mas também a nível mundial, porque ele foi um mártir para as Américas e para o mundo. O ato de canonização oficial em Roma reconhece o martírio de Romero, a sua santidade. Muitos bispos e uma certa hierarquia da igreja achavam que ele não deveria receber esse título. Demorou até para ele ser reconhecido. Penso que muito se deve ao Papa Francisco, se não fosse por ele, Romero não seria canonizado hoje. Houve muitos obstáculos. Mas a verdadeira santidade de Romero reconhecida por Francisco é sobre o seu martírio social e político, pois ele se comprometeu politicamente e socialmente através da sua fé, do evangelho, ao lado do povo oprimido vítima da ditadura.

Romero foi muito isolado pelos colegas da igreja na época, ele chorava por isso. Porque seus irmãos bispos não o apoiavam. O grande apoiador de Romero foi o povo. Então, essa canonização é a consagração e o reconhecimento pela igreja, e sobre tudo pelo Papa Francisco, do seu martírio. Ele deu sua vida em nome do evangelho. Ele foi condenado à morte pelo imperialismo religioso e político. Por isso, acho muito importante esse ato de canonização em Roma. Porque para o povo Salvadorenho também é um reconhecimento do seu pastor amado e comprometido.

  • CEBI: Como foi sua preparação para a viagem? Como se sente com a oportunidade de vivenciar este momento?

Ana Maria Crosville: Quando me inscrevi para ir acompanhar a cerimônia em Roma, fui logo respondida. Mandei uma carta para o bispado de lá em nome das CEBs, como representante das CEBs no Rio Grande do Sul. A minha inscrição foi aceita pela minha vivência em El Salvador, representando o povo brasileiro e o povo das CEBs. Eles nos chamam de peregrinos e peregrinas, aqueles que irão acompanhar a canonização.

  • CEBI: O que podemos tirar dos ensinamentos de Dom Romero para o momento atual do país, com tanto fascismo e intolerância?

Ana Maria Crosville: A última homilia de Dom Oscar Romero foi um apelo direto, um chamado direto aos generais, aos soldados, para que cessassem a repressão. Ele dizia: “vocês estão matando seu próprios irmãos”, “vocês não tem obrigação de obedecer a ordem dos generais de matar”, “Deus não quer a morte, ele quer a vida”, “em nome de Deus, e em nome desse sofrido povo, ordeno a vocês que não matem e que cessem essa repressão”. Essas foram as palavras dele, e foi dito com uma força incrível. Dom Oscar Romero se transformava através das suas homilias.

Ele era alguém bastante introvertido, mas era outro Romero quando fazia suas homilias. Era um profeta inspirado por Deus, ele rezava muito. Nas homilias ele irradiava a esperança, a coragem, animava seu povo e denunciava as injustiças. Essas homilias eram ouvidas em todos os cantos de El Salvador através de uma rádio, que também foi bombardeada várias vezes durante o regime. Pra mim, quando ele foi assassinado, foi um sinal para mim: de me preparar e de entrar nas zonas da guerrilha, nas zonas em combate onde estava o povo organizado para me inserir e viver essa caminhada rumo à terra prometida. Para mim foi isso. Deus me mostrou através do martírio de Romero que eu deveria ir para El Salvador e ajudar nessa causa. Foi imediato. Entrei nas zonas de combate como apoiadora, como educadora, como cristã comprometida com a busca da liberdade do povo. Romero foi meu grande inspirador, e para mim, ele continua sendo uma referência e uma inspiração no meu compromisso hoje no Brasil.

 

Para refletir:

A resistência viva na voz de Ana Maria me fez chorar na noite de terça-feira. Me fez pensar, como jovem, que é triste ver o fascismo à nossa volta e é, muitas vezes, decepcionante trabalhar com as causas dos direitos das pessoas e com a justiça social, mas que esse trabalho é fundamental para que a luta do povo se mantenha acesa e irradiando a resistência.

Ver, ouvir e sentir pessoas que fizeram de sua vida um instrumento da libertação das injustiças e das violências, nos fortalece na nossa resiliência e na nossa fé nas pessoas. Porque se tem uma fé que é inabalável, é a fé que temos nas pessoas e no direito de vida digna para todas elas.

Dom Oscar Romero continua sua profecia através de Papa Francisco, através de Ana Maria, através de tantos e tantas lutadoras pela justiça social. Essa luta está presente e se mostra de enorme importância nesse momento em que os fascismos estão eclodindo de dentro de pessoas tão próximas de nós.

(Comunicação Social do CEBI, 10/10/2018)

 

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