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Religiões, política e Estado laico: aspectos relevantes

Cidadania e Estado Laico: reflexões em torno do momento atual brasileiro

por Magali do Nascimento Cunha para Carta Capital*

Entre avanços e recuos, é preciso manter as fronteiras entre os interesses públicos, gerais, e os privados, específicos de grupos religiosos

A recente audiência pública do STF sobre a descriminalização do aborto reacendeu a permanente discussão sobre a laicidade do Estado no Brasil. Da mesma forma, expressões religiosas de candidatos às eleições 2018 têm sido objeto que alimenta este debate.

É fato que não se pode mais ignorar ou negar a visibilidade pública das religiões no Brasil. Elas nunca estiveram tão em evidência, seja no âmbito do cotidiano (cultivo da religiosidade e sua pluralidade de práticas), no plano das expressões da indústria cultural (presença nas mídias, produção e consumo de bens, serviços e entretenimento, constituição de suas próprias celebridades) e na esfera da representação e da participação pública institucionalizada ou não.

Esse contexto dá mais visibilidade à pluralidade religiosa, por isso testemunhamos tanto a emergência de novas formas de comunicação e diálogo entre religiões quanto reações à diversidade com violência e aspectos de intolerância.

Vale sempre recordar que há um lugar consolidado das religiões no espaço público para muito além da participação político-partidária:
  1. inúmeros programas sociais em parceria com governos, com ONGs e movimentos sociais;
  2. presença de religiosos em conselhos de direitos, de políticas e de gestão de ações sociais específicas;
  3. atuações de grupos religiosos em redes e articulações da sociedade civil;
  4. participação de grupos religiosos na economia, não só com o comércio interno de produtos das religiões, mas com o crescimento das ofertas de entretenimento religioso (turismo e lazer em torno da religião);
  5. intensa ocupação das mídias.

Portanto, nas demandas contemporâneas em torno de políticas culturais, das identidades coletivas, de ações afirmativas, do pluralismo, do consumo, dos movimentos sociais, de redes de articulação social, da política partidária, há uma presença das religiões que deve ser reconhecida, seja ela avaliada de forma positiva, crítica ou relativizada.

A emergência da Bancada Evangélica no Congresso, resultante da ascendência do segmento religioso pentecostal no espaço público (nos aspectos geográfico, midiático e político-partidário), passou a chamar a atenção dos segmentos sociais em geral.

Tais práticas têm gerado dúvidas e perplexidades, em especial quanto à pertinência deste lugar ocupado.

É aceso um sinal amarelo estimulado por, ao menos, três elementos: a defesa de doutrinas fundamentalistas em contraposição a interesses sociais coletivos como indício de uma forte ameaça à laicidade do Estado; o conservadorismo religioso materializado no reforço a projetos que representam retrocessos sociais e estímulo à ampliação da ação de personagens extremistas; uso da política para ganhos financeiros e como fonte para casos de corrupção.

Reconhecidos estes elementos, há dois aspectos importantes para não se perder de vista nesta discussão.

Em primeiro lugar, a relação entre religião e política não é nova. Foi construída historicamente nas culturas e se configurou pela criação, pela eliminação ou pela manutenção das fronteiras entre os Estados e as religiões, entre o público e o privado, nas diversas eras.

São diferentes construções em distintos contextos geográficos e históricos. A questão que se coloca no tempo presente é como se dá a relação de fronteira entre religiões e a política, entre o público e o privado.

A fronteira permanece, mas é preciso compreender em que situações ela é ponte e em quais ela é muro/barreira para o exercício da cidadania e da democracia.

Fronteira nem sempre é espaço de exclusão e conflito. É também o lugar em que se colocam os grupos minoritários, transitando entre o poder e o saber, entre o ser e o sobreviver.

Entre esses grupos minoritários estão os religiosos, aqueles que atuam em nome da pluralidade por meio da afirmação não só da liberdade de crença, mas das etnias, dos gêneros, das gerações, das periferias, dos grupos subalternos. Busca-se, por meio das religiões, a afirmação das diferenças e cidadania plural. Isto precisa ser reconhecido e afirmado.

Em segundo lugar, o Estado laico é uma construção. A laicidade é um processo. Não existem Estados totalmente laicos como não há Estados totalmente democráticos. Assim como a democracia é um processo de construção social e política, o Estado laico também é. O Brasil não nasceu laico, não é totalmente laico e vive um longo e difícil processo de laicização.

Neste processo há avanços e recuos. Um exemplo de avanço é a instituição do divórcio pelo Congresso Nacional, em 1977, apesar da forte oposição da Igreja Católica.

Um recuo foi a promulgação da Concordata Brasil-Vaticano/Santa Sé, por meio de projeto homologado pela Câmara dos Deputados, com o decreto 1.736/2009, aprovado pelo Senado, e assinado pelo presidente Lula.

Foi um pacto para consolidar privilégios da Igreja Católica e estabelecer outros. Portanto, identificar ameaças de recuo e potencializar as ações públicas que buscam sua prevenção e superação são ações fundamentais para a construção do Estado laico.

Esta reflexão continua na próxima quarta-feira, 15 de agosto.

Texto de Magali do Nascimento Cunha, Jornalista e doutora em Ciências da Comunicação. É colaboradora do Conselho Mundial de Igrejas. Escreve às quartas-feiras na coluna Diálogos da Fé.

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