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Entrevista com Jessé Souza, autor de A Elite do Atraso

por  Susana Daniele Pinol Sarmiento*

Em entrevista, o pesquisa fala de classes sociais, da importância da democracia e fragilidades de uma sociedade desigual.

Em pleno ano de eleições, debates fervorosos sobre combate à corrupção, as obras do pesquisador Jessé Souza estão causando curiosidade em seu jeito de olhar para temas importantes como racismo, formação de classes sociais, desigualdades sociais e outros assuntos polêmicos e ainda poucos discutidos de forma clara, objetiva, direta e acessível à população brasileira.

O professor titular de sociologia da Universidade Federal do ABC conversou com nossa equipe em evento de lançamento de seu livro mais recente A Elite do Atraso – Da escravidão à Lava Jato. Jessé é formado em direito com mestrado em sociologia na Universidade de Brasília e doutorado em sociologia na Universidade de Heidelberg na Alemanha. Também fez pós-doutorado em psicanálise e filosofia na New School for Social Research em Nova York (EUA) e foi livre-docente na Universidade de Flensburg, na Alemanha. Possui 27 livros e mais de 100 artigos. Foi presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada entre 2015 e 2016. Publicou também os livros: A tolice da inteligência brasileira em 2015 e A radiografia do golpe em 2016. Confira abaixo:

Portal Setor3- Quais componentes que, na sua opinião, são fundamentais para uma sociedade mais democrática e menos desigual por um debate mais plural?

Jessé Souza – A condição para isso é o resgate das classes populares, especialmente os excluídos entre nós. O Brasil tem sido compreendido de uma maneira e não entendemos que a compreensão é um pouco na vida prática. As ideias viram justificação, legitimação e o Brasil se percebeu pela forma do Estado, pelo patrimonialismo. No fundo, é servir para quê? Foi uma forma da elite, uma elite de proprietários, que manda no mercado, usa o Estado, o rapeia, com orçamento, fiscal e não quer que ele seja nem de uma maneira leve, como foi no caso de Lula e Getúlio Vargas, para benefício dos 70% das pessoas numa situação precarizada.

Temos uma sociedade feita para 20% dela, enquanto 80% está excluída e isso não pode ser compreendido pela forma do Estado, mas por contradições de classes históricas.

O Brasil nunca se percebeu como sendo filho da escravidão. Isso é um negócio incrível, uma completa loucura. Dessa forma, você imagina que veio de Portugal. A ideia comum como se o português que comandou a colonização e aqui se tornou um grande Portugal. Não é assim que funcionam as coisas.

A transmissão cultural não é dada pelo sangue, mas sim pelas instituições: a família que nos molda, a escola e outros. A grande instituição que influenciou todas foi a escravidão ou escravismo.

Nunca houve em Portugal, então, não se pode dizer que o Brasil é sua continuidade. Essa história foi montada para que nós não percebamos a importância da herança da escravidão. No fundo há um ódio ao escravo. Há uma combinação de pele com de classe, isso é um amálgama que nos molda. Você consegue fazer escravo, quando você humilha e percebe que não é uma coisa econômica. Mas tem que humilhar diariamente, retirar o jeito dele. E um processo de desumanização: Você não vale nada, você é um lixo, há esse ódio, o desprezo.

Hoje temos um ódio ao pobre. A maior parte dele é negro, mestiço. É uma classe que todas as outras querem tirar uma casquinha, a elite, a classe média, tem uma coisa de sadismo, um exercício de uma dominação. O que essa elite fez? Você constrói um bode expiatório no Estado e na política. Vou pelo sufrágio universal e se apropria do discurso. Para toda vez que isso acontecer você entra com esse lance da corrupção seletiva. O único grão de verdade disso tudo é que se rouba também. Nunca foi discutida a questão da classe de proprietários implica em 99% do saque, da rapina e joga a riqueza pra essa pequena classe e intermédio do Estado em juros embutido. Dessa forma, essa classe mantém uma drenagem de recursos para o bolso desses proprietários e isso nunca fica na consciência de ninguém. Como o roubo e corrupção estivessem lá. Essa é a história do Brasil. Quem você monta esse bode expiatório? Nunca tocar na verdadeira herança. Nem reflete sobre o assunto. Nós temos uma continuação da escravidão com ódio ao pobre. Isso foi a raiz do golpe. A corrupção serviu como pretexto. Não teve nada a ver com corrupção. Não teve nada a ver com PT, que efetivamente pela primeira vez na história ajudou a essa ralé de novos escravos. As pessoas não têm culpa nenhuma do abandono. Nossa questão é essa e ela é sempre encoberta. Porque foi moldado uma concepção de Brasil para tornar invisível os poderes dessa classe demarcada.

Portal Setor3 – Quais os conceitos que são importantes para falar sobre a formação de classes? Realmente a gente debate pouco sobre isso. Quais conceitos precisam vir à tona para entender essa logística? E quais atores?

JS- Eu acho que isso é uma grande incompreensão. No Brasil, o conceito de classe é baseado em renda. Você pega um fato, um resultado e entender porque alguns ganham tão pouco e outros recebem muito mais. Quando você diz que é a renda, não explica a gênese e isso é o mais importante.

A classe é o processo de reprodução de privilégios, seja positivo, ou negativo. Produzem um privilégio negativo, com ausência de presença familiar, estímulo para escola. A classe é a reprodução disso, via escola, família e relações pessoais. Há séculos temos uma classe inteira de abandonados e despreparados.

Portal Setor3- Em quais espaços?

JS- Difícil. Eu tenho feito essa crítica no próprio espaço acadêmico, bem conservador. Eles repetem as teorias de patrimonialismo. Mas o povo quer se informar e sinto que tem um esforço de um processo de politização. Está tendo muito interesse pelo meu livro. As pessoas do Brasil inteiro e isso mostra uma necessidade não atendida. As ideias velhas estão sendo combatidas, principalmente que o grande problema é a corrupção. Já está exposto que é uma fraude. As isenções fiscais são trilhonárias. O que a Lava Jato recuperou depois de dois anos não chega a dois bilhões de reais. Um valor baixo. O povo é imbecializado. A imprensa é completamente comprada pela elite.

Portal Setor3- Quero saber a repercussão do livro, como está sendo? Quais espaços você nunca imaginaria divulgar? E qual objetivo no ano de eleição? Como as pessoas estão te perguntando?

JS- Eu trabalhei bastante para eliminar da linguagem técnica, montar uma coisa que esteja clara, isso não significa que necessariamente o que é claro é superficial. As coisas mais profundas precisam ser ditas para qualquer pessoa entenda. Eu me impus esse desafio: se eu não conseguir, a falha é minha. Os intelectuais têm um ‘empavodamento’ com a linguagem e que ninguém entenda, como se fosse assim. É uma autoproteção do intelectual e o que importa é o que realmente conseguir tornar a sociedade compreensível, enquanto todos os poderes lutam para que ela não seja compreensível.

As pessoas têm que compreender o que está acontecendo para saber a real situação. No fundo, me deu uma alegria que nunca esperava na vida. Teve coisas aconteceram, por exemplo, no desfile da Tuiuti, claro, eu não sou único autor, mas da escravidão. O único livro que tratava da continuidade da escravidão até hoje, a escravidão moderna, foi o meu. Fiquei umas duas e três noites sem dormir. Muitos convites vieram do país todo. Isso é uma grande recompensa.

Portal Setor3 – Qual a importância das organizações da sociedade civil nesse debate de sociedade democrática e como elas podem auxiliar ao debate mais plural mesmo em um ano de crise com desafios de sustentabilidade?

JS- Na medida em que eu posso compreender as ONGs, as instituições são bem importantes, porque elas montam um foco de debate alternativo. Ela ajuda a mediar os venenos diários que atrapalha a capacidade reflexiva da população. Há várias falas. Desde que haja forma de contra hegemonia, que abra espaço para as pessoas compreenderem isso é vital, principalmente num momento em que estamos passando agora. Outro aspecto é o encolhimento do Estado para a sociedade. Ele aumenta para elite e o orçamento dela. Já a elite quer salário mínimo para a população.

Publicado no site do Setor 3.

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