Gênero

Feminicídio abala comunidade da IECLB

por P. Me. Evandro Jair Meurer*

Em solidariedade ao comovente assassinato de Ana Paula, secretária da comunidade de Artur Nogueira e da paróquia da IECLB em Cosmópolis (SP), reproduzimos relato do pastor da comunidade onde Ana atuava.

Cinco da manhã. Os cachorros latiam muito. Acordei. Estiquei o braço e peguei o celular. Um clique no Facebook e a primeira postagem era uma chamada triste: “Mulher é executada com 5 tiros na cabeça no (bairro) Itamaraty”. Olhei a cidade: Artur Nogueira. “Não vou começar meu dia lendo uma notícia tão triste”, pensei. Nem cinco minutos se passaram e toca o celular. Uma liderança da comunidade luterana de Artur Nogueira me liga e, aos prantos, tenta me informar que “nossa” Ana Paula foi assassinada…

Ana Paula era membro em Artur Nogueira/SP; era secretária da comunidade e 1ª secretária da Paróquia de Cosmópolis/SP.

“Pastor, preciso desabafar”, me diz Ana Paula pelo Whatsapp na noite anterior à sua morte. Ela diz como foi a primeira audiência do processo de separação. Está preocupada. Os esforços no sentido de paz conjugal estavam esgotados há muito. Eu já era o terceiro pastor da paróquia que “herdava” este desafio pastoral. As crises, via de regra, estouravam em agressão física.

Ana Paula estava ciente que sua investida para a autonomia como mulher, mãe e profissional não seria fácil, mas não imaginava que chegaria a esta tragédia.

Contudo, o momento agora era outro. O (ex)marido sumido, os parentes dela em Pernambuco, fizemos a nossa parte: funerária, cemitério, necrotério, essas coisas. A hora do enterro chegou, capela mortuária cheia de amigas e membros de Artur Nogueira e Cosmópolis.

Silêncio e comoção tomaram conta da gente quando adentraram os dois filhos de dez e cinco anos. A pastora Argeli, de Limeira, me deu apoio na cerimônia. Era o Dia  Internacional da Mulher. A concelebração com uma pastora foi crucial, cheia de significado e proatividade diante do quadro. Para muitas lá fora, o dia seria de homenagens, flores e recados carinhosos. Para nós, um momento de dor e reflexão sobre a triste realidade do feminicídio.

Cada pessoa recebeu uma fita lilás, a cor da Quaresma e da luta das mulheres. Seria o símbolo da presença de Deus naquele momento. “Para os montes olharei”, as mãos com as fitas erguidas, era nosso clamor à presença e guarda de Deus. As amigas estavam grudadas ao caixão. Uma delas filmava imagens para a mãe de Ana Paula, que não pode comparecer.

Lamentações 3.22ss era também o nosso lamento: As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos. Cantamos segurando a fita lilás junto ao coração: “Em nada ponho a minha fé, senão na graça de Jesus”. Na alocução foi difícil decidir o que dizer e mais difícil ainda dizê-lo. A narrativa da cura da mulher hemorrágica (Mc 5.25ss) foi o insight que, creio, Deus me deu: E Jesus lhe disse: Ana Paula, a tua fé te salvou; vai-te em paz e fica livre do teu mal.

Sim. Ana Paula estava livre do “seu mal”. Da violência doméstica, da pressão e dominação machista, das ameaças verbais e de tudo mais que inclui a triste realidade de muitas mulheres brasileiras. E nós, como cristãos luteranos, não queríamos que a morte dela ficasse resumida a somente a mais um dado estatístico. Precisávamos ser porta-vozes de anúncio e de denúncia. Mas também de consolo.

Falamos da importância do toque transformador que precisamos dar na direção de Jesus. A violência precisa ser contraposta com o toque transformador. Quem me tocou?, perguntou Jesus. Após o Pai Nosso, convidamos a que cada um/a segurasse uma ponta de sua fita numa mão e com a outra segurasse a ponta da fita do vizinho, nos entrelaçando e pedindo forças ao Pai!

No cemitério, a pastora Argeli fez um discurso claro e profético de que:

“Aquela morte não era da vontade de Deus e jamais poderia ser colocada na sua conta. Ela é resultado do pecado humano. O ciúme, ou qualquer outra coisa, jamais deve ser motivo para se tirar uma vida”.

Enquanto a sepultura era fechada, amarramos nossas fitas umas às outras como gesto de união em prol de um mundo mais justo, com mais paz, menos violência, ações em defesa das mulheres vítimas de violências de todos os tipos, formas e graus.

Cabisbaixos e cabisbaixas, saímos refletindo sobre o acontecido. Estamos ainda a nos perguntar qual o recado de Deus para nós? O que aprendemos com mais esta tragédia?

Ainda que a coleta de respostas precise continuar, vislumbramos inicialmente o que está partilhado abaixo.

O que a tragédia nos ensina?

???? A violência doméstica está muito perto de nós. Homens luteranos também são violentos. Mulheres luteranas também são violentadas. A violência contra mulheres não tem cor, nem religião.

???? O tema “machismo” precisa entrar na pauta de nossas comunidades. Ele não é mais algo que possamos amenizar, dizendo que “machismo é questão cultural”. Ele é REAL!

???? A pauta da violência contra as mulheres não é assunto para o “Dia Internacional das Mulheres”, mas pauta para o “Dia Internacional dos Homens”. A coisa está impregnada na gente e ativa no dia a dia de nós, HOMENS.

???? As crianças são também parte deste “pacote”. Elas sofrem tanto ou mais as consequências e, portanto, precisam também de nossa atenção e ação cristã-eclesial.

???? Como IECLB ainda não temos atitude e proatividade a contento no que se refere ao apoio institucional em casos dessa natureza. Quando uma comunidade ou um/a ministro/a são colocados, pelo exercício de sua missão, em situações de extrema vulnerabilidade envolvendo a polícia, a justiça e outras instâncias públicas, em defesa da vida, a omissão e a procrastinação da Igreja “maior” são evidentes.

???? A missão de Deus é nossa Paixão! Se não fosse assim não teríamos, como comunidade/paróquia assumido tão prontamente com nossas ações. A missão segue, mas precisamos ajuda e envolvimento de mais pessoas,de mais comunidades para pensarmos em como ajudar os dois filhos da Ana Paula.

Texto publicado pelo blog do grupo Gênero e Religião da Faculdades EST, 27/04/2018. Em nota: “Compartilhamos esta notícia com pesar e em solidariedade à Comunidade da IECLB de Cosmópolis, ao P. Me. Evandro Jair Meurer e à família de Ana Paula. Agradecemos ao P. Clovis Horst Lindner, diretor de redação do Jornal O Caminho, por partilhar o texto e a imagem.”

Foto de capa: Arquivo pessoal

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