Direitos Humanos

Igreja deformada, sempre a se superar [Fabio Py]

Diante da aurora positiva que embriagou das festividades dos 500 anos da Reforma Luterana, comemorada no dia 31 de outubro deste 2017, muito se disse sobre o valoroso evento.

No entanto, convém sair um pouco do espírito utópico-carnavalesco que tomou conta das festividades e olhar mais crítico nas igrejas/memória que se tem no Brasil. Antes de qualquer comemoração, acredito ser importante lembrar das práticas de violências, do racismo, da xenofobia e da homofobia que levam sua grande maioria de igrejas que, no hoje, afirmam-se no espectro da Reforma.

Suas violências fundamentalistas e extremismos alastram centenas de vítimas das demais religiões (principalmente as afro) e nas grandes cidades, seus templos anestesiam ainda mais os clamores dos pobres. Por isso, como teólogo submerso nessa tradição protestante-evangélico brasileira, levantei abaixo vinte elementos antidemocráticos que mereceriam ao menos ser pensados no meio de tão glamorosa festividade. Assim, destaco que:

Em 500 anos da Reforma, não se fez uma igreja qualquer!

•     Em 500 anos da Reforma, não se fez uma igreja que não estivesse 100% preocupada com suas doutrinas;

•     Em 500 anos da Reforma, não se construiu uma igreja que pedisse perdão pelo massacre, em conjunto com os governantes, das vítimas das Revoltas Camponesas no âmbito das Reformas dos seiscentos;

•     Em 500 anos da Reforma, não se fez preocupada com os “pequeninos do Reino”, mas sempre com a individualização desarticuladora da fé;

•     Em 500 anos da Reforma, não se faz uma igreja que lute pela igualdade de gênero em todas as esferas;

•     Em 500 anos da Reforma, não se fez nenhuma igreja sem preocupação com o Estado e/ou estados nacionais. Ao contrário, o que se percebe são igrejas que se aliam aos governantes e às elites;

•     Em 500 anos da Reforma, não se fez qualquer igreja sem preocupação com os dízimos, ofertas, cartões e cheques no geral;

•     Em 500 anos da Reforma, não se fez qualquer igreja cuja liderança não se preocupasse em se autoproclamar ante aos seus consumidores de fé;

•     Em 500 anos da Reforma, não se fez qualquer igreja preocupada com os que sofrem perseguição de estados, impérios, como fora morto o próprio Jesus, em crucificação pelos romanos;

•     Em 500 anos da Reforma, não se fez qualquer igreja preocupada – seja no Brasil ou na América Latina ou na Europa – com a crítica aos massacres nas colônias contra os povos dos continentes americano, africano e asiático;

•     Em 500 anos da Reforma, não se fez uma igreja preocupada com a questão da moradia, que obriga milhares de pessoas a acampar na luta pelas reformas Agrária e Urbana;

       •     Em 500 anos da Reforma, não se fez uma igreja realmente preocupada com os moradores de rua;

•     Em 500 anos da Reforma, não se fez uma igreja realmente preocupada com nossa população carcerária, sem interesse evangelístico;

•     Em 500 anos da Reforma, não se vê uma igreja preocupada com a morte de Amarildo (presente!) e outros/outras vitimas das UPPs no Rio de Janeiro;

•     Em 500 anos da Reforma, não se vê uma igreja preocupada com a carceragem e a situação de Rafael Braga (entre nós!);

•     Em 500 anos da Reforma, não se vê uma igreja em promover a memória de Cícero Guedes (presente!), Regina dos Santos (presente!) e outros (presente! presente! presente!), vítimas do latifúndio escravocrata brasileiro;

•     Em 500 anos da Reforma, não se produziu uma igreja realmente preocupada com a violência contra a mulher e engajada contra o feminicídio;

•     Em 500 anos da Reforma, não se inventou uma igreja realmente preocupada em acolher integralmente a comunidade LGBTQI;

•     Em 500 anos da Reforma, não se testemunhou uma igreja preocupada com a crítica do capital e do imperialismo;

•     Em 500 anos da Reforma, não se fez uma igreja que fez autocrítica dos racismos cometidos contra negros, negras, índios e índias;

•     Em 500 anos da Reforma, não se construiu uma igreja que não se fale de missão e evangelização, chamariz indecoroso de justificativas imperialistas e colonizadoras;

Por tudo isso, em 500 anos da Reforma, infelizmente, não se desenvolveu uma igreja profundamente ligada ao rito democrático. Uma Reforma que tivesse como verdadeira “missão” a luta contínua por justiça sem qualquer vínculo com os aparatos jurídicos e governamentais.

Agora, no contexto das comemorações pelos 500 anos da Reforma, escutei alguns entusiastas citando o dito do teólogo Gilbertus Voet, ao arvorarem por uma “Igreja reformada sempre se reformando” (“Ecclesia Reformata et Semper Reformada est”). Quando ouvi a citação fui tomado de um arrepio completo. Sim, porque me lembrei das violências recentes contra os terreiros e do histórico vínculo das igrejas com as ditaduras na América Latina.

Ocorre que eu, todo protestante, queria algo mais. Sim, (até) reconheço que Reforma Luterana “funcionou” muito bem ao ajustar-se ao Antigo Regime em favor dos governantes, das elites, das burguesias e de seus cleros – por definição, imundos. Assim, por tudo, creio que uma Reforma seja muito pouco. O que se quer não se tem nome. Por isso, o pedido, só por hoje… sem quaisquer citações às Reformas.

Fonte: Fábio Py é pós-doutorando no Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf) e colunista no site de Caros Amigos. Publicado em Caros Amigos, 06/11/2017.

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