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“Uma brecha no armário” para entender a diversidade [Entrevista com André Musskopf]

“Uma brecha no armário” para entender a diversidade [Entrevista com André Musskopf]
André S. Musskopf é autor do livro “Uma brecha no armário”, publicado pelo CEBI em 2015. O livro aborda questões relacionadas a sexualidade, homossexualidade e teologia da libertação. Em entrevista ao CEBI, André contou sobre o processo de pesquisa e as perspectivas da “teologia gay” ou “teologia e diversidade sexual”, como ele se refere ao termo mais atual para a temática.

Para o pesquisador a teologia em tensão com a diversidade sexual tem potencial de se tornar um local de fala importante para a comunidade LGBTI. Ele propõe a ocupação dos espaços religiosos por diferentes pessoas, com diferentes opções sexuais e identificações de gênero. “Talvez a questão chave seja inverter a pergunta que geralmente é feita – ‘o que a Bíblia diz sobre homossexualidade’ – e assumir como ponto de partida a realidade vivida de pessoas homossexuais – ‘o que homossexuais têm a dizer sobre a Bíblia’.”

A realidade a que André se refere, é uma realidade de preconceito e violência. No Brasil a cada hora, um gay sofre violência. Os dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República são de 2014, hoje, dois anos depois, a Secretaria não existe mais. Outro dado do relatório sobre violência homofóbica e transfóbica no Brasil apontou quase 10 mil denúncias de violações de direitos humanos relacionadas à população LGBTI. Nos últimos quatro anos as denúncias ligadas a homofobia aumentaram 460%.

Os espaços de convivência religiosa, neste contexto, deveriam cooperar para inserção dessas pessoas que ainda sofrem tanto preconceito na sociedade. Para André quando a religião se fecha para essas pessoas, elas acabam entrando em contradição. “Para muitas pessoas LGBT a vivência de sua sexualidade e a experiência de fé” surgem como ideias contraditórias, o que “causa grande sofrimento e angústia”.

Para mantermos o debate sempre “fresco”, como chama o autor, e abrirmos brechas para a convivência plural, devemos ouvir o outro, ou xs outrxs. Acompanhe a entrevista com o autor do livro. Para conhecer a obra, clique aqui.

André S. Musskopf é Doutor em Teologia pela Escola Superior de Teologia, professor do Programa de Pós-Graduação em Teologia na Cátedra de Teologia e Gênero, e integra a Coordenação do Programa de Gênero e Religião da Faculdades EST.

CEBI – Em que momento surgiu a necessidade de pesquisar sobre a teologia gay? De que modo esse conceito surge na tua caminhada, e como ele conduz tua análise da bíblia?

André S. Musskopf  – A “teologia gay” ou a discussão sobre “teologia e diversidade sexual”, como tenho preferido falar mais recentemente, surgiu no processo da minha formação ainda no Bacharelado em Teologia. Há vários motivos que se entrecruzam e que me levaram para essa reflexão e não seria possível nomear todas. Acho que o contexto da minha formação na Teologia foi marcado por uma grande abertura e, na esteira da Teologia da Libertação, uma “emergência” de vários “novos sujeitos teológicos”. Mulheres e teologia feminista, a questão da terra e teologias camponesas, teologias afro-americanas e de povos nativos, crianças e adolescentes, a própria questão da epidemia de HIV e AIDS, entre outros, foram temas e sujeitos que exigiam e propunham novos olhares contextuais desde e para a Teologia. No meio disso tudo eu também fui tomando contato e conhecendo discussões sobre homens e masculinidades e também com relação à homossexualidade, tanto do ponto de vista de movimentos sociais quanto na reflexão teológica, dentro e fora do Brasil.

Dessa forma, também fui percebendo uma lacuna na própria teologia latino-americana nesse campo, com poucas reflexões consistentes nessa área e que dessem respostas para determinadas inquietações. Soma-se a isso a minha própria experiência como homem gay, a qual não está explicitada no livro, escrito ainda num momento de minha vida em que a questão de auto exposição era mais delicada, mas também não muito mencionada em outros trabalhos, e que, sem dúvida, motivou e fortaleceu essa busca. No entanto, mais do que uma busca puramente pessoal (ainda que, de alguma forma, toda pesquisa seja), eu acredito que foi o envolvimento com aquilo que chamávamos de comunidade gay ou LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), seja em espaços e atividades de socialização ou nos movimentos sociais, que de maneira mais forte me impulsionou a uma produção nesse campo. Tanto por entender que havia (e há!) grande injustiça teológica (entre outras) com relação a essa população quanto por entender que essa experiência tinha o potencial de levar a reflexão teológica para outro lugar (como digo na conclusão de minha Tese de Doutorado, para “lugares mais frescos”).

Nesse sentido, ainda que muito do que vim a chamar de teologia gay a partir de uma perspectiva latino-americana eu tive que ir “inventando”, pois as fontes disponíveis eram de outros contextos, e que essa expressão – teologia gay – tenha que ser vista com certo cuidado, ela me ajudou a organizar e sistematizar intuições pessoais, vivências coletivas e as leituras no campo da teologia, tanto que, passados mais de 15 anos de sua escrita, acredito que “Uma brecha no armário” continua tendo uma importância na reflexão teológica e na prática pastoral. O ponto de contato com a questão bíblica vista de maneira separada está justamente no pressuposto que marca ambas: a experiência de pessoas gays como ponto de partida para a leitura bíblica (e aqui há uma forte ênfase na Leitura Popular da Bíblia) e da reflexão teológica. A Bíblia não é mais lida para “justificar” ou explicar porque “pode ou não pode”, mas como um elemento de diálogo onde a vida e a Palavra de Deus se encontram.

CEBI – No livro você aborda a questão da contradição entre “o mundo religioso e o mundo gay”, e como o processo de identificação dos homossexuais acaba os afastando da convivência religiosa. De que forma você observa avanços e retrocessos nesse debate entre conservadorismo e teologia gay dentro dos espaços religiosos?

André S. Musskopf – Essa “contradição” ainda existe e é muito real especialmente para pessoas homossexuais ou que têm identidades e expressões no campo do gênero e da sexualidade que estão fora do padrão heterossexual, o que chamamos de heteronormatividade. Embora hoje a existência de teologias, práticas e instituições que respeitam e valorizam a diversidade sexual e estas estejam mais acessíveis às pessoas, ainda há uma grande invisibilização dessa produção e desses espaços e até mesmo sua “demonização” por parte de indivíduos e grupos. Isso faz com que para muitas pessoas LGBT a vivência de sua sexualidade e sua experiência de fé sejam experimentadas como contradição irreconciliável e causem grande sofrimento e angústia. Uma das formas de resolver esse conflito é renunciando à vivência da fé, pelo menos em espaços comunitários, o que representa a violação de sua cidadania religiosa. Situações mais complicadas têm lugar quando, em nome da fé, se renuncia à vivência da sexualidade, reprimindo e sufocando o desejo, o que pode gerar posturas altamente conservadoras e violentas com relação a outras pessoas, diversas enfermidades físicas e mentais e até mesmo levar ao suicídio, muito comum especialmente entre jovens. Por isso mesmo a publicação de livros e materiais, como “Uma brecha no armário”, e a discussão do tema em diversos espaços é fundamental para outras vozes sejam ouvidas e outras possibilidades imaginadas.

A repressão conservadora, nesse caso, se faz cada vez mais presente nas igrejas que tratam de silenciar qualquer tipo de discussão, mas também nos espaços públicos onde determinadas lideranças e grupos querem intervir e impor suas convicções, como é o caso recente da discussão sobre os Planos de Educação no Brasil e a retirada a qualquer referência a gênero, sexualidade e diversidade. Vivemos, em vários sentidos, um momento de tentativa de retroceder em diversas questões e as igrejas não estão fora desse contexto. Pelo contrário, muitas vezes potencializam esses discursos e práticas conservadoras na tentativa de angariar alguma simpatia como refúgio diante do pânico moral criado em torno dessas questões. Há um longo caminho a trilhar e muito a resistir, pois a liberdade e possibilidade de autodeterminação em questões de gênero e sexualidade são as duas questões que são mais facilmente afrontadas para sustentar as estruturas e instituições patriarcais e heterossexistas que ainda marcam profundamente nossas sociedades.

CEBI – Das propostas de seu livro surge a busca por uma “nova hermenêutica” entre bíblia e homossexualidade. De que forma podemos utilizar os textos bíblicos para extrair novas concepções do mundo atual?

André S. Musskopf
– O tema de uma nova hermenêutica bíblica é tratado com bastante brevidade no livro, pois busca apontar alguns desafios a serem considerados pela reflexão teológica no marco das Teologias da Libertação e a partir da experiência de homens gays. Ele é aprofundado em outros trabalhos, especialmente em artigos publicados na Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana (49 e 56 – disponíveis online em Espanhol). No campo da hermenêutica bíblica há uma diversidade de propostas em termos de método e metodologia para tratar a relação entre Bíblia e homossexualidade e/ou diversidade sexual. Dentro da perspectiva com a qual eu trabalho eu entendo que a Leitura Popular da Bíblia é fundamental nessa discussão.

Talvez a questão chave seja inverter a pergunta que geralmente é feita – “o que a Bíblia diz sobre homossexualidade” – e assumir como ponto de partida a realidade vivida de pessoas homossexuais – “o que homossexuais têm a dizer sobre a Bíblia”. Isso nos tira dos limites estreitos de ficar discutindo indefinidamente o que alguns textos querem ou não querem dizer e qual a melhor forma de entende-los em seu contexto e no atual para pensar mais amplamente como a experiência de pessoas homossexuais pode ser pensada na sua relação com o testemunho bíblico, tanto para abrir a possibilidade de ouvir honestamente o que pessoas homossexuais têm a dizer sobre si mesmas e sua relação com Deus, quanto para jogar nova luz sobre os próprios textos bíblicos e sua mensagem – evangelho – para nós hoje. Nesse sentido, as narrativas sobre as histórias de vida de três homens gays apresentadas no livro “Uma brecha no armário” também são inspiradoras na busca dessa nova hermenêutica quando lidas em diálogo com o texto bíblico.

CEBI – Pela sua experiência trabalhar com a teologia gay, como tem sido a reação das pessoas quando você trata dessa temática?

André S. Musskopf – A reação das pessoas com relação à teologia gay varia muito dependendo do contexto e da forma como as pessoas têm contato. Já encontrei (especialmente na internet) algumas reações bastante violentas ao meu trabalho e à discussão desse tema. É óbvio que, do meu ponto de vista, há muitos equívocos e até mesmo falta de informação ao tratarem desse tema, muito mais com o intuito de gerar um pânico moral (do tipo: “querem transformar todo mundo em gay” e “até na igreja!”), totalmente descabido e fantasioso, do que efetivamente de informar do que se trata e avaliar criticamente. Aliás, isso é o que menos há. No mundo acadêmico, em geral, a reação é bastante de curiosidade, como algo exótico até, mas sem muita repercussão para além da discussão se a homossexualidade é uma experiência válida ou não.

Não há uma verdadeira crítica sexual da teologia, como propõe os desdobramentos posteriores da Teologia Queer, por exemplo. Inclusive é muito comum pessoas que não têm efetivamente pesquisa nessa área ou sobre esse tema escreverem e publicarem materiais questionáveis sobre o tema do ponto de vista da pesquisa científica, não passando de opiniões rasas e pouco informadas, bem como intelectualmente desonestas. Já do ponto de vista do trabalho com grupos e comunidades a receptividade e o envolvimento com a temática são sempre muito melhores. É verdade que na maioria dos casos tenho trabalho com grupos que já têm alguma discussão ou caminhada com a temática, mas esse nem sempre é o caso. Para a maioria das pessoas não é tão complicado lidar com essas questões porque, em muitos casos, elas conhecem pessoas homossexuais e suas experiências, ou porque a sexualidade não é apenas um tema de homossexuais.

Assim, quando se propõe a discussão sobre sexualidade integrando a experiência das pessoas e não criando uma separação artificial entre diferentes grupos (por exemplo, homossexuais e heterossexuais) há uma empatia e uma possibilidade de entender as questões que de fato estão em jogo, para além de dogmas, doutrinas, tradições e supostas verdades eternas que limitam a experiência das pessoas e causam sofrimentos. O fato de não lidar com a temática como um “problema”, mas como uma realidade que carrega as mesmas ambiguidades de qualquer outra, também facilita a comunicação e o diálogo. As pessoas preferem quando se fala com elas honestamente e não com verdades abstratas a serem obedecidas. Mais importante, no entanto, desde o meu compromisso político e acadêmico é a reação de pessoas homossexuais ou sexualmente diversas. Nesse sentido, o retorno recebido em encontros pessoais ou através de e-mails e outros meios são muito gratificantes. Muitas pessoas dizem que a leitura de “Uma brecha no armário” as ajudou a encontrar o lugar de sua fé e de sua sexualidade e até reconciliar essas dimensões de suas vidas, contribuindo para sua aceitação e empoderamento para enfrentar contextos e práticas excludentes e discriminatórias. Não há bênção maior do que essa.

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